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Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão

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05/11/2016 às 14:28
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8. A EDUCAÇÃO MERCADOLÓGICA COMO IMPEDIMENTO À EFETIVAÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

A partir do trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu percebe-se que a educação brasileira, ao dar exclusividade ao seu aspecto mercadológico, torna-se alienante e mantenedora do “status quo”, inviabilizando, portanto, a formação crítica dos cidadãos. A formação crítica, neste sentido, que é a responsável por dar ensejo às mudanças sociais, e diminuir, como consequência, a distância ideológica entre o representante político do Estado e o cidadão representado. Esse vácuo existente entre os dois acarreta a oposição de sentimentos que gera a desigualdade social. (BOURDIEU, 2008, p.38)

Desta configuração, espalham-se diversas mazelas como a violência e a intolerância diante da diferença, que só são combatidas pelo ardor de uma Educação eficaz, que exige muito mais do que a preparação para o mercado de trabalho. Conclui-se então por meio desta pesquisa, que a Educação mercadológica é uma das causas impeditivas da efetivação prática dos dispositivos constitucionais.

O filósofo Slavoj Zizek corrobora os argumentos explanados no decorrer do trabalho, ao afirmar que:

O sistema escolar é cada vez menos uma rede compulsória elevada acima do mercado e organizada diretamente pelo Estado, portadora de valores estabelecidos (liberte, égalité, fraternité); em nome da fórmula sagrada “de menor custo, maior eficiência”, vem se sendo cada vez mais tomado por várias formas de PPP (parceria público-privada). (ZIZEK, 2013, p. 10)

Percebe-se, portanto, que as instituições de ensino passam, cada vez mais, por um processo de mercantilização, em que além de trazer o foco da Educação para seu aspecto mercadológico, transforma a escola em uma grande empresa. Neste modelo, amplia-se a desigualdade de posições sociais, ao passo que mantêm a ordem social preexistente, impedindo que aquele estudante que não traz um “capital cultural” do ambiente familiar ingresse ou permaneça no processo educacional, posteriormente é considerado “inapto” para o mercado de trabalho, tornando-se parte de grande parcela da população brasileira que luta diariamente por um emprego que lhe garanta o mínimo existencial. (BOURDIEU, 1996, p. 37).

Ora, essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apóia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por um todo compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema de livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades de sábios de outrora, os laboratórios hoje. Mas ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído. (FOUCAULT, p. 17, 1996)

Como discorre Foucault no trecho supramencionado, é importante que seja analisado o modo como o saber é exercido na sociedade, visto que a Educação pode ser um meio de manter uma ordem social preexistente que alastra a desigualdade, estabelecendo aptidões e “domesticando” opiniões. Sob esta ótica, relacionando com o conceito de “violência simbólica” proposto por Pierre Bourdieu, percebe-se que a imposição de uma cultura dominante é configurada por meio da produção do discurso de interesse de alguns, fazendo com que grande parcela da população mantenha a configuração estabelecida por perceber tal situação como natural ou irremediável. Esse arranjo tem reflexos óbvios no campo educacional e no Direito, na medida em que a Educação é o ponto de partida para a efetivação do que dispõe a Lei.

Sob a égide dos argumentos expostos no caminhar da presente pesquisa conclui-se que o cidadão brasileiro tem, com ratificação constitucional, direitos e garantias fundamentais. E tem também por força do Constitucionalismo, prerrogativas para impedir que os detentores do Poder extrapolem suas funções. No entanto, para que toda a letra legal protecionista suplante a teoria e se torne realidade no Brasil, é necessário que o cidadão esteja ciente de todos estes acontecimentos. E isso acontece por meio da Educação.

Em vista disso, é válida a afirmação que propõe que a Educação é o preâmbulo para as demais melhorias sociais, já que é a partir dela que o educando pode ser alertado sobre sua incumbência política e modificadora de realidade, porém é salutar que o processo educacional seja libertador, e não alienador, sob pena de perder sua eficácia, servindo como instrumento de dominação e exercício de poder.

E mais, é visto que melhoras na Educação são condicionadas a um aspecto cultural, resultando em diálogos que extrapolam em muito a proposta do atual trabalho. Porém não é o propósito da presente pesquisa discorrer sobre esses tópicos, mas sim propor um pequeno prelúdio, uma provocação filosófica sobre a Educação mercadológica que marca o presente momento.

Bobbio foi um dos grandes juristas do século passado, contribuindo de maneira significativa com o estudo da democracia e dos direitos fundamentais. Dentre esses direitos se encontra a Educação, objeto do trabalho, e principal responsável na conscientização dos cidadãos como sujeitos de direitos. Sob esses argumentos, a Filosofia tem papel fundamental nas mudanças sociais por enxergar com mais profundidade, a raiz dos problemas:

Pareceu-lhe que somente o filósofo (...) fosse capaz de entender as vozes ocultas da história, de medir o grau de desenvolvimento a que chegara a humanidade, de entender o curso futuro dos eventos, de indicar as diretivas para as reformas civis e políticas. (KANT apud BOBBIO, 2004, p. 135)

O jurista deve buscar amparo na Filosofia ao analisar e aplicar as leis, visto que essas áreas do conhecimento se fundem diante da necessidade de evitar o desrespeito de direitos fundamentais. É importante, portanto, que as instituições educacionais de ensino jurídico sigam essa tendência, dedicando atenção especial à essa disciplina, já que em muitas situações essas matérias são postas de lado por possuírem pouco peso nas bancas de exames e concursos.  


9. NIETZSCHE E A FORMAÇÃO DE “ESPÍRITOS LIVRES”

Friedrich Nietzsche certa vez afirmou que, "Aprender a pensar: não se tem mais noção disso em nossas escolas. Mesmo nas universidades, inclusive entre os verdadeiros eruditos da Filosofia, a lógica começa a se extinguir como teoria, como prática, como ofício."(NIETZSCHE, 2009, p. 73).  Essa frase poderia ser aplicada em diversos casos da atualidade, porém foi escrita em 1888 pelo filósofo citado, em seu livro denominado “Crepúsculo dos Ídolos”. Este pensador “martela” todo o aparato educacional de sua época com o argumento de que as instituições alemãs não se preocupavam com a formação criativa dos estudantes, preocupando-se apenas em preparar, no menor tempo possível, os jovens para a competição laboral.

Nietzsche argumenta em favor de uma formação artística, de “espíritos livres” de dogmas, que vivam de vocações e vejam o mundo “com o olhar de uma criança”, que buscam “apreender” os conteúdos e modificar a realidade. Nietzsche afirma também que a Alemanha do final do século XIX, período em que produziu suas obras, estava impregnada de “filisteus da cultura”, ou seja, pessoas com esteio de mercantilizar a formação educacional dos indivíduos, adequando-os a padrões industriais de mera repetição laboral, esta situação, na análise marxista, aliena o trabalhador e o impede de modificar a situação. Sob a ótica atual, o “filisteu da cultura” é aquele que reduz a força e importância do processo educacional, utilizando-o como instrumento de dominação e vantagens individuais. (NIETZSCHE, 2009, p. 70 e 71). 

Nietzsche ainda colabora enfatizando que o ser humano deve seguir suas vocações, pois é através dela que se consegue a excelência, aquilo que ele chama de “vontade de potência”. (NIETZSCHE, 2009, p. 71). No entanto, percebe-se que a configuração do Estado contemporâneo não permite o afloramento das vocações individuais, tampouco permite o livre exercício das atividades lícitas, contrariando com veemência o disposto na humanista Carta Magna de 1988. Com o esteio de corroborar as mazelas provocadas pela visão mercadológica da educação, os livros de Nietzsche, escritos no final do século XIX, tornam-se atuais ao ponto de explicar acontecimentos corriqueiros no mundo contemporâneo.

Nietzsche explica também que o processo educacional deve ser lento, gradativo e libertador, formando “espíritos livres”. De acordo com o filósofo alemão, esses “espíritos livres” não devem ser considerados prontos ou aptos, pois estão em constante crescimento e desenvolvimento. Essas ideias do filósofo alemão são instigadoras, visto que se encaixam muito bem nos acontecimentos atuais, e fazem repensar a pressa com que os jovens são educados e classificados em aptos ou não para adentrar no mercado de trabalho.


10. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

Essas ideias libertadoras do pensador alemão estão concatenadas com os estudos do filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire, este educador foi um grande defensor de uma visão “emancipatória” da educação, com vistas a garantir com êxito o exercício educacional do país. Freire pauta seus estudos na luta contra o “bancarismo educacional”, em que o aluno apenas deposita as informações que o professor transmite e não constrói seu conhecimento próprio sobre os assuntos.

Paulo Freire defende a função “modificadora de realidade” da educação, pois o processo de formação deve “libertar o oprimido” em busca de sua “autonomia”, Freire expõe que a capacidade intelectual é função exclusiva dos seres humanos, e é por intermédio dela que consegue-se realizações pessoais e comunitárias. Afirma que “somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por si mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”. (FREIRE, 2014, P. 68).

Freire adota a postura no sentido de que a Educação é a chave para as demais mudanças em um Estado, “especificamente humana, a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é artística e moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos”. (FREIRE, p. 68). Por isso Educação, Política e Filosofia se aglutinam em uma só matéria que tem estopim e objetivos análogos. É incumbência dessas áreas do conhecimento esgrimir sobre a participação popular na configuração social, e dispor ao educando a base teórica para “pensar o mundo”, e não somente memorizar informações.

Neste viés, Freire afirma em suas obras que o educador deve alarmar seu aluno, mormente os que possuem menos condições financeiras de arcar com os estudos, que este deve se posicionar e lutar por sua posição na sociedade, com o intento de evitar que o Estado e seus representantes ultrapassem a vontade geral em virtude de interesses individuais. Essa mudança é estrutural e ideológica e requer um conluio entre professor e estudante, um diálogo inovador e alterador de realidade. “No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”. (FREIRE, p. 75). Dessa forma, afirma que:

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Não se trata obviamente de impor à população espoliada e sofrida que se rebele, que se mobilize, que se organize para defender-se, vale dizer, para mudar o mundo. Trata-se, na verdade - não importa se trabalhamos com alfabetização, com saúde, com evangelização ou com todas elas -, de, simultaneamente com o trabalho específico de cada um desses campos, desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta. Mais ainda, que sua situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo que não pode ser mudado. (FREIRE, 2014, p. 77).

Essa atitude política necessária para as melhorias no campo social deve surgir durante o processo educacional formal, ou seja, na escolarização. O papel da escola, sob esta ótica, seria, além de preparar o estudante para a competitividade do mercado de trabalho, colocá-lo como ciente de seu papel na transformação do mundo, diminuindo assim a distância entre o cidadão e seu representante político.

Paulo Freire ratifica em seus livros a força modificadora de realidade proporcionada pela Educação, que parece adormecida em detrimento à exigência de competitividade que marca a contemporaneidade, essa disputa por espaço e visibilidade que transforma a formação educacional dos cidadãos em mero “bancarismo”, depósito de informações.

A crítica ao “bancarismo” educacional se relaciona com a luta de Nietzsche contra a Educação de mercado da Alemanha de sua época, ambas as teorias lutam contra a padronização e buscam instigar as pessoas ao despertar do pensamento crítico, que resulta em um agir consciente. Esse agir consciente é necessário para lutar com eficácia contra abusos do poder em suas variadas espécies. A Educação libertadora é aquela que denuncia os “filisteus da cultura, e “transvalora” a sociedade, pois vai na raiz do problema e atinge aos poucos uma falha cultural arraigada no Brasil da atualidade. (FREIRE, 2014, P. 68)

De acordo com o que já foi exposto no trabalho, fica claro então, que as melhoras na educação começam pelo “princípio”. Não obstante ao pleonasmo da afirmação, entende-se que seja necessário fazer uma “microfísica da educação”, analisando-a ideologicamente nos diversos segmentos da sociedade. Foi o que Paulo Freire fez ao viajar pelo país dialogando com pessoas de todas as classes sobre a educação, e a partir disso elaborou seu método de aprendizado para crianças e adultos. (FREIRE, 2014, p. 24)

Freire afirmou que “quando se une a teoria com a prática tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade”, posto isso buscou transformar em prática seus estudos filosóficos e pedagógicos. Enfim, a função prática da Educação e da Filosofia é questionar e libertar as pessoas de padronizações, dessa forma, a libertação da Educação que Paulo Freire e Nietzsche propõem seria uma sugestão no sentido de praticar aquilo que o Direito busca. (FREIRE, 2014, p. 27)

O objetivo do trabalho torna-se, então, o libertar da Educação de mercado, através da conscientização da população de seu protagonismo alterador de realidade.

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Sobre o autor
Vinícius Pomar Schmidt

Advogado e professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHMIDT, Vinícius Pomar. Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4875, 5 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53449. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Texto referente ao Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, no ano de 2015, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Orientação de Larissa Machado Elias e Eliana Borges Fleury Curado.

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