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Aspectos jurídicos da prisão civil por alimentos

01/02/2000 às 01:00
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1. Introdução

O direito constitucional da liberdade do homem, na República Federativa do Brasil, é assegurado pelo art.5º da Constituição Federal de 1988, ápice do Ordenamento Jurídico Brasileiro.

A prisão, quer seja prevista na área civil ou penal, deve respeitar os princípios constitucionais do processo, pois, não ocorrendo, haverá a infração dos fundamentos basilares da jurisdição brasileira, além de atingir o Estado Democrático de Direito, visto que o magistrado, no exercício de suas funções, estará exercendo sob o aspecto ditatorial sem qualquer embasamento jurídico.


2. Prisão em face da obrigação alimentar na Constituição Federal e os Princípios Constitucionais

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;"

Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988

A Carta Magna/88 apresenta a maioria dos princípios constitucionais, explícitos no art.5º, norteando o ordenamento jurídico pátrio. A supremacia do ápice legal não apresenta derrogações condicionadas ao bem querer da comunidade política e jurídica, visto que, além da impossibilidade de ser objeto de emenda, conforme vedação constitucional prevista no art.60, tais princípios, assim como a isonomia, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, constituem em fundamentos basilares da jurisdição brasileira.

A aplicabilidade dos princípios norteadores apresenta uma harmonia e equilíbrio, possibilitando a coexistência desses com os direitos e garantias fundamentais previstos no art.5º sem que haja disparidade, salientando que, se esta houvesse, poderia resultar no desvio da função jurisdicional. Como exemplo, verifica-se a existência do direito da liberdade individual do homem e das únicas prisões civis previstas no inciso LXVII do mesmo artigo.

Constata-se que a prisão, relacionada ao tema, é explicita quando prevê no art.5º, inciso LXVII que "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia"; logo não admite-se interpretação extensiva, pois que haveria o suprimento da garantia constitucional do direito da liberdade do homem. Verifica-se, também, que fora dessa hipótese constitucional, o decreto judiciário configurará uma inconstitucionalidade ao confrontar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa previstos no art.5º e incisos LIV e LV, além de atingir o princípio do Estado Democrático de Direito previsto no caput do art.1º.


3. A prisão civil, o CPC e a CF/88

Art.733. Na execução de sentença ou de decisão , que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em três (3) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-à a prisão pelo prazo de um ( 1 ) a três ( 3 ) meses.

Analisando sistematicamente este artigo do Código de Processo Civil com o art.5º, inciso LXVII da C.F./88, constata-se que o procedimento prevê a possibilidade de prisão civil alimentar, quando na hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável. Logo, o art.733 garante o princípio da ampla defesa antes da decretação do mandado de prisão.

O descumprimento da previsão normativa enseja à possibilidade de interpor o recurso de agravo com pedido liminar ou impetrar a ação de Habeas Corpus, salientando que nesta, sendo discutido o procedimento adotado, verifica-se a possibilidade ou a existência de prisão ilegal, sob o aspecto do "erro in procedendo". Constata-se que em face da norma, a expedição de mandado citatório ao demandado deve conter o prazo e a advertência para ..."efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo",... sob pena de nulidade que pode ser argüida na ação de Habeas Corpus preventivo. O procedimento só possibilita a ordem da prisão civil em despacho fundamentado, salientando a incidência do art.93 e inciso IX da C.F./88, que na oportunidade, analisa a peça de Justificação do executado, possibilitando o contraditório e a ampla defesa. Deve-se atentar a interessante posição do STJ ( 1), a um caso concreto, no Habeas Corpus de n. 1648-0 RJ, que assim se pronunciou:

"PRISÃO CIVIL PELO NÃO PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO.

I-A Constituição e a lei processual civil exigem que a prisão do devedor de pensão alimentícia promane de decisão fundamentada, não podendo decorrer de mero despacho ordenando o pagamento, sob pena de prisão.

II- Recurso conhecido e provido."

A ação de Habeas Corpus constitui no melhor meio processual possibilitando a correção do procedimento com o conseqüente saneamento da prisão ilegal ou a sua possibilidade. Deve-se atentar a manifestação do ilustre Doutrinador, Mestre e Desembargador ARAKEN DE ASSIS ( 2):

"...De limite angusto, a cognição judicial neste remédio jamais desce à planície valorativa do error in iudicando, da injustiça do ato e da valoração da prova.. Exemplificativamente, se afiguram compatíveis com os lindes escassos da impetração as seguintes matérias: a) incompetência do juízo; b) falta de pedido; c) falta de indicação ou de ilíquida da dívida; d) ausência de chamado para o devedor se manifestar sobre o cálculo de liquidação; e) omissão de prazo para defesa; f) recusa imotivada de abertura da fase instrutória; g) desobediência ordem preferencial dos meios executórios; h) decisão carcerária prematura, expedida antes da determinação para que sejam efetuados descontos de diferenças de reajustamentos da pensão alimentícia; i) inexistência ou insuficiência da motivação do ato decisório; j) extinção da dívida por causa superveniente à defesa."


4. Prisão civil e juizado especial

Com o advento da Lei n.9099/95, o ordenamento jurídico processual brasileiro ganhou um novo dinamismo nas situações jurídicas que comportam a utilização do procedimento especial.

Não obstante a possibilidade de conciliação versando sobre matérias de competência material vedada pelo art.3º da Lei n.9099/95, em face da incidência do art.58 da mesma lei, na hipótese de alimentos destinados INCAPAZES, é mister a necessidade de pelo menos a intimação do parquet, sob pena de nulidade absoluta, em face da previsão normativa do art. 11 da lei especial combinado com o art.82, 84 e 246 do C.P.C.. Constata-se, também, que não obstante interpretando o termo "causas" previsto no art.58 da lei especial relacionado à competência em razão da matéria, há a vedação absoluta relacionada ao incapaz, impedindo que este seja parte na ação de alimentos proposta no Juizado Especial, em virtude do art.8º caput, todavia a possibilidade de conciliação ( art.22 e 23 ) sob a hipótese prevista no art.58, salientando que esta concretiza se mediante o prévio ajuizamento de ação judicial, atendendo aos pressupostos legais e às condições da ação. Logo, em face desses aspectos legais, constata-se, sob um conceito jurídico mais preciso, que a sentença de homologação propalada é inexistente, visto que não há pelo menos o interesse de agir do autor ou configura-se a incompetência absoluta em razão da matéria, revelando a inexistência do exercício do direito de ação e da relação processual. Deve-se atentar o posicionamento da ilustre, doutora e professora da PUC-SP, Teresa Arruda Alvim Pinto:

... Tendo sido movida uma ação, estando ausentes uma ( ou mais ) de suas condições, terá sido exercido direito de petição, e não direito de ação.

Ora, inexistente a ação, o mesmo se poderá dizer do processo e, por conseguinte, da sentença.

Liebman diz que: "A ação tem por garantia constitucional o genérico poder de agir, mas em si mesma não é absolutamente genérica..."

"Se, num determinado caso, faltam as condições de ação, ou mesmo só uma delas, haverá carência de ação, devendo o juiz abster-se quanto a um juízo sobre o mérito e limitar-se a declarar inadmissível a demanda."

A ação é o "direito ao processo e ao julgamento do mérito", diz Liebman. Logo, parece autorizado concluir-se que quem não tem este direito, por não estarem satisfeitas as condições da ação, não terá exercido, propriamente, o direito de ação, mas um outro direito ligado à genérica garantia constitucional, o direito de petição.

... Diz Liebman textualmente que "as condições da ação são requisitos constitutivos da ação" ( grifo nossos ). Somente se existem, pode considerar-se existente a ação." ...

Analisando-se sob o aspecto econômico, social e jurídico, constata-se que os autores pertencem a um baixo nível social sem que haja condições financeiras para arcar com despesas de custas processuais, honorários advocatícios, além da celeridade peculiar dos Juizados Especiais; visto que, quando ajuizada a ação de alimentos, a audiência de conciliação é determinada, no mesmo ato, com a média de 15 a 20 vinte dias, salientando que a parte pode comparecer sozinha, além da segurança da rápida prestação jurisdicional, quer seja favorável ou não.

Não obstante a existência do grande contingente social exigindo uma prestação jurídica condizente, deve-se seguir o procedimento legal, visto que, não o fazendo, o autor, no futuro, terá grandes prejuízos com repercussões sociais negativas. O procedimento apresenta o embasamento normativo que, na prática, deve ser aplicado com o devido equilíbrio.

Tendo em vista a previsão legal explanada, quando na hipótese do não cumprimento do acordo de alimentos, possibilitando a execução e em face da inexistência normativa que veda a execução do suposto título executivo no juizado especial, deve-se ajuizar a ação executiva declinando a competência a uma das varas de família.

Contudo, na hipótese da nulidade absoluta e insanável da Sentença de Homologação, deve-se argüi-la na oportunidade da defesa, sob o aspecto da inexigibilidade do título, visto que, admitindo-se a ação executiva, haverá a infração do devido processo legal, possibilitando o ajuizamento do Habeas Corpus preventivo ou liberatório, quando na hipótese do procedimento do art.733 do C.P.C.. Deve-se constatar o interessante posicionamento do STJ:

"H.C. 1984/DF - PROCESSUAL. JUIZADO INFORMAL DE PEQUENAS CAUSAS. ALIMENTOS. ACORDO. - PRISÃO DO DEVEDOR. Vedada a Jurisdição conciliatória as causas de natureza alimentar (Lei 7.244/84, Art. 3., parágrafo 1.), o acordo das partes, homologado em sede do chamado juizado informal, não tem eficácia para a compulsão executória da prisão civil do devedor, a mingua do devido processo legal (Lei 5.478/68, Art. 19)."

"H.C. 9363/BA - ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. ACORDO CELEBRADO PERANTE O JUIZ DO ESPECIAL CÍVEL. PARCELAS PRETÉRITAS.

- Excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, o acordo celebrado pelas partes, ainda que homologado por aquele Juízo, não tem eficácia para a compulsão executória da prisão civil do devedor, à míngua do devido processo legal.

- Cuidando-se de débitos pretéritos, inadmissível a execução nos moldes previstos no art.733 do Código de Processo Civil. Precedentes. Ordem concedida para afastar a cominação de prisão civil."

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Deve-se, ainda, atentar que havendo sentenças homologatórias (inexistentes) de conciliação, versando sobre alimentos, constitui em um entrave jurídico, visto que a Lei n.9099/95, veda a possibilidade de recurso e ação rescisória conforme o art.41 e 59. Constata-se, também, que não se aplica o art.486 do C.P.C., visto que a sentença não homologa um mero acordo, como ocorre com a separação consensual que apresenta o crivo jurídico relacionado à composição de vontades, salientando que nesta não há partes e nem litígio e que o procedimento especial não prevê a ação anulatória.


5. Jurisprudência e meses devidos

A Jurisprudência consolidada se manifesta no deferimento do pedido do Habeas, quando o inadimplemento supera os três últimos meses, conforme constata-se nos acórdãos proferidos pelo STF de n. 75180-6 MG e STJ nos n. 6.702-SP, 6.789-ES, 6.321-SP, 7.367-GO 1. Conclui-se que a inércia do autor revela o desinteresse e a falta da necessidade dos alimentos, revelando, ainda, que se necessidade houvesse, ajuizaria, de logo, a demanda evitando a morte por inanição; pois, portanto, concede-se a ordem. Verifica-se a posição interessante de que o débito superior a três meses se constitui em simples dívida pecuniária relacionada ao ressarcimento de despesas dependidas pelo exequente, em face da falta do adimplemento pelo executado. Não obstante este aspecto da jurisprudência, deve-se analisar o caso concreto, em face das provas acostados nos autos do Habeas Corpus. Inúmeras decisões concedem parcialmente a ordem relativa ao período de débito alimentar superior aos três últimos meses e denega aos três últimos, pois nestes apresentam o "caráter" da prisão civil na hipótese elencada no art.733 do C.P.C.. Não obstante esse posicionamento jurisprudencial, deve-se atentar a manifestação do ilustre Doutrinador Arnaldo Marmitt que assim manifestou 3:

"...Não é esta, por certo, a melhor solução, porque na verdade as quantias referentes aos débitos atrasados, só pelo fato do atraso não perdem o caráter de prestação alimentar. Se assim fosse, ninguém mais estaria obrigado a pensionar ninguém. O atraso, atribuível ao devedor, não despe as parcelas da natureza da causa de que emanam. O débito continua sendo alimentar. Exatamente por isso, por sempre conservarem essa índole os débitos pretéritos, nenhuma eiva de nulidade pode ser vista no decreto prisional do devedor, já que providência é legalmente prevista para o descumpridor em hipóteses que tais. Se tinha motivos para embasar pedido de exoneração, ao alimentante cumpria tomar essa providência, que seria idônea para obviar sua prisão. Não o fazendo, porém, oportunamente, e sendo vedado ao devedor beneficiar-se de sua própria relapsia, se não postulou a liberação do encargo, legítima é a sua custódia civil, ainda mais quando não justificada a impossibilidade de prestar os alimentos devidos..."


6. Conclusão

Tendo em vista o exposto, verifica-se que as garantias do devido processo legal e demais princípios correlatos devem ser respeitados, sob pena da nulidade absoluta e do favorecimento a alguns (executados ) que, sob o aspecto moral, não apresentam qualquer direito.

Todo e qualquer procedimento deve ser respeitado, não importando a exigência social, conforme dito no n.4, parágrafos 3º e 4º, sob pena de haver o entrave jurídico através da impetração do Habeas Corpus, visto que, quando o Magistrado ultrapassa os parâmetros e limites legais, este atua sem a sua autoridade peculiar ao exercício da função jurisdicional e sim com o autoritarismo ditatorial de um monarca jurídico, podendo ser corrigido pelo writ constitucional.


7. Bibliografia

1 Superior Tribunal de Justiça, https://www.stj.gov.br/ Supremo Tribunal Federal, https://www.stf.gov.br/

2 ARAKEN DE ASSIS, Manual do Processo de Execução, Editora Revista dos Tribunais, 4º ed., 1997 pag. 927/928.

3 ARNALDO MARMITT, Prisão Civil por Alimentos e Depositário Infiel, Editora Aide, 1º ed., 1989, pag.107 e 108.

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Sobre o autor
Alan Dias

advogado em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Alan. Aspectos jurídicos da prisão civil por alimentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1247, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/534. Acesso em: 23 dez. 2024.

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