Abandono afetivo

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O presente artigo apresenta o tema “Abandono Afetivo”, termo este que vem sendo usado nos últimos anos em decorrência dos vários casos de abandono de crianças e adolescentes pelos pais, mães ou até mesmo ambos e suas consequências.

  1. INTRODUÇÃO

O Abandono Afetivo tem por conceito o abandono aos filhos por parte do pai, da mãe ou até mesmo de ambos. As novas visões do Direito Civil são de que a família tem por base a afetividade, e não somente os laços biológico-sanguíneos. O Afeto é ato de cuidado, amor e carinho que se tem por entes queridos e por pessoas próximas. Na maioria dos casos o abandono ocorre por parte do pai, logo após o nascimento ou após o divórcio do casal, mas essa não é regra. Muitas são as “desculpas” dadas quando ocorre o abandono, falta de tempo, distância geográfica, falta de condições financeira, entre muitas outras. Porém, nada justifica um pai ou uma mãe deixar de criar o laço afetivo com seu filho. Os pais possuem o dever de cuidar de seus filhos em todos os aspectos, proporcionando uma educação de qualidade, saúde, convivência com os demais familiares e principalmente, dando amor e carinho. Não só a criança e o adolescente, mas todo ser humano no geral precisa de atenção e de ser amado, individualmente. As crianças de hoje serão os adultos de amanhã e se crescerem sabendo que são amadas e tendo todos os cuidados e suporte necessário para um crescimento saudável, com certeza serão adultos bem resolvidos na vida profissional, psicológica etc.  A falta de afeto, gera consequências, e muitas delas irreversíveis.

A natureza dotou os seres humanos de sentimento, propiciando-lhes um quadro psicológico onde há lugar para os elos de afetividade. A proteção aos filhos é uma tendência natural, espontânea. Como regra geral, a lei exerce função complementar, orientando os pais, seja quando lhes falte discernimento, seja quando ocorre dissídio na relação do casal. A proteção não é um dever que dimana da lei, mas diretamente da moral, e a sua observância é fato instintivo na escala animal; na espécie humana ganha dimensão maior, porque a carência dos filhos no conjunto não diz respeito apenas às necessidades de sobrevivência e afeto, também às de formação, educação, apoio, aconselhamento, cultura, encaminhamento na vida social. (Nader, Paulo. Curso de direito civil, v. 5: direito de família / Paulo Nader. – Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 257.)

  1. IMPORTÂNCIA DO LAÇO AFETIVO PARA A CRIANÇA/ADOLESCENTE

A convivência familiar de forma digna é um direito de toda a criança e para que ela cresça e se desenvolva de forma adequada é necessário que haja o vínculo afetivo dentro de seu ambiente familiar.

A doutrinadora Maria Berenice Dias expõe em seu livro “Manual do Direito das Famílias” a importância da relação de afeto entre criança e pais:

O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano acabou por escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade, tanto que se passou a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida.” (DIAS, pág. 47, 2015) – Grifamos.

O Pediatra José Martins Filho, demonstra a importância da existência de laços entre genitor e filhos, para que não ocorram danos psíquicos relacionados aos filhos, vejam-se suas lições:

Hoje sabemos que o carinho nutre e melhora o funcionamento cerebral. Crianças marginalizadas, carentes e sem muito afeto tendem a apresentar problemas importantes na idade adulta... frequentemente com dificuldades escolares, problemas de relacionamento e mesmo, dificuldades de se realizar profissionalmente. Essa atenção, esse colo nos primeiros meses e pelo menos até os dois anos, são fundamentais para dar segurança e estabilidade emocional.[3]

            É possível verificar-se que, no mundo atual, onde o isolamento social, principalmente nos grandes centros, é uma verdade constante e, que o individualismo prospera em praticamente todas as sociedades, que os sujeitos e agentes sociais necessitam cada vez mais ter uma vida assegurada por parte de seus genitores. Tais preceitos confirmam-se com pelos estudos a seguir citados:

A primeira educação é mais importante” (ROUSSEAU, 2004, p. 7) diz Rousseau. Muitos pensadores sustentam que a educação na primeira infância é fundamental para formação da personalidade da criança.  Todos eles inspirados pela observação e estudo da infância feito por Rousseau. Quando Rousseau escreveu o Emílio, defendia que a educação na primeira infância cabia incontestavelmente à mãe e ao pai (DALBOSCO; MARTINS, 2013, pag 87)

            Ao garantir-se a integridade psíquica e material da criança e do adolescente concedendo-lhe o basilar relativo a afeto e mantença, seus genitores e, em especial o genitor com o qual não conviver diariamente, lhe estará respeitando em seu direito fundamental relacionado a dignidade da pessoa humana. Veja-se posição doutrinária sobre o tema em comento:

A dignidade da pessoa humana é o centro de sua personalidade, e portanto, merece a maior proteção possível. Aliás, a conjugação personalidade-dignidade é tão forte que boa parte dos autores que tratam do tema referem-se diretamente à proteção da dignidade do homem. Esta ligação é, assim, indissolúvel (JUNIOR, 2000, pag. 42)

 Por assim ser, é crucial que os pais integrem a formação de seus filhos desde a tenra idade, fazendo com que eles tenham segurança na primeira infância, podendo assim, ingressar na adolescência e no mundo adulto como sujeitos livres das amarras do sofrimento e angustia psíquica que o abandono afetivo causa.

Tanto o pai quanto a mãe são peças fundamentais no desenvolvimento pleno dos filhos. Certamente há casos em que, por infortúnios da vida a prole pode ser tolhida do convívio com seus genitores – um caso de morte, por exemplo; entretanto, estando os pais com vida e em plenas condições para arcar não só com o sustento, mas também com o desenvolvimento intelectual pleno da prole, a inocorrência dessa proteção gera reflexos jurídicos que, por certo, não podem deixar de ser observados pelo Direito.

  1.  A CRIANÇA NÃO SE DIVORCIA DOS PAIS

O divórcio, estabelecido no Código Civil de 2002, tem sido uma prática muito comum. Em muitos casos em que a relação terminou em divórcio, há a presença dos filhos. Logo quando o casal se separa já é estabelecido com quem ficará a guarda dos filhos, qual será a pensão alimentícia a ser paga, dias e horários de visitas. Os pais serão pais para sempre, independentemente de separação, ou seja, a criança não se divorcia dos pais. Ambos continuam com o dever de amparar os filhos com suas necessidades, veja-se a posição doutrinária sobre o tema em comento:

A relação entre pais e filhos independe do status familiae dos primeiros. Estes, em qualquer situação jurídica que se encontrem, devem assistência aos filhos menores e aos maiores incapazes.” (Nader, Paulo. Curso de direito civil, v. 5: direito de família / Paulo Nader. – Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 258.).

Por assim ser, há que se desvencilhar dos antigos conceitos relativos a figura dos pais separados, onde o pai tão somente (quando assim de bom grado o fazia) pagava a pensão alimentícia estipulada em juízo, dando por certo seu dever, crendo que tal fato por si só seria o bastante para arcar com o seu papel paterno.

Os pais devem ter consciência de que estão cuidando de uma vida, um ser humano e que essa vida não deve ser tratada como objeto e utilizada como medida de força entre os dois.

  1. DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A Constituição em seu artigo 227 expõe que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absolta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Por este artigo, fica nítido que a criança e o adolescente têm o direito à convivência familiar digna, de forma a suprir suas necessidades e anseios. Não se deve, portanto, privar a criança do laço familiar afetivo, que é construído desde o nascimento.

  1. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO

A questão da indenização há tempos tornou-se objeto de interesse do universo jurídico, ou seja, já que não há Lei específica para compelir o genitor a bem amparar sua prole, que então, seja garantido por meio da própria legislação civil o efetivo ressarcimento conquanto aos danos efetivamente causados no universo psíquico daquele que fora abandonado.

            Com efeito, para que tal fato fosse levado a contento, haveria que tornar-se prática a teoria indenizatória. Caso clássico encontra-se no processo movido por Luciane que chegara até o STJ culminando na indenização de seu genitor, sobre tal tema, o professor Flávio Tartuce faz as seguintes considerações em seu blog:

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Por maioria, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o cabimento dos embargos de divergência em recurso especial contra decisão da Terceira Turma que concedeu indenização de dano moral a uma filha, por ter sido vítima de abandono afetivo por parte do pai. Com isso, fica mantida a decisão anterior no caso, que admitiu a compensação à filha, no valor de R$ 200 mil, em razão do abandono afetivo. O valor foi fixado em 2012, quando a Terceira Turma, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade de ser concedida a indenização. Naquele julgamento, a Turma diferenciou a obrigação jurídica de cuidar, como dever de proteção, de uma inexistente obrigação de amar. A Turma apenas ajustou o valor da condenação que havia sido imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), baixando a compensação de R$ 400 mil para R$ 200 mil. Divergência Como em 2005 a Quarta Turma do STJ, que também julga matérias de direito de família, havia negado o cabimento desse tipo de indenização, o pai apresentou embargos de divergência no recurso especial. Esse tipo de recurso serve para uniformizar o entendimento do tribunal sobre uma mesma tese jurídica, de forma a ser aplicado o mesmo direito ao mesmo fato. Por isso, o julgamento dos embargos é de responsabilidade do colegiado que reúne os membros das duas Turmas especializadas no tema – no caso, a Segunda Seção. Porém, ao analisar as decisões supostamente conflitantes, a maioria dos ministros da Seção entendeu que elas não podem ser comparadas.Conforme os ministros, a decisão da Terceira Turma ressalvou expressamente a peculiaridade do caso julgado pelo TJSP, de forma que o precedente não serve para debate de uma tese jurídica mais geral.

Tal decisão abriu precedente ímpar em nossa legislação, possibilitando aos julgadores, quando do reconhecimento efetivo do abandono afetivo, a possibilidade de impor ao genitor causador do ato lesivo, a respectiva obrigação de caráter indenizatório.

CONCLUSÃO

            O vínculo afetivo que os pais e/ou responsáveis criam com a criança é fundamental para seu crescimento e desenvolvimento, é um direito da criança que se estabeleça o laço afetivo com seus entes queridos e que receba o amor e afeto por parte deles. A falta do afeto, do carinho e do amor acarretam danos psicológicos, podendo ser revertidos em danos morais via ação judicial. Portanto, o auxílio material e emocional vindo dos pais é indispensável

REFERÊNCIAS

CORTIANO JUNIOR, Eroulths. “Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade”. In: FACHIN, Luiz Edson: Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 42.

DIAS, Maria Berenice.  Manual de direito das famílias I Maria Berenice Dias. -- 10. ecl. rev., atual. E ampl. -- Sào Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

MARTINS, Maurício Rebelo; DALBOSCO, Claudio A. Rousseau e a primeira infância. disponível em: periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rfe/article/download<acesso em: 17 abr 2016>

NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 5: direito de família / Paulo Nader. – Rio de Janeiro: Forense, 2013

TARTUCE, Flávio. Abandono afetivo. STJ não  julga o mérito para uniformização de jurisprudência. Disponível em: http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2014/04/abandono-afetivo-stj-nao-julgado-o.html <acesso em 04 out 2016>

www.facebook.com/PediatraJoseMartinsFilho/photos/a.458379660869429.103995.378008712239858/1201573239883397/?type=3&theater <acesso em: 03 out 2016>


[2] Estagiária na Escritório “GOMES IGNÁCIO – Advocacia e Consultoria Jurídica”. Discente do Curso de Direito da Faculdade Eduvale de Avaré.

[3] https://www.facebook.com/PediatraJoseMartinsFilho/photos/a.458379660869429.103995.378008712239858/1201573239883397/?type=3&theater

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Sobre os autores
André Luís Mattos Silva

Advogado na cidade de Avaré-SP. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Coordenador Editorial vinculado ao Núcleo Docente Estruturante da Faculdade Eduvale de Avaré-SP. Professor na Faculdade Eduvale de Avaré na área de Direito Previdenciário, Direito Internacional e Direito Digital. Contato. [email protected]

Ana Carolina Tonon da Cunha

Estagiária na Escritório “GOMES IGNÁCIO – Advocacia e Consultoria Jurídica”. Discente do Curso de Direito da Faculdade Eduvale de Avaré.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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