O sistema de voto proporcional brasileiro

31/10/2016 às 15:15
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O presente artigo tem como objetivo elucidar o sistema eleitoral do tipo proporcional, explanando brevemente seu histórico, modo de funcionamento, e aspectos positivos, bem como apontar os problemas causadores da crise de confiança que o mesmo enfrenta.

1 INTRODUÇÃO

Acreditava-se desde os primórdios do século XX que a Democracia Representativa é o melhor modelo de exercício do poder, tendo em vista que, por se basear na delegação das decisões políticas aos cidadãos, assegurava que todos seriam ouvidos e que todas as reivindicações, na medida do possível, seriam atendidas. Passados pouco mais de 100 anos, vemos que tal modelo entra em crise. E o pior: não há nada melhor para substituí-la.

Tal problema já havia sido previsto há muito antes, por três teóricos políticos: o primeiro, Thomas Morus, discorria em seu livro, Utopia, acerca de uma sociedade perfeita, onde todos haviam alcançado a plenitude econômica, social, cultural e moral. Porém, Utopia é uma palavra derivada dos radicais gregos para “não” e “lugar”. Portanto é o “não-lugar”, ou o “lugar que não existe”.

O segundo teórico, Thomas Hobbes, elucida na obra Leviatã que o homem no seu estado natural é comparável a um animal, um selvagem, irracional. O Estado existe por ser uma forma de assegurar a segurança dos homens, mas para isso é necessário cercear parte de sua liberdade. Ora, como criar uma sociedade perfeita se não é possível mudar o coração selvagem dos humanos?

O último dos referenciados teóricos políticos, Karl Marx, explica no livro O Capital que a fonte das mazelas da sociedade é o regime proletário, que cria uma hierarquia tal como um sistema de castas, que cria o sentimento da ganância e competição entre os homens. Aliás, o maior problema da efetivação do socialismo é este: ter de lidar com humanos.

Apesar dos avisos prévios de muitos séculos atrás, eles parecem não ter sido entendidos, haja vista que hoje domina no Brasil o sentimento coletivo de frustração e indignação, o que nos faz pensar que o excerto “todo o poder emana do povo (...)” que está presente no início da nossa Carta Magna é a Utopia imaginada por Morus.

O objetivo do presente artigo é discorrer acerca de um instituto pelo qual a Democracia Representativa se manifesta: o sistema de voto proporcional. Outrossim, faz-se necessário apontar os fatores que levaram à desconfiança e à crise de tal sistema.


2 SISTEMA DE VOTO PROPORCIONAL: CONCEITO E ELEMENTOS BÁSICOS

O sistema de voto proporcional foi instituído pela primeira vez na Bélgica, no ano de 1900, tendo como objetivo principal assegurar a representação das minorias, visto que aos partidos é garantida a quantidade de lugares no Parlamento exatamente proporcional aos votos obtidos. O Brasil usa este sistema para eleger os representantes da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais (Artigo 84 do Código Eleitoral), sendo um processo diferenciado das eleições para o Senado e Prefeitura, em que se usa o princípio majoritário (Artigo 83 do Código Eleitoral). Para tal, as regras do sistema proporcional foram fixadas no Capítulo IV do Código Eleitoral, correspondendo aos artigos 105 a 113, sendo o foco deste sistema o quociente eleitoral e o quociente partidário. Para Ferreira (1997, p. 169):

“Assegura aos diferentes partidos políticos no Parlamento uma representação correspondente à força numérica de cada um. Ele objetiva fazer do Parlamento um espelho tão fiel quanto possível do colorido partidário nacional”.

O quociente eleitoral, cuja definição está no artigo 106 do Código Eleitoral, é determinado:

“(...) dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior”.

Assim, para fins de exemplo, considerando-se como votos válidos a população do Maranhão em sua íntegra (6.569.683, Censo 2010) e sabendo que o mesmo possui 18 cadeiras na Câmara dos Deputados, por divisão simples temos 364.982,3. Desprezando-se a fração por ser menor a meio, temos como quociente eleitoral 364.982 votos. Assim, para que um partido tenha direito a pelo menos uma das 18 vagas da Câmara dos Deputados, se faz necessário a ele alcançar este número mínimo de votos.

O quociente partidário, como cálculo a ser feito posteriormente ao quociente eleitoral, faz-se da forma expressa no artigo 107 do Código Eleitoral:

“(...) Dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração”. – Artigo 107 do Código Eleitoral

Aproveitando-se do exemplo anterior, se um partido X obtém no Estado do Maranhão o total de 1.200.000 votos, fazendo a divisão referida no artigo obtém-se 3,2. Desprezando-se a fração, temos três, que é o número de assentos que serão ocupados por aquele partido na Câmara dos Deputados.

Os candidatos de cada partido recebem seus votos, e, ao final, somam-se os de cada um, obtendo o total de votos do partido, para ser aferido o quociente partidário. Conforme o disposto no artigo 108 do Código, “Estarão eleitos (...) na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido”. Logo, se o partido X tem direito a 3 assentos na Câmara dos Deputados, os três candidatos mais votados da legenda irão assumir o cargo.

A maior qualidade do sistema proporcional reside no aproveitamento dos votos, visto que todos, à exceção dos brancos e nulos, são levados em conta na distribuição de cadeiras. Subtendido a ele está a regra de que, para ser candidato, é preciso estar vinculado a um partido político, sendo este o legitimador do candidato. O segundo ponto positivo está na sinceridade atribuída ao voto do eleitor, que o oferece àquele que lhe agrada, sendo na maioria das vezes a representação da maioria efetivada na apuração das urnas.

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3 CONTESTAÇÃO AO SISTEMA PROPORCIONAL: A “PIRÂMIDE DE TAÇAS”

     Em contraponto aos aspectos positivos do sistema proporcional, está a situação em que, definidos os assentos que o partido ocupará, há um número inferior ao mínimo necessário. Assim, para fins de exemplo, o partido X, que tem direito a 3 vagas na Câmara dos Deputados, possui apenas um candidato que obteve mais que os 364.982 votos necessários para se eleger. Assim, como solução prática do conflito, os votos excedentes deste candidato são passados ao segundo colocado na legenda, ao terceiro, e assim por diante. E eis a maior das críticas ao sistema proporcional: a “pirâmide de taças”, uma alusão à organização de taças em casamentos, onde o líquido servido na taça do topo transborda, passando aos outros que estão logo abaixo. Essa alusão faz referência ao fato de que nem sempre a votação expressará a vontade do povo, visto que, se um candidato não alcança o mínimo de votos necessário, ele não deveria ser eleito, da mesma forma que em uma avaliação o concorrente que não alcança o mínimo necessário não passa.

     O caso mais expressivo que as eleições brasileiras já tiveram sobre esse assunto foi nas eleições de 2002 para Deputado Federal, quando o Partido de Reedificação da Ordem Nacional – PRONA, obteve pelo quociente partidário seis cadeiras, graças a votação expressiva que o candidato Enéas Carneiro obteve: 1.573.642 votos. Os votos excedentes foram todos passados aos candidatos subsequentes da legenda: Amauri Robledo Gasques, com 18.421 votos; Irapuan Teixeira, com 673 votos; Elimar, com 484 votos; Ildeu Araújo, com 382 votos; e Vanderlei Assis, com 275 votos.

     Ainda que em menor escala, tal fato se repetiu nas eleições de 2014, quando os “puxadores de voto” ganharam destaque na imprensa. Tomando o Estado de São Paulo como exemplo, o candidato Tiririca, do Partido da República – PR obteve 1.016.796 votos, elegendo por quociente partidário os candidatos André do Prado, que obteve 164.589 votos; Marcos Damásio, com 59.368 votos, e Ricardo Madalena, sendo este por média, com 45.771 votos. Seguindo a mesma linha, Celso Russomano, do PRB, obteve 1.524.361 votos, elegendo com seus votos mais quatro candidatos: Jorge Wilson Xerife Consumidor, que teve 180.419 votos; Gilmaci Santos, com 103.127 votos; Sebastião Santos, com 95.325 votos; e Wellington Moura, que obteve 83.479 votos.


4 CONCLUSÃO

O historiador Leandro Karnal, em uma de suas entrevistas, afirmou com grande convicção: a democracia não é o paraíso, mas garante que não iremos ao inferno. Com esta alegoria ele elucida que, na ausência da democracia, ainda não foi descoberto nenhuma outra forma de exercer o poder tão eficiente e ao mesmo tempo difícil de ser executada, e que valha o esforço.

Quanto aos métodos, podem ser testados e alterados. Porém, na democracia, isso depende da vontade humana. E, quando a vontade não é estimulada, temos como exemplo de resultado o “engavetamento” de projetos importantes como o da reforma eleitoral, em 2015, que previa, entre outras coisas, uma alternativa para o voto proporcional, o sistema distrital.

Não há como saber se o sistema distrital seria cabível no Brasil, tendo em vista que este país multifacetado não pode ser comparado aos outros Estados que já o aplicam. Porém, faz-se necessário experimentar estas soluções aos poucos, para que a consciência política do brasileiro, tão desestimulada e pessimista nos últimos anos, renove-se.


3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORDEIRO, Rodrigo Aiache. Sistemas partidários e sistemas eleitorais. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12969/sistemas-partidarios-e-sistemas-eleitorais/2>. Acesso em: 11 dez. 2014. 

FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1997.

RAMAYANA, Marcos. Resumo de Direito Eleitoral. 5. ed. Niterói: Impetus, 2012. 416 p

RESULTADOS para Deputado Federal por São Paulo (1º turno). 2014. Disponível em: <http://www.eleicoes2014.com.br/candidatos-deputado-federal-sao-paulo/>. Acesso em: 11 dez. 2014.

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Sobre o autor
Afonso Garces

Graduando em Direito Pela Universidade Federal do Maranhão, com ingresso em 2013

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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