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Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão

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05/11/2016 às 14:28
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6. CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU

Barroso afirma que “A obsessão da eficiência tem elevado a exigência de escolaridade, especialização e produtividade, acirrando a competição no mercado de trabalho e ampliando a exclusão social dos que não são competitivos porque não podem ser”. (BARROSO, 2001, p. 13). Esse trecho retirado de uma publicação do jurista Luís Roberto Barroso inaugura a posição do sociólogo francês Pierre Bourdieu, segundo a qual a Educação torna-se desigual e dilatadora da desigualdade a partir do momento em que é encarada como meio de incitar a competição entre as pessoas. “A instituição escolar institui fronteiras sociais análogas àquelas que separavam a grande nobreza da pequena nobreza, e esta dos simples plebeus”. (BOURDIEU, 1996, p. 37). Assim entende o sociólogo, que corrobora seu ponto de vista com a seguinte explicação:

Assim, a instituição escolar, que em outros tempos acreditamos que poderia introduzir uma forma de meritocracia ao privilegiar aptidões individuais por oposição aos privilégios hereditários, tende a instaurar, através da relação encoberta entre a aptidão escolar e a herança cultural, uma verdadeira nobreza de estado, cuja autoridade e legitimidade são garantidas pelo título escolar. (BOURDIEU, 1996, p.39)

O resultado deste parecer é a ampliação da violência física e ideológica, marca indelével da contemporaneidade, que só se ameniza por meio de estudos e ações meticulosas. Encarar a Educação sob este prisma é aceitar a posição de superioridade dos detentores do “poder”, e aumentar o vácuo entre a representação política e a participação popular. Essa segregação é encobrida pela “pressa de cada dia”, quando a rotina laboral competitiva encobre os problemas que se alastram na sociedade.

A afirmação de que a educação “mantém a ordem preexistente, isto é, a separação entre os alunos dotados de quantidades desiguais de capital cultural. Mais precisamente, através de uma série de operações de seleção, ele separa os detentores de capital cultural herdado daqueles que não o possuem. Sendo as diferenças de aptidão inseparáveis das diferenças sociais conforme o capital herdado, ele tende a manter as diferenças sociais preexistentes. (BOURDIEU, 1996, p. 37).

A importância desses autores na presente pesquisa é no sentido de comparar Educação, Direito e Filosofia com o enfoque de encontrar soluções para algumas questões que instigam a sociedade hodierna. Os estudos desses grandes filósofos são bases teóricas indispensáveis ao analisar a Educação no Brasil, sua relação com o Direito, e seus resultados na prática.

Na perspectiva de Bourdieu, a Educação Formal é utilizada como meio de aumento da desigualdade e manutenção do “status quo”, o poder simbólico do Estado, “e, sobretudo, uma atmosfera de urgência e de competição que impõe a docilidade e tem uma evidente analogia com o mundo dos negócios”. (BOURDIEU, 1996, p. 37). Ainda sob a ótica deste sociólogo francês, a escola exclui não só pelo aspecto financeiro, mas também pelo “capital cultural”, que se explicita na diferença atual entre instituições de ensino público ou privado. “As diferenças associadas a posições diferentes, isto é, os bens, as práticas e sobretudo as maneiras, funcionam, em cada sociedade, como as diferenças constitutivas de sistemas simbólicos”. (BORDIEU, 1996, p. 22).

No livro denominado “Bourdieu e a Educação”, os autores conseguem explanar, de maneira objetiva, o foco central da obra do sociólogo, explicando a posição de que a Educação pode ser vista como uma forma de impor a cultura dominante, posto isso afirmam que “As práticas sociais seriam estruturadas, isto é, apresentariam propriedades típicas da posição social de quem as produz”. (NOGUEIRA, 2013, p. 24). Segundo Bourdieu, as “produções simbólicas” participam da reprodução das “estruturas de dominação social”, porém, fazem-no de uma forma indireta e, à primeira vista, “irreconhecível”. (NOGUEIRA, 2013, 31).

Por isso, a análise educacional realizada por Bourdieu auxilia seu leitor a entender a enorme diferença entre uma escola particular e a pública. E também, as diferenças de oportunidade que cada uma delas pode abrir a seus alunos, corroborada pela dificuldade do aluno com menos condição financeira exercer a profissão de seu gosto. No tocante ao objeto do trabalho, percebe-se que, apesar dos avanços decorrentes da redemocratização brasileira, a Educação no Brasil ainda necessita de melhoras consideráveis.

Essa constatação de Bourdieu é importante ao analisar a Educação brasileira da atualidade, pois é notória a diferença entre o Ensino público e o privado, como consequência são distintas as pretensões de futuro de cada aluno. O aluno do ensino privado, ao dispor de mais capital cultural, dispõe de mais recursos à ingressar em cargos de relevância. Por outro lado, o aluno do ensino público, ao se deparar com a estrutura e as condições deste, acaba por não dispor de atenção às aulas, esse descaso acontece em virtude do “habitus” desprivilegiado e da falta de perspectiva de futuro. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 24)

A valorização ao professor do ensino público deve ser ainda mais minuciosa, pois como ensina Bourdieu, há uma diferença enorme do “habitus” e do capital cultural, entre o aluno do colégio particular e o da rede pública. Este autor alerta o leitor de seus livros ao concluir que em virtude do “capital cultural” do aluno, este já é inserido em uma realidade específica, ou seja o ambiente em que nasceu e foi criado, no contato com leitura e conversas com os pais, contato com Arte e outros elementos pode ser primordial no futuro do estudante.

Essa “desesperança” é contrária à própria função da Educação e se alastra ainda mais ao corroborar na dualidade de formação de “aptos ou inaptos”, ao mercantilizar o processo educacional. Se a Educação for concebida mormente como entrada no mercado, obviamente, esta irá privilegiar um grupo, que pela herança e atividade cultural, já possui condições de subir economicamente e compor o núcleo dominante da sociedade. Esse núcleo dominante é aquele que estabelece a “cultura elevada”, corroborando a diferença ideológica entre estes dois grandes grupos. O grupo de aptos e o de inaptos. Essa afirmação gera preconceito de um lado, e indignação do outro, mantendo uma constante competitividade desregrada.

A posição de cada sujeito na estrutura das relações objetivas propiciaria um conjunto de vivências típicas que tenderiam a se consolidar na forma de um habitus adequado à sua posição social. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 25 e 26)

O conceito de “habitus” seria assim a ponte, a mediação, entre as dimensões objetiva e subjetiva do mundo social, ou simplesmente, entre a estrutura e a prática. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 24)

Coloca-se como empecilho para a concretização dessas melhorias, propostas pela Constituição Federal de 1988, a visão estritamente mercadológica da Educação e as consequências desse fato para a formação da opinião dos cidadãos. Busca-se superar esse fato, então, a partir da “libertação” da Educação, aos moldes do que propõe os filósofos.


7.  O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL E A EDUCAÇÃO DE MERCADO

Os argumentos utilizados no decorrer do trabalho em relação ao atual modelo de aprendizado também se estendem ao ensino jurídico aplicado no Brasil, essa constatação é fruto de observações em relações às Universidades de Direito e, principalmente, ao modelo de avaliações dos alunos. Diante da nova configuração jurídica, quociente da normatividade constitucional e na institucionalização da moral por meio desta, já exposto no trabalho, confirma-se que o profissional é cada vez mais procurado e atarefado. Esse trecho é o reconhecimento da “flexibilização jurídica” que marca o Século XXI, quando novas situações surgem corriqueiramente, exigindo uma maior sagacidade filosófica por parte dos juristas.

Vale ressaltar que a Carta Magna Brasileira de 1988 faz parte do rol de Leis internas que se adequaram a esse novo formato, como foi já foi exposto no primeiro capítulo, deu um importante passo na busca pela normatização de princípios morais, que são deontológicos (Streck). Todos esses argumentos confirmam que o ordenamento jurídico do Brasil dispôs, em sua lei maior, o papel do Estado como promotor de Direitos imprescindíveis ao cidadão, isto independentemente da posição político/ideológica defendida pelo governante, pois, vale lembrar, o arranjo constitucional vincula a atuação de todos os poderes.

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Com espeque nos indícios supramencionados, averígua-se que o ensino jurídico deve seguir a nova configuração do Direito e despertar no estudante o senso crítico que o liberte da estreita memorização da letra legal. Necessita-se, principalmente, que os exames e concursos de provas e títulos sigam essa ideia, pois a grande maioria dos alunos desta área opta por seguir a carreira de advogado ou ingressar em algum cargo que o Poder Público oferece. Por isso, a crítica à educação mercadológica chega até o Direito no tocante à decoreba que o estudante é submetido para passar nos exames.

A reificação das relações sociais e das pessoas torna o conhecimento uma ferramenta de cálculo de ganhos. Estuda-se numa faculdade de Direito não por gosto pelo justo, mas porque o direito permite uma profissão jurídica rentável. O conhecimento de uma área passa a ser menos respeitado do que o de outra porque remunera menos. (MASCARO, 2012, p. 510)

A Filosofia se mescla mais uma vez com Direito e Educação ao passo que possuem escopos semelhantes, e muitas vezes são tratados de maneira isolada, tendo o ultrapassado dogmatismo como barreira à corroboração da nova ordem jurídica.

É irrecusável, por conseguinte, encontrar um fundamento para a vigência dos direitos humanos além da organização estatal. Esse fundamento, em última instância, só pode ser a consciência ética coletiva, a convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância, ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos internacionais. (COMPARATO, 2010, p. 72)

O ser humano estabelece relações jurídicas a todo instante, seja ao comprar, vender, ou em infortúnios como um acidente de carro. É evidente então que o Direito é onipresente na sociedade, sempre existirá como agente regulador de condutas, independente do período histórico e das correntes filosóficas que vigorarem. Ainda é visto que “a linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais”, assim afirmou Bobbio. (BOBBIO, 2009, p. 09)

Por este motivo, ser um profissional dessa área exige muito mais do que “recitar” leis, já que sua aplicação requer interpretação, e esta, como consequência, exige do jurista uma boa base teórica. O Direito é um instrumento de evolução e revolução, e é papel do profissional da esfera jurídica estudar as leis, porém, mais importante do que isso é o esforço para concretizá-las, efetivá-las. Nesse sentido se posiciona Bobbio, ao afirmar que:

Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem direitos”. Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados não instituições internacionais e nos congressos, enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria não possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados). (BOBBIO, 2004, p.09)

O Direito então deve ser proclamado como instrumento de modificação de realidade, como fruto de mudanças históricas que desaguam em uma configuração jurídica cosmopolita, que visa dirimir conflitos que evolvem toda a humanidade. 

Não se tratar de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 2004, p. 25)

O trabalho tem o escopo de despertar o senso crítico do aluno de Direito sobre o ensino escolar no Brasil, em suas diversas fases, do fundamental ao superior. E também, sobre o próprio ensino jurídico no Brasil, e não deixar que essa área do conhecimento, seja entendida apenas como porta de entrada para concursos públicos. Pensar o Direito, relacionando-o com os acontecimentos sociais a partir de movimentos históricos e filosóficos, é também função do jurista. “Em suma, a formação do jurista exige a verificação de que os conceitos que elabora ou recebe estão em conformidade com o fenômeno jurídico, ou com os aspectos da vida social que o direito propõe-se a regular”. (COELHO, p. 161 2003).

O pensamento crítico que denuncia a Educação mercadológica é fundamental para evitar a pressa e a velocidade desmedida que este modelo propaga. Ao explicar a “violência simbólica” que cerca a sociedade atual, Bourdieu afirma a atuação da escola como auxiliadora dos meios dominantes no sentido de manter a “dualidade social” já existente.  Essa dualidade se configura na separação entre o “apto” e o “inapto”, entre o “útil” e o “inútil”. Portanto, a Educação, em seu caráter mercadológico, pode ser considerada um impedimento à real efetivação das garantias constitucionais e acaba por segregar setores da sociedade.

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Sobre o autor
Vinícius Pomar Schmidt

Advogado e professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHMIDT, Vinícius Pomar. Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4875, 5 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53449. Acesso em: 20 abr. 2024.

Mais informações

Texto referente ao Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, no ano de 2015, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Orientação de Larissa Machado Elias e Eliana Borges Fleury Curado.

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