O legado de Nietzsche é imensurável, não apenas no cenário acadêmico suas ideias visivelmente continuam ecoando. A despeito de sua vasta produção, pouco se escreveu especificamente sobre a educação, destarte, falar deste assunto é um grande desafio. Por isto, para os estudiosos da educação e seguidores do portentoso filósofo alemão, esta tarefa muitas vezes se limita a ler seus comentadores.
Nessa intercessão Nietzsche e Educação, encontramos, máxime na bibliografia nacional, os ensinamentos da eminente doutora Vânia Dutra de Azeredo, professora do Centro de Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, autora de diversos livros sobre a filosofia de Nietzsche. Em relação às suas obras, elencamos para a propositura do presente trabalho: Nietzsche – Filosofia e Educação, um compilado de nove textos de diversos autores.
No texto Claustros vão se fazer outra vez necessários. Scarlett Marton assevera sobre a nefasta mercantilização e massificação da cultura e da educação. Para Nietzsche, estes que democratizam a educação e cultura, transformando-as em quantidade sem se preocupar com qualidade, tirando a liberdade dos estudantes e transformando a cultura numa uniformidade de necessidades e opiniões, recebem o nome de Filisteus da Cultura. Ao contrário do que ocorre, o ensino perfeito deveria ser puro e desvinculado de qualquer objetivo prático para o Estado. Enquanto que a cultura deveria ter um caráter universal, ser uma criação desinteressada e desligada de qualquer intuito utilitário.
Em Educação e cultura em Nietzsche: o duro caminho para “tornar-se o que se é” de Wilson Antonio Frezzatti Jr., mais uma vez retoma a ideia de mercantilização da educação. É neste texto em que se introduz a noção de Sociedade de Rebanho que, para Nietzsche, equivale à grande parcela da população, cujos pensamentos e valores não são divergentes, uma metáfora que compara o comportamento gregário dos bois aos de alguns humanos.
Contrapondo-se ao rebanho, existe o homem superior, que está fora da massificação e nivelamento cultural, chamado de aristocrata. O paradigma de educação nietzschiana consiste exatamente na formação deste tipo incomum de homem, e os próprios aristocratas educariam a si mesmos. Logo, o “tornar-se o que se é” equivale a tornar ao máximo a potência de superioridade.
Das vantagens e desvantagens da história da filosofia para o ensino de filosofia, de autoria da organizadora Vânia Dutra de Azeredo, há uma crítica à filosofia contemporânea, a qual meramente reproduz o passado, sem produção de novos conhecimentos. Baseando-se nas lições de Nietzsche, a crítica se refere à funesta utilização da história a serviço da vida, ou seja, os filósofos passam a ser ordinários comentadores dos pensamentos pretéritos. O grande problema desta prática é a estagnação do processo de produção de conhecimento. É evidente que o estudo do passado é fundamental, mas jamais devemos subjugar a importância da criatividade e principalmente do repensar os novos valores.
Claudemir Luís Araldi, em Nietzsche, a Educação e a Crítica da Cultura, retoma a ideia nietzschiana de Sociedade de Rebanho e Filisteus da Cultura no sistema educacional. Nietzsche repudiava a educação alemã, que não diferente da nossa, formava pessoas com enorme quantidade de saberes desordenados e descontextualizados da cultura. O interesse do Estado na universalização deste tipo de educação está no fato de que ela enfraquece a cultura, transformando-a em ferramenta a serviço estatal. A solução, para Nietzsche, não poderia estar senão na filosofia. Neste diapasão, a educação deveria promover uma maior individualidade das singulares potências e capacidades humanas, e não seu nivelamento e massificação.
Nietzsche Educador: Negatividade, Afirmação e Antropofagia, de Maria Cristina Franco Ferraz, faz coro à fábula nietzschiana do cordeiro e da ave de rapina, alusão metafórica e irônica à questão dos valores morais da nossa sociedade. Os cordeiros, animais gregários que odeiam as aves de rapina, percebem-se melhores do que elas. Para os cordeiros, quanto menor a semelhança com uma ave de rapina, tanto melhor. Notoriamente, o cordeiro simboliza o homem comum, cuja identidade se dá pelo negativo do outro. É neste processo de negação que, de acordo com Nietzsche, surgem os valores morais.
Eduardo Brandão, no artigo Nietzsche e o Seu Compromisso: A Transvaloração e a “Necessidade Metafísica” em Schopenhauer reza sobre a percepção de Nietzsche a respeito da educação. Como intitulado pela sua própria obra, Nietzsche considerava Schopenhauer um educador, na medida em que, grosso modo, ambos dividem a mesma ideia a respeito da estreita relação entre metafísica e civilização. Não obstante, Nietzsche apresenta uma perspectiva mais simples a respeito dos valores. Não obsta dizer o quanto o legado de Schopenhauer foi fundamental para a noção de transvaloração nietzschiana. É óbvio que Nietzsche, em momento algum, torna-se em absoluto schopenhaueriano, entrementes, nas palavras do próprio autor: até aquele momento Nietzsche ainda era muito schopenhaueriano para ser simplesmente nietzschiano, e suficientemente nietzschiano para não ser apenas schopenhaueriano.
Em Paidéia: A Crueldade Espiritualizada, escrito por Ester Maria Dreher Heuser, a cultura encontra-se como cerne da explanação. A autora compara esta ao conceito de Paidéia – vocábulo grego equivalente às ideias de civilização, cultura, tradição e educação – e a nefasta disputa para se tornar um homem de excelência na Grécia Antiga. A ideia nietzschiana de vontade de potência, contraposta à essência dos seres, também ganha grande espaço no texto. Esta vontade de potência é sempre um pensamento valorativo, cheio de julgamentos e moralidade. Contrapondo-se com o que o autor chama de filósofo do futuro, onde a verdade, aliás, os valores de verdade ganham nova significação.
Antonio Edmilson Paschoal, no texto Da Utilidade da Filosofia para a Vida, proclama a respeito do equívoco na ementa do curso de Filosofia no Ensino Médio. Visto que, na realidade, o que os alunos aprendem é apenas História da Filosofia. Sua intenção é fazer da Filosofia um curso onde os estudantes aprendam a filosofar, justamente o que não ocorre. Em sua crítica ao ensino filosófico, o autor retoma a ideia nietzschiana de filisteismo cultural, comentando sobre a atroz banalização da cultura. Por fim, o autor relaciona a utilização que os gregos davam à filosofia com a que nós a damos. Na Grécia Antiga, os conhecimentos filosóficos eram tidos como passíveis de serem vivenciados e utilizados no cotidiano. Ao avesso do que ocorre hoje, onde o conhecimento filosófico é apreendido pelos homens como mercadoria luxuosa e erudita.
In fini, Azeredo apresenta: O Professor Nietzsche, escrito por Rosa Maria Dias, deixando-nos em estado de Nirvana por meio do deleitoso relato de Nietzsche apresentado como um homem, e não mais como gênio lendário. Notório ao imaginário de qualquer amante da literatura nietzschiana, ele foi um professor estonteante, de sorriso tímido e, acima de tudo, modesto e altruísta. Como acadêmico, não visava apenas ao acúmulo de conhecimento, mas, sim, ao desenvolvimento do senso crítico e criativo. Muito atencioso, nos diálogos com os alunos, mais ouvia que falava.
A despeito dos ínfimos registros diretamente sobre a questão da educação na obra nietzschiana, ao examinador mais incipiente, é notória a essência de Nietzsche à vocação de educador. Sapientissimamente demonstrado no decorrer nesta coletânea de Vânia Dutra de Azeredo, encontramos neste filósofo um exemplo da paidéia grega. Homem de sabedoria mítica, demonstrada ao longo dos textos, é finalmente desmistificado no último texto. Mais interessante ainda é o gran finale dado pela organizadora, no último texto, uma verdadeira ironia, que quiçá passe despercebida ao olhar desatento. Em epítome, a obra Nietzsche – Filosofia e Educação é, longe de qualquer objeção, uma fonte primordial de leitura necessária para qualquer aprendiz da Filosofia e da Educação.