Controle de constitucionalidade de leis municipais

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29/10/2016 às 23:20
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Este trabalho visa demonstrar a forma como é feito o controle de constitucionalidade nas leis municipais e os mecanismos para sua viabilidade por meio do controle concentrado.

1 INTRODUÇÃO

O tema em apreço foi escolhido a partir da dificuldade encontrada em localizar obras relacionadas à esfera municipal, eis que a grande maioria dos doutrinadores preferem voltar suas obras para o âmbito federal e estadual.

O controle de constitucionalidade é uma ferramenta utilizada para verificação de compatibilidade de lei ou ato normativo conforme os ditames da Constituição Federal, pois uma vez declarada incompatível, será ela considerada inválida. Podendo ocorrer na forma de controle difuso ou concentrado.

O controle difuso foi inspirado nos Estados Unidos da América e trazido para o Brasil. Ele parte do pressuposto que todas as leis devem estar de acordo com a Lei Maior e ainda de que a Constituição não pode ser alterada por qualquer lei, exigindo um processo específico para sua modificação.

Nessa hipótese teremos a análise da constitucionalidade a partir de um caso concreto, assim, o juiz de qualquer instância poderá analisar o caso. Todavia, os efeitos irão se restringir às partes.

Já a forma de controle concentrado é feito por meio de ações autônomas, realizado diante de tribunal podendo ser obtido perante o Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Justiça Estadual. Quando for o caso de análise de lei municipal que supostamente fere a Carta Magna, tal análise será por meio de Arguição de descumprimento de preceito fundamental ou pelo controle difuso.

Ou ainda, quando for o caso da norma constitucional de repetição obrigatória pelo Estado, teremos a possibilidade de ajuizamento de ação a nível estadual, podendo também chegar a Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal no caso de sua improcedência.

Destarte, o interesse de apresentar esse tema será mostrar os sistemas possíveis para o caso de afronta de leis municipais face à Constituição, uma vez que não existe poder judiciário a nível municipal, se restringindo apenas à federal e estadual.


2 CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

2.1 Controle Concentrado

Igualmente conhecido de controle direto, controle de via de ação ou controle abstrato. O controle concentrado foi originado na Áustria e foi desenvolvido por Hans Kelsen em 1920, tendo como base a supremacia constitucional.

Esse controle não se vincula a um caso concreto, como no controle difuso, sendo uma ação específica que irá analisar em abstrato se a lei obedece ou não os ditames constitucionais. Essa análise no nosso ordenamento é realizada, originariamente por um tribunal, pelo Supremo Tribunal Federal no caso de conflito de leis em face da Constituição e nos Tribunais de Justiça, quando leis locais vão de encontro com a Constituição Estadual.

No Brasil, encontramos cinco espécies de controle concentrado, quais sejam: ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI), ação declaratória de constitucionalidade (ADC), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), e ação direta de inconstitucionalidade interventiva (ADI interventiva), que serão analisadas a seguir.

Como forma de permitir uma melhor compreensão, passaremos a descrever a ADI, ADPF e a ADC.

2.1.1 Ação direta de inconstitucionalidade genérica

Conforme disposição da alínea ‘a’, inciso II, do art. 102 da CR/1988, compete ao STF “processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (...)”. Ou seja, o Supremo Tribunal irá analisar se a lei ou ato normativo federal ou estadual fere a constituição ou não, sem analisar um caso concreto, como é realizado no controle difuso.

Com base na análise das estatísticas das ADI`s verificamos que até o mês de janeiro de 2016 o total de ações era de 5.449 (cinco mil quatrocentos e quarenta e nove), sendo que o legitimado que lidera o número desta medida constitucional é o Procurador-Geral da República com 18,56% (dezoito virgula cinquenta e seis por cento).

Com relação a decisão final, transcreveremos a estatística disponibilizada no site do STF:

Decisão

Qtd.

%

Improcedente

521

18,82%

Não Conhecida

999

36,08%

Não identificado

342

12,35%

Procedente

718

25,93%

Procedente em parte

189

6,83%

Soma:

2.769

100,00

Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico= estatistica&pagina=adc acesso em 29/10/2016

No que diz respeito à legitimidade para a propositura dessa ação, a Carta Magna fez a exigência de que apenas pessoas específicas possam dar início a esse procedimento. São legitimados universais, ou seja, que podem demandar qualquer matéria por meio da ADI, independentemente de comprovar interesse, o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no Congresso Nacional.

Em contrapartida, a doutrina classifica como legitimados especiais, ou seja, que poderão impugnar apenas matéria relacionada com as funções exercidas pela pessoa ou pelo órgão, são eles: governadores do estado ou do distrito federal, mesas das Assembleias Legislativas estaduais ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional.

Cabe ressaltar, que uma vez proposta a ADI, o legitimado que a alvitrou, não poderá dispô-la, ou seja, não poderá desistir, uma vez que é de interesse público que a ação seja analisada.

A medida cautelar é admitida em sede de ADI, devendo comprovar o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo da demora), suspendendo a eficácia da norma impugnada até o julgamento do mérito, tendo em regra efeito ex nunc, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, exigindo o quórum de maioria absoluta para sua aprovação.

A decisão da ADI exige a presença de no mínimo oito ministros e deverá haver ao menos seis votos para que seja declarada inconstitucional. Tendo efeito, em regra, erga omnes, ex tunc (em regra), vinculante e efeito repristinatório em relação à legislação anterior, quando não houver disposição em contrário.

 2.1.2 Arguição de descumprimento de preceito fundamental

Previsto pela CR/1988 em seu art. 102, §1º, foi disciplinado apenas pela Lei Federal nº 9.882/1999, a ADPF abrange o que os outros controles não abarcam, como lei municipal ou norma anterior à Constituição, além de lei ou ato do Poder Público, desde que descumpram o preceito fundamental.

Ela tem um caráter de subsidiariedade, assim, não havendo qualquer outro meio específico a fim de declarar a inconstitucionalidade, caberá a ADPF. Vejamos previsão do art. 4º §1º da Lei Federal nº 9.882/99: “Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”.

Com relação ao termo “preceito fundamental”, não há uma definição específica do que ele seria, nem na Lei Federal nº 9.882/1999 nem na CR/1988, cabendo assim aos doutrinadores o definirem.

A legitimação para este poder concentrado, coincide com os legitimados da ADI previsto no art. 103, inciso I a IX. A medida liminar exige aprovação de maioria absoluta de seus membros, possuindo eficácia geral e podendo ou não ter efeito vinculante.

Para a decisão, é necessário que tenha o quórum mínimo de oito ministros (dois terços dos ministros), assim como maioria absoluta dos Ministros para obter a inconstitucionalidade do ato impugnado.

Até o mês de janeiro de 2016, tramitou diante do STF o total de 378 (trezentos e setenta e oito) ADPF`s, sendo que a iniciativa de sua maioria foi proposta Procurador-Geral da República no percentual de 8,01 (oito vírgula zero um) por cento.

As decisões finais dessa ação em sua maioria, 49,46% (quarenta e nove vírgula quarenta e seis por cento, são julgadas improcedentes e a minoria, cerca de 3,76% (três virgula setenta e seis por cento), são julgadas procedentes. Sendo que um número significante de ações sequer são conhecidas, o que demonstra a complexidade dessa ação.

Decisão

Qtd.

%

Improcedente

92

49,46%

Não Conhecida

48

25,81%

Não identificado

37

19,89%

Procedente

7

3,76%

Procedente em parte

2

1,08%

Soma:

186

 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico =estatistica&pagina=adpf acesso em 29/10/2016

2.1.3 Ação direta de constitucionalidade

  A ação direta de constitucionalidade (ADC) não estava prevista inicialmente na CR/1988, vindo a ser acrescida à Constituição apenas em 1993, por meio de emenda constitucional.

Ela é muito utilizada quando uma determinada lei ou ato normativo causa dúvidas, configurando uma forma de dar fim às imprecisões dos julgadores. Essa dúvida deverá ser demonstrada através da juntada de jurisprudências resultantes do controle difuso na petição inicial, de forma a deixar clara a relevante controvérsia judicial sobre sua constitucionalidade.

A norma possui uma presunção relativa de constitucionalidade, e só a partir do fim do processamento desta ação é que a lei passaria a ter a presunção absoluta de constitucionalidade, sendo que o mérito dessas decisões não admite recurso, com exceção dos embargos de declaração, destarte, passaria a vincular o Poder Judiciário e Executivo, tendo o chamado efeito vinculante.

Com relação ao objeto só admite leis ou atos normativos federais, diferentemente da ADI, que admite contra leis ou atos normativos federais ou estaduais, devendo em ambos os casos as hipóteses serem normas editadas após a CR/1988.

A ADC tem o seu maior número de propostas protocoladas pelo Presidente da República, que lidera com 14,29% (quatorze vírgula vinte e nove) por cento, seguido do Procurador-Geral da República, com 9,52% (nove vírgula cinquenta e dois) por cento das demandas, sendo que o número total dessa demanda até janeiro de 2016 é de apenas 36 (trinta e seis) ações.

As decisões da ação direta de constitucionalidade, diferentemente das demais ações, em sua maioria são pela procedência, confirmando que o dispositivo está em consonância com a Carta Maior. Vejamos:

Decisão

Qtd.

%

Improcedente

5

26,32%

Não Conhecida

4

21,05%

Não identificado

1

5,26%

Procedente

9

47,37%

Soma:

19

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Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico= estatistica&pagina=adc acesso em: 29/10/2016 

 


3          CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS MUNICIPAIS A NÍVEL FEDERAL

  3.1 Ação direta de inconstitucionalidade e constitucionalidade versus leis municipais

O art. 125, §2º da Constituição Federal dispõe acerca da possibilidade do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Estadual. Já o art. 102, inciso I, alínea “a” da CR/1988, disciplina do controle de inconstitucionalidade das leis federais ou atos normativos federal ou estadual, se abstendo de falar do controle concentrado das leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Vejamos:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;” (...)

Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo em seu Livro Direito Constitucional Descomplicado expõem que o direito municipal apenas será verificado pelo Supremo Tribunal Federal quando for objeto de controle difuso ou por meio de Ação de descumprimento de preceito fundamental, in verbis:

O direito municipal (Lei Orgânica e leis e atos normativos municipais) não pode ser impugnado em sede de ação direta de inconstitucionalidade. O direito municipal somente poderá ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle difuso, quando uma controvérsia concreta chega ao Tribunal por meio de recurso extraordinário, ou, excepcionalmente, por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF. (VICENTE PAULO, MARCELO ALEXANDRINO, 2014, p 842)

Desse modo, conforme clara previsão legal e próprio entendimento jurisprudencial, não é possível adentrar com ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, por não haver previsão expressa na CR/1988, esse mesmo pensamento é utilizado com a ação direta de constitucionalidade, ou seja, não admite que uma lei municipal tenha questionada a sua constitucionalidade por meio de ADI ou ADC perante o Supremo Tribunal.

3.2 Arguição de descumprimento de preceitos fundamentais e as leis municipais

Conforme já aduzido em momento oportuno, a Carta Magna não dispôs sobre a viabilidade do controle de leis municipais que fossem de encontro com a Constituição, permanecendo por um longo tempo a indagação se poderia ser feito uma interpretação extensiva ou não.

Em 1994, quando foi realizada a revisão constitucional, foi prevista a casualidade de adentrar perante o Supremo Tribunal do “incidente de inconstitucionalidade”, quando houvesse dúvidas sobre a constitucionalidade de leis ou atos normativos nos três níveis federais.

Porém, apenas com a Lei que regularizou a arguição de descumprimento de preceito fundamental em 1999, Lei federal nº 9.882/1999, verificou-se a possibilidade de controle de constitucionalidade em âmbito federal de leis que disciplinassem interesse local. Vejamos a previsão expressa na Lei nº 9.882/1999:

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (destaque nosso)

O ínclito Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em seu livro que disciplina sobre a “Arguição de descumprimento de preceito fundamental”, p.71, assim dispõe sobre o tema:

A Lei n. 9.882/99 contribui para a superação dessa lacuna, contemplando expressamente a possibilidade de controle de constitucionalidade do direito municipal no âmbito desse processo especial.

Ao contrário do imaginado por alguns, não será necessário que o STF aprecie as questões constitucionais relativas ao direito de todos os Municípios.

Nos casos relevantes, bastará que decida uma questão-padrão com força de vinculante. (Mendes,Gilmar Ferreira, 2009, p. 71)

Desse modo, verificamos que a ADPF é uma das espécies de controle abstrato, previstas constitucionalmente,  que admite a análise de leis ou atos normativos locais é a ADPF, perante o STF, quando esses atos ou leis infringirem preceito fundamental. 

No que diz respeito a legitimidade, o STF adota de forma taxativa o mesmo rol de legitimados previstos para a ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que a própria Lei 9.882, em seu art. 2º dispõe de tal forma.

Destarte, em razão desse posicionamento, a Corte decidiu pela ilegitimidade dos prefeitos municipais, assim como das mesas das câmaras municipais, para propor a ADPF. Nesse giz, passamos a citar publicação realizada em periódico da Faculdades Integradas de Vitória (FDV):

Ao declarar a inadmissibilidade da ADPF nº 44, que foi ajuizada pelo prefeito do município de Ibema (PR) contra Lei Municipal 06/2003, que dispunha sobre infrações político-administrativos de prefeitos e vereadores, o ministro Joaquim Barbosa asseverou que, apesar de a Lei nº 9.882/99 prever a possibilidade de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra ato normativo municipal, “[...] o artigo 2º da Lei é taxativo ao limitar a legitimidade para a propositura da argüição ao rol dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade entre os quais, claramente, não se incluem os Prefeitos ou os Municípios”.16

Diverso não foi o raciocínio que conduziu ao não conhecimento, por ausência de legitimidade ativa, das ADPFs 91 e 92, ajuizadas por prefeito municipal contra leis municipais, bem como das ADPF’s ajuizadas por diretórios municipais de partidos políticos contra a Resolução nº 21.702 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispôs acerca da diminuição do número de vereadores nas Câmaras Municipais. Ao proferir decisão monocrática na ADPF nº 60, ajuizada pelo Diretório Municipal Democrático Trabalhista (PDT) contra a aludida Resolução, o ministro Marco Aurélio afirmou:

[...] verifica-se (no caso) a ilegitimidade ativa. Consoante dispõe o artigo 2º da Lei nº 9882, de 3 de dezembro de 1999, podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade. Tratando-se de partido político, descabe agasalhar a atuação de diretório municipal.17 (DALLA BERNARDINA, Alexandre Caiado Ribeiro.; JEVEAUX, Geovany Cardoso. p.31-32)

Assim, partindo dessa premissa as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também não seriam legítimas para propor referidas ações, pois tal competência se concentra no Conselho Federal da Autarquia.

Desse modo, mesmo tratando de matéria local, não há o que se falar em ampliação do rol para o nível municipal, uma vez que a Lei 9.882 foi específica ao dispor sobre os legitimados para a propositura de tal ação, tendo o Supremo Tribunal adotado a interpretação restritiva, não aplicando o critério da observância da simetria.

3.2.1 Análise de decisões relacionadas a ADPF que versam sobre assuntos municipais

Fazendo uma análise das ADPF´s que chegaram ao Supremo Tribunal, podemos observar que a grande parte delas é indeferida de plano, não sendo ao menos conhecida, a maioria por ilegitimidade do proponente da ação ou por existir outros meios cabíveis que podem alcançar o mesmo objetivo, dentre outros motivos.

Dessa forma, iremos analisar alguns casos julgados pelo STF no que diz respeito ao não conhecimento da Arguição de descumprimento dos preceitos fundamentais.

3.2.1.1        ADPF´s não conhecidas por ilegitimidade do arguente 

A ADPF 327 foi ajuizada pelo Prefeito Municipal de Alto Rio Doce-MG em face de Câmara Municipal do respectivo Município a qual alterou Lei Orgânica do Município com a finalidade de proibir a contratação de pessoas ligadas ao prefeito, vice-prefeito, vereadores ou servidores municipais, bem como qualquer pessoa ligada a elas por matrimônio ou parentesco consanguíneo ou afim ou até o segundo grau por adoção.

Todavia, o art. 2º da Lei 9882 foi taxativo ao disciplinar os legitimados para a propositura de arguição de descumprimento do preceito fundamental, não se enquadrando o prefeito municipal, uma vez que não se aplica a simetria no caso em apreço, tendo em vista a previsão expressa da Lei e o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Sendo por isso extinto por ilegitimidade ad causam, nesse sentido passamos a citar:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (Med. Liminar)  - 327

Origem:         MINAS GERAIS            Entrada no STF: 17/09/2014

Relator:          MINISTRO MARCO AURÉLIO    Distribuído:17/09/2014

Partes:           Requerente: PREFEITO MUNICIPAL DE ALTO RIO DOCE

Requerido :CÂMARA MUNICIPAL DE ALTO RIO DOCE

[...]

Decisão Monocrática Final

     ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – PREFEITO – ILEGITIMIDADE ATIVA – NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO PEDIDO.

1. O assessor Dr. Carlos Alexandre de Azevedo Campos prestou as seguintes informações: Wilson Teixeira Gonçalves Filho, Prefeito do Município de Alto Rio Doce, Estado de Minas Gerais, formalizou, perante o Tribunal de Justiça local, arguição de descumprimento de preceito fundamental a versar dispositivos de lei orgânica por meio dos quais foi vedada a reeleição para a Chefia do Executivo e disciplinada a proibição de servidores municipais contratarem com o Município – artigos 64 e 94 da Lei Orgânica Municipal de Alto Rio Doce. O Tribunal de Justiça declinou da competência em favor do Supremo. Assentou caber a este Tribunal o exame de arguição nos termos do artigo 1º da Lei nº 9.882, de 1999. O requerente cumpriu o disposto no artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 9.882, de 1999. O processo encontra-se concluso para apreciação do pleito de medida acauteladora. 2. O rol de legitimados para propositura de arguição de

descumprimento de preceito fundamental consta do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, e é taxativo: apenas podem formalizá-la os legitimados constantes do artigo 103 da Carta, a tratar da ação direta. Nele não consta a figura do Chefe do Executivo municipal. Não há divergência na jurisprudência do Supremo quanto ao ponto: LEGITIMIDADE. Ativa. Inexistência. Ação por descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Prefeito municipal. Autor não legitimado para ação direta de inconstitucionalidade. Ilegitimidade reconhecida. Negativa de

seguimento ao pedido. Recurso, ademais, impertinente. Agravo

improvido. Aplicação do art. 2º, I, da Lei federal nº 9.882/99.

[...]

3. Ante o quadro, nego seguimento ao pedido.

4. Publiquem. (http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=ilegitimidade%20ativa%20prefeito&processo=327 acesso em 23/01/2016, destaque nosso)

No mesmo sentido foi a decisão da ADPF nº 44 que também foi proposta por prefeito municipal em desfavor de lei local do Município de Ibema (PR) que dispunha de infrações político-administrativas do Prefeito e Vereadores, matéria que seria de iniciativa privativa da União.

Apesar de realmente contrariar disposto constitucional e o princípio da separação dos poderes, o Requerente não possuía legitimidade ativa para adentrar com a ação, sendo indeferida liminarmente.

Percebam que as duas jurisprudências possuem um interstício considerável, a ADPF nº 44 de autuação datada em 2003 e a ADPF nº 327 autuada no ano de 2014, e que mesmo possuindo decisões consolidadas acerca da ilegitimidade dos prefeitos municipais vê-se ainda uma tentativa dos jurisdicionados em tentar mudar o entendimento que hoje é unânime no STF.

3.2.1.2        ADPFs não conhecidas por não observar o pressuposto da subsidiariedade 

O art. 4º da Lei 9.882 em seu parágrafo primeiro disciplina sobre o caráter subsidiário da ADPF, quando dispõe que “não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”, ou seja, impõe mais um requisito de que somente será conhecida a medida caso não se encaixe nas demais espécies de controle de constitucionalidade ou ação própria cabível.

O pressuposto de subsidiariedade, como dito em momento anterior, se encaixa em um dos requisitos mais utilizados para o não conhecimento. Na ADPF nº 176 RS que impugnava a autorização de cobrança pelo uso de bens públicos municipais pelas empresas concessionárias. Tendo no caso, o Arguente impetrado Mandado de Segurança e ADI Estadual, não chegando ao STF em razão do Requerente não ter interposto recurso extraordinário na oportunidade.

Desse modo, entenderam os ministros que a ação não respeitou o requisito da subsidiariedade, estando utilizando a ADPF como se fosse uma espécie de ação rescisória, o que não é admitido.

Processo:      ADPF 176 RS

Relator(a):      Min. CÁRMEN LÚCIA

Julgamento:   29/07/2009

Publicação:    DJe-146 DIVULG 04/08/2009 PUBLIC 05/08/2009

Parte(s):         ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISTRIBUIDORES DE ENERGIA ELÉTRICA - ABRADEE

LUIS RENATO FERREIRA DA SILVA E OUTRO(A/S)

CÂMARA MUNICIPAL DE IGREJINHA

PREFEITO MUNICIPAL DE IGREJINHA

DECISÃO ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. LEI MUNICIPAL E DECRETO QUE A REGULAMENTA. INSTITUIÇÃO DE PREÇO PÚBLICO PELA UTILIZAÇÃO DE BEM PÚBLICO MUNICIPAL POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. SEGUIMENTO NEGADO.

[...]

. 8. A admissão desse importante instrumento de controle objetivo de constitucionalidade depende da inexistência de outros meios processuais aptos e eficazes para evitar que ato do Poder Público produza efeitos lesivos a preceito fundamental suscitado, conforme disposto no § 1º do art. 4º da Lei n. 9.882/99. Sobre o princípio da subsidiariedade, afirmou o Ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 99: “...a ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) constitui via estreita, ação especial, somente admissível se atendidos determinados pressupostos estabelecidos na lei de regência. Dentre esses pressupostos destaca-se o princípio da subsidiariedade, segundo o qual não deve ser permitida a utilização da ADPF quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade (art. 5º, § 1º, Lei 9.882/99). Conforme entendimento desta Corte sobre o tema, embora, em princípio, deva-se ter em mente, para efeito de aferição da subsidiariedade, os demais processos objetivos previstos no ordenamento jurídico, a exigência refere-se, precisamente, à inexistência de outro meio capaz de oferecer provimento judicial com eficácia ampla, irrestrita e imediata no caso concreto. É o que se depreende da leitura de trecho do voto do Relator na ADPF 33-MC, Ministro Gilmar Mendes: ‘ Assim, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional. Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou inconstitucionalidade – isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata - , há de se entender possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. (...) É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem, as mais das vezes , capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata. ’ (sem grifos no original). Bem examinados aos autos, entendo ser possível, no caso concreto, ao menos em tese, a obtenção do provimento pretendido de forma ampla, geral e imediata, pela utilização de outras medidas processuais. Essa circunstância, por si só, é suficiente para afastar a via utilizada . ...” (decisão monocrática, DJ 22.3.2007). 9. No caso em exame, duas vezes o Poder Judiciário estadual teve a oportunidade de evitar, por meio de mecanismos processuais admitidos em nosso ordenamento jurídico e capazes de produzir o resultado constitucionalmente adequado, que os diplomas legais objeto desta ação produzissem efeitos, tendo-se concluído, em sede de controle difuso e concentrado de constitucionalidade (Mandado de Segurança n. 70008069650 e Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual n. 70006725022, respectivamente), pela inexistência de inconstitucionalidade na espécie. Importante realçar que a questão constitucional suscitada não veio ao Supremo Tribunal Federal pelo fato de os então legitimados não terem interposto o recurso extraordinário no momento processualmente adequado. Pretende a Argüente, portanto, transformar a ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental em uma espécie de ação rescisória preventiva ou de recurso inominado com efeito suspensivo alheio à relação processual originária, contornando todo o sistema processual vigente. 10. Ademais, a Arguente propõe a presente ação com o manifesto objetivo de impedir que uma de suas associadas sofra a cobrança instituída pelos diplomas normativos ora impugnados. E nem se afirme que a legislação ou as regras que nela se contém atingiriam, pela via proposta, outras entidades, porque, conforme é a própria Arguente que aponta já estar a matéria sub examine neste Supremo Tribunal pela via de ação direta e de outra ADPF (ações diretas de inconstitucionalidade n. 3.763, 2798 e ADPF 98). Logo, o que se tem na espécie em pauta é a repetição do tema, em sede de controle abstrato, mas, no caso, para o específico benefício de uma entidade que não logrou êxito na busca do objeto questionado. Assim, a avocação da querela para ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal em procedimento de argüição de descumprimento de preceito fundamental não aproveitaria o ordenamento constitucional objetivo de forma ampla e geral, mas atenderia apenas ao interesse singular de empresa associada da Arguente. 11. Considerados os limites de uma eventual declaração de inconstitucionalidade da lei municipal atacada, não se conclui haver dano de difícil reparação à ordem jurídica a autorizar a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental na espécie. 12. Pelo exposto, nego seguimento à presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ficando, por óbvio, prejudicada a medida cautelar pleiteada (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Arquive-se. Brasília, 29 de julho de 2009. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora. Destaque nosso. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 5350252/arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-adpf-176-rs-stf Acesso em: 21/01/2016

Situação similar foi a encontrada na ADPF nº 83 do Espírito Santo, proposta pelo Partido dos Trabalhadores – PT contra o Prefeito e a Câmara Municipal de Vitória, em que foi impugnada a Lei Municipal nº 3.624/89, que impôs ao Poder Público a obrigação de cumprir acordos coletivos celebrados com entidades representantes do servidor público do município.

No entanto, o Poder Judiciário já havia sido acionado e inclusive tendo a ação rescisória sido extinta sem julgamento do mérito, restando claro que o objetivo da ADPF era de fazer às vezes dos embargos à execução que não foi oposto na época devida, o que resultou no  não conhecimento da arguição.

Insta trazer a baila que esse entendimento, embora atualmente dominante, pode vir a sofrer mutação em sua interpretação, pois como exemplo, tanto o direito alemão como o espanhol, o controle concentrado aqui tratado está condicionado ao exaurimento da instância ordinária, com a utilização de todos os recursos úteis.

No ordenamento jurídico brasileiro, a simples interposição de um recurso especial ou extraordinário, pelo controle difuso não acarreta o mesmo efeito prático, uma vez que os efeitos estarão restritos as partes. Diferentemente do controle concentrado que possui efeito “erga omnes”.

Esse entendimento é defendido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em seu Livro Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, para tanto passamos a transcrever parte de sua obra:

Assim sendo, é possível concluir que a simples existência de ações ou de outros recursos processuais – vias processuais ordinárias – não poderá servir de óbice à formulação da arguição de descumprimento. Ao contrário, tal como explicitado, a multiplicação de processos e decisões sobre um dado tema constitucional reclama, as mais das vezes, a utilização de instrumento de feição concentrada, que permite a solução definitiva e abrangente da controvérsia.

Essa leitura compreensiva da cláusula da subsidiariedade contida no art. 4º, §1º, da Lei n. 9.882, parece solver com superioridade, a controvérsia em torno da aplicação do princípio da exaustão das instâncias. (Mendes, Gilmar Ferreira, 2007, p. 116)

 Outro fator que não pode deixar de ser observado, ainda em consonância com o princípio da subsidiariedade, consiste na possibilidade do Supremo Tribunal Federal vir a admitir a conversão da Arguição de descumprimento de preceito fundamental em outro controle concentrado, que mais se adeque ao caso.

Foi o que foi observado na ADPF nº 72, tendo como Requerente o Governador do Estado do Maranhão e como Requerido a Secretaria Executiva do Estado da Fazenda, o qual impugnou a fixação de preço mínimo por portaria, sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS).

Destarte, de forma a evitar o perecimento do processo ao extingui-lo sem julgamento do mérito, entendeu o STF que a ação deveria ser novamente autuada e ser recebida como ação direta de inconstitucionalidade, por se tratar de um preceito autônomo que estava sendo questionado em face da CRFB/1988.

3.2.1.3 ADPFs não conhecidas por ausência de interesse processual superveniente

Outra hipótese de exclusão da ADPF muito comum, consiste na falta de interesse processual superveniente em razão da perda do objeto da impugnação.

Como exemplo, citaremos a ADPF nº 86 ES, tendo como Arguente o Governador do Estado do Espírito Santo e Arguida a Câmara Municipal dos Vereadores do Município de Barra de São Francisco.

O objeto da ação foi a edição de Lei Municipal em que suspendia, temporariamente, a cobrança de taxa de esgoto até o efetivo funcionamento na localidade. Todavia, o Município protocolou juntamente com as informações prévias Lei local que revogou o dispositivo guerreado, o que resultou na perda do objeto da ação.

Um outro exemplo que citaremos será o da ADPF nº 313 que gerou muita repercussão à época que foi proposta. Ela teve como Arguente a Associação Nacional dos defensores públicos federais e como Arguido a Presidente da República e a Ministra de Estado do Planejamento Orçamento e Gestão, tendo por objeto o Projeto de Lei Orçamentária anual de 2013.

A Presidente juntamente com a Ministra reduziram os valores passados pela Defensoria Pública da União, afrontando a autonomia do órgão, bem como a Constituição. No entanto, no mesmo dia em que foi protocolada a ação, foi aprovado pelo Congresso Nacional alteração na Lei Orçamentária que permitiu o retorno dos valores inicialmente estimados pela Defensoria, provocando a perda do objeto da ADPF, sendo extinta sem resolução do mérito.

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Sobre a autora
Marcela Seidel Albuquerque

Como estagiária trabalhou na antiga Vara de Tóxicos e Entorpecentes de Vitória/ES, BANDES, VALE S/A, Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo e no Escritório de Advocacia Siqueira Castro Advogados. Formada em 2008, desempenhou a função de advogada no Escritório de Advocacia Siqueira Castro de 2008 a 2011, em 2011 lecionou direito do trabalho e direito empresarial no Centro Estadual de Educação Técnica/ES e no ano de 2012 até a presente data tomou posse como procuradora legislativa municipal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Conclusão de pós graduação em Direito Municipal.

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