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Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão

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05/11/2016 às 14:28
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11. EDUCAÇÃO E CRITICIDADE

A eficácia da participação popular no processo de mudanças de uma sociedade está condicionada ao nível de educação desta população. É preciso “transvalorar” a visão da formação escolar nos mais diversos segmentos da Educação Formal, da infantil até o Ensino Superior, uma “microfísica” capaz de combater a “violência simbólica” que permeia a vida dos cidadãos.

A formação de “espíritos livres” que Nietzsche propõe, trazida aos dias atuais, traduz-se na educação livre da disputa por capital, despreocupada com a concorrência que gera a dominação social que permeia os setores da sociedade hodierna. É preciso então “transvalorar” a educação, como condição básica da efetivação das garantias que o ordenamento jurídico propõe. A preocupação com o vocacional supera o “materialismo histórico” e coloca o trabalho e o crescimento econômico como fatores naturais. (NIETZSCHE, 2009, P. 70)

No decorrer do trabalho, Direito, Filosofia e Educação se mesclaram com o escopo mútuo de analisar e estabelecer as normas que vigem o aparelho educacional do país. Esse diálogo tem como objetivo principal a busca pela efetividade prática dos avanços que a Constituição Federal de 1988 propõe e debater a real finalidade da Educação como Direito Social, ínsito ao ser humano.

Colocar a entrada no mercado de trabalho e o crescimento econômico como resultados naturais de uma Educação pautada na formação crítica, política e vocacional, parece um sonho inalcançável. No entanto, como ensina Mário Sérgio Cortella, em sua obra “Pensatas Pedagógicas”, ser educador requer Esperança, pensar a Educação, portanto, exige que se exalte sua importância como a responsável por amenizar grande parte das mazelas que compõem o círculo social. (CORTELLA, 2014, p. 04) 

Essa entrega ao duelo de mudar uma configuração já arraigada é o maior dos desafios de todos os filósofos citados no decorrer o trabalho, afinal “educar” é, acima de tudo, preocupar-se com outro. (CORTELLA, 20014, p. 05). Essa preocupação com o próximo, que marca o objetivo fundamental do processo de formação educacional, não afasta a individualidade e os elementos virtuosos de cada educando.

Cada vez mais se fala em Educação como se ela fosse a grande alternativa para a desmontagem da pobreza e da miséria entre nós; mas parte daquelas que enfatizam que o ensino é a principal ferramenta de que dispõe uma nação não tem, de fato, ações efetivas para o fortalecimento da Educação. (CORTELLA, 2014, p.65)

Melhorar a educação de um país, e consequentemente efetivar os avanços que a Constituição Federal explicita, em relação ao Estado Democrático de Direito, pressupõe, em primeiro lugar, questionar os valores que marcam a Educação na contemporaneidade. O sentido filosófico do trabalho resume-se em aflorar no leitor a real finalidade do processo educacional, e quais as consequências da velocidade e superficialidade da pós-modernidade líquida, líquida em virtude das relações humanas cada vez mais “escorregadias”. (BAUMAN, 2013)

O respeito às diferenças passa a ser o grande projeto do mundo atual, como explana Bobbio (BOBBIO, p. 24, 2004), é preciso efetivar Direitos, pois estes já estão reconhecidos. A Educação libertadora é indispensável neste processo, visto que enquanto permanecer a ideia reducionista do processo educacional, segregando os cidadãos, e atendendo aos interesses daqueles que possuem o poder dominante, esta não logrará êxito.

A conscientização é a “vontade de potência” necessária para ultrapassar as mazelas da sociedade, superando a “domesticação dos corpos”, como ensina Foucault ao afirmar que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nosqueremos apoderar”. Ou seja, Foucault afirma a alienação política como resultante da construção de discursos que visem padronizar opiniões, e a Educação deve ter como escopo principal combater essa realidade. (FOUCAULT, 1996, p. 10).

Bourdieu também discorre sobre a força simbólica do discurso, de sua construção e sua aplicabilidade na realidade social, ao passo que a representação política tem sofrido grandes alterações no decorrer da história. Esse autor, assim como foi dito no decorrer da presente pesquisa, abarca a Educação neste processo de alienação e padronização, colocando-a dentre as instituições que acabam por aumentar a desigualdade de posições sociais. Essa constatação se encaixa no momento atual do Brasil, com o fulcro de que o cidadão tem se afastado cada vez mais de seu papel político, em virtude de abundantes casos de corrupção e do distanciamento do representante para com o representado.

Cada campo de produção simbólica seria, então, palco de disputas – entre dominantes e pretendentes – relativas aos critérios de classificação e hierarquização dos bens simbólicos produzidos e, indiretamente, das pessoas e instituições que o produzem. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 32)

Aos moldes do que narra George Orwell em sua cidade fictícia, chamada “Oceânia”, onde a população foi dominada pela imposição da igualdade de ideias e atitudes, uma Educação Mercadológica impõe padronização, configura conflito de interesses, em que, pela força e influência, o interesse da classe dominante impera. Essa constatação gera revolta por parte da população “vencida”, inerte e sem força, essa parcela esquecida se revolta, e busca fazer Justiça aos moldes de Talião, gerando violência e uma disputa ideológica que parece imperceptível aos olhos de todos.

Esse conflito ideológico que Bourdieu chama de “violência simbólica”, caracterizada pelo uso da violência independente do emprego da força física, parece imperceptível aos olhos da população pois é camuflada pela pressa do cotidiano, e pela cegueira generalizada que faz com que grande parcela da população fique presa aos padrões impostos de qualidade de vida e até mesmo felicidade.

Como ensina Zizek “até o processo de envolvimento em relações emocionais ocorre cada vez mais segundo a linha de relações de mercado”, isso significa que encaixar a formação educacional nesse processo de mercantilização resulta em um grande retrocesso, e desrespeito ao que dispõe a Constituição Federal de 1988. 


12. CONCLUSÃO

A APLICAÇÃO PRÁTICA DA FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO E SEU REFLEXO NA EFETIVAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

Como afirma J. Luis Borges, “não nos move o amor, mas o espanto”, afinal, esse é o papel da Filosofia, instigar o leitor a questionar dogmas e valores preestabelecidos, fazer com que a reflexão supere a pressa de cada dia, com fulcro nas ideias de Bauman que escreve que “a necessidade aqui é correr com todas as forças para permanecer no mesmo lugar, longe da lata de lixo que constitui o destino dos retardatários”, e que o espanto diante da contradição entre a letra da Lei e da realidade seja a aurora no sentido de solidificar uma sociedade cada vez mais “líquida”. (BAUMAN, 2013, p. 09 e 10)

Repensar situações cotidianas, analisar a Educação em seus meandros, em seus pequenos jogos de poder, é uma forma de alcançar o cerne das questões sociais que permeiam o país. Buscar a efetivação de Direitos, em uma era absolutamente dependente destes, torna-se a atividade medular de todos os cidadãos, essa busca suplanta a mera letra da Lei e coloca o ser humano na necessidade de “transvalorar” as relações interpessoais, enfim, a sociabilidade humana requer Educação, e esta por sua vez, precisa se enquadrar em sua função constitucional.

Mercantilizar a Educação significa impedir que mudanças que são necessárias à ordem social se concretizem de fato, além do mais, simboliza a manutenção de uma estrutura dual que mantém um vácuo entre aqueles que detém domínio de poder e “capital cultural”, como ensina Bourdieu, e aqueles que permanecem isolados e inertes da vida em sociedade.

Essa inércia é consubstanciada pela “domesticação” que determinada parcela de pessoas buscam impetrar na sociedade e que parte da padronização por meio do “discurso”, da dissolução do respeito e das tradições no meio da velocidade esmagadora que marca a era contemporânea. Por este motivo, encaixar a Educação nessa mesma direção significa acômodo, e principalmente, ineficácia de todo um aparato legal protecionista ínsito ao Estado Constitucional de Direito. (FOUCAULT, 2002, p.161) 

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O trabalho não pretende voos tão altos, desde que sirva como elemento de instigação sobre a educação que vigora no Brasil, e aquela almejada pelo Constituinte em 1988.


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Sobre o autor
Vinícius Pomar Schmidt

Advogado e professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHMIDT, Vinícius Pomar. Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4875, 5 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53449. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Texto referente ao Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, no ano de 2015, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Orientação de Larissa Machado Elias e Eliana Borges Fleury Curado.

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