Colaboração premiada: seus procedimentos e constitucionalidade

03/11/2016 às 17:41
Leia nesta página:

Este artigo aborda a colaboração premiada, seus procedimentos e a constitucionalidade do instituto. A finalidade deste estudo é conceituar tal mecanismo de prova, e esclarecer se sua prática não viola as garantias individuais e coletivos constitucionais.

RESUMO

Este trabalho aborda a delação premiada, seus procedimentos e a constitucionalidade do instituto. Tal abordagem se faz necessária devido as grandes controvérsias e dúvidas no mundo jurídico sobre a aplicação de tal procedimento. A finalidade deste estudo é esclarecer o que é a delação premiada, quais são seus efeitos práticos no mundo jurídico e se sua aplicação não viola os preceitos da Constituição Federal. Este intento será conseguido mediante de revisão bibliográfica e pesquisas, onde abrangerão doutrinas atuais, sites com credibilidade acadêmica e revistas científicas. A pesquisa demonstrou que a delação premiada é um meio de prova eficaz e constitucional, onde respeita e efetiva os direitos e garantias fundamentais, o colaborador está amparado ampla defesa e pelo contraditório, e da aceitação dos termos, ato subjetivo do colaborador, o Estado é legitimado a relativizar alguns dos direitos previstos como garantias constitucionais, como por exemplo o direito ao silêncio, para a efetividade e celeridade da investigação criminal, que é benéfico a toda coletividade.

Palavras-chave: Delação Premiada. Acordo Premiado. Colaboração Premiada. Confissão Premiada.

ABSTRACT

This study presents the plea bargaining, its procedures and the constitutionality of this institute. Such approach is necessary because of the great controversies and doubts in the legal world on the implementation of these procedure. The purpose of this study is to clarify what is the plea bargaining, what are its practical effects in the legal world and if your application dosen't violate the precepts of the Constitution. This purpose will be getting by literature reviews and researchs, where will embrace current doctrines, sites with academic credibility and scientific journals. The Research has shown which the plea bargaining is an effective and constitutional means of prove, where respects and effectives the rights and the fundamental guarantees, the collaborator is supported with the wide defense and the contradictory, and with the acceptance of the terms, subjective act of the collaborator, the State is legitimated to relativize some of the rights that is provided as constitutional guarantees, for exemple the right to silence, for the effectiveness and speedness of the criminal investigation, that is beneficial to the whole community.

Keywords: Plea Bargaining. Award-winning Agreement. Award-winning Colaboration. Award-winning Confession.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda a delação premiada, atualmente denominada colaboração premiada; seus procedimentos e a constitucionalidade do instituto, tendo como problema de pesquisa as dúvidas sobre a aplicabilidade deste mecanismo de prova, com ênfase na constitucionalidade dos preceitos deste instituto penal.

Tal abordagem se faz necessária devido as grandes controvérsias entre os juristas constitucionalistas, onde debatem a constitucionalidade da aplicação deste instituto em face aos direitos e garantias fundamentais.

É importante salientar a contribuição deste trabalho para a comunidade jurídica, pois aborda a colaboração premiada às luzes da Constituição Federal, tendo como referências doutrinas atuais e de credibilidade acadêmica, pesquisadores do Direito com ênfase no Direito Constitucional e entendimentos e jurisprudências dos tribunais superiores.

A finalidade deste estudo é esclarecer os procedimentos previstos em leis especiais da aplicação da colaboração premiada, mostrar métodos corretos para se garantir a constitucionalidade do acordo premiado e o reflexo jurídico deste instituto no processo penal.

Este intento será conseguido mediante revisão bibliográfica e pesquisas em websites de credibilidade jurídica, tendo como enfoque a solução da questão sobre a constitucionalidade da colaboração premiada e como se aplicar o mecanismo de forma legítima, não violando as garantias fundamentais individuais e coletivas.

2. Conceito e Previsão Legal da Colaboração Premiada:

O douto Promotor de Justiça Márcio Augusto Friggi de Carvalho conceitua Colaboração Premiada nos seguintes moldes:

“A colaboração ou delação premiada é instrumento de investigação criminal que consiste, grosso modo, na possibilidade de se atribuir recompensa legal ao autor ou partícipe de infração penal que opte por ajudar os atores da persecução penal, contribuindo efetivamente para a identificação dos demais coautores ou partícipes, recuperação total ou parcial do produto do delito e/ou localização da vítima com a sua integridade física preservada. Em outras palavras, o instituto da delação premiada consiste em um benefício concedido ao acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime”. (HC 174.286-DF. Informativo do STJ 495).

No mesmo sentido, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça conceituou a colaboração premiada no HC 90.962: “O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime”.

Conforme a análise realizada pelo Promotor Márcio Augusto Friggi de Carvalho, a primeira lei a trazer este mecanismo de prova no ordenamento jurídico brasileiro foi à lei de crimes hediondos (art. 8º parágrafo único, Lei 8.072/1990), sendo seguida por outras leis, tais como: o art. 159, § 4º do Código Penal (Crime de extorsão mediante sequestro), a lei contra o Sistema Financeiro Nacional e a Ordem Tributária (art. 16, parágrafo único, Lei 8.137/1990), a lei de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, § 5º, Lei 9.613/1998), a lei de proteção à testemunha (arts. 13 e 14, Lei 9.807/1999), a lei antidrogas (art. 41, Lei 11.343/2006); posteriormente, o instituto foi devidamente estruturado e definido pela Lei das Organizações Criminosas (art. 4º, Lei 12.850/2013).

Sendo a Lei 12.850/2013 posterior a todas as outras leis que tratam da colaboração premiada, abrangendo todos os benefícios previstos nas leis anteriores, e possuindo maiores detalhes da aplicabilidade e possibilidade da aplicação; esta revoga tacitamente as demais normas por revogação cronológica, somente quanto a este assunto. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) no seu art. 2º, § 1º regulamenta o tema: “Art.2º, §1º: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

O estudo realizado pelos estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, no artigo publicado junto à revista online da faculdade Del Rey, ISSN 2177-286, expõe a interpretação doutrinária do artigo acima mencionado:

“O § 1º prescreve o critério cronológico. Nesse caso, deverá prevalecer a lei posterior, que revogará a lei anterior quando expressamente o declare, quando não forem compatíveis, ou quando regular por inteiro a matéria de qual ela tratava”. (LOPES; GONÇALVES; MAFIA, p. 09).

“De acordo com essas classificações, devem ser analisados os casos práticos. No caso de conflito entre norma posterior e norma anterior, valerá a primeira, pelo critério cronológico (art. 2º da LICC), caso de antinomia de primeiro grau aparente. Norma especial deverá prevalecer sobre norma geral, emergencial que é o critério da especialidade, outra situação de antinomia de primeiro grau aparente. Havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalecerá a primeira, pelo critério hierárquico, também situação de antinomia de primeiro grau aparente.” (LOPES; GONÇALVES; MAFIA, p. 10).

Resta esclarecer a constitucionalidade dos procedimentos e dos benefícios legais para a colaboração premiada previstos na lei 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas).

3. Procedimentos e benefícios previstos na Lei 12.850/2013:

O artigo 3º, I da lei 12.850/13, legitima a colaboração premiada como meio de prova cabível para ser utilizada em qualquer fase da persecução penal; sendo que no artigo 4º § 2º determina que os legitimados à requerer aplicação do instituto são o Ministério Público, o Delegado de Polícia e o possível colaborador junto ao seu defensor.

Os benefícios estão arrolados no art. 4º caput, e juiz poderá concedê-los ao colaborador, desde que, da colaboração promova um dos incisos vinculados ao caput do artigo, sendo estes quesitos alternativos.

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”.

O STJ pacificou o entendimento de que não basta o cumprimento de um dos incisos arrolados ao ar. 4º, é necessário a efetiva colaboração da resolução do crime, como afirmam em publicação realizada no site oficial da corte:

“Segundo o entendimento do colegiado, não basta que o investigado confesse sua participação no crime. Ainda que conte detalhes de toda a atividade ilícita e incrimine seus comparsas, ele só fará jus aos benefícios da delação premiada se suas informações forem efetivamente eficazes para a resolução do delito” (HC 90.962 - STJ).

O juiz em momento algum participa da negociação do acordo entre as partes, cabendo ao juiz somente a homologação posterior, como prevê o artigo 4º, §6º.

“§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.”

Para a elaboração do acordo premiado, deve o Ministério Público junto ao delegado de polícia, se for o caso, observar o disposto no artigo 4º §1º, que determina: “Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.”

A aplicação da colaboração premiada é ato voluntário do colaborador, não podendo a parte ou investigado ser intimado a fazê-lo; como mostra o estudo publicado na revista ETIC, ISSN 21-76-8498:

“A Delação premiada tem a presença de quarto requisitos, que são: colaboração espontânea; efetividade das informações; relevância das declarações; personalidade do colaborador, circunstâncias, natureza e repercussão social do fato compatíveis com o instituto. O primeiro requisito, este é tido como o principal, pelos representantes do parquet quando dos acordos que a colaboração seja espontânea, ou seja, a espontaneidade da colaboração que significa; ‘a vontade livre e consciente, de forma que a iniciativa foi pessoal, ou seja, sem qualquer sugestão de outras pessoas, é derivado da vontade própria’. De forma que, a vontade do acusado em colaborar com a justiça tem que prevalecer, de forma que apenas ele pode tomar a iniciativa de colaborar com a justiça, não podendo este sem intimado a fazê-lo.” (MARTUCCI; COIMBRA, p.10)

O juiz, no que tange a homologação do acordo formulado entre as partes, irá analisar a regularidade dos termos, se o procedimento foi aplicado de forma legal, se os quesitos do caput foram devidamente cumpridos e ainda poderá ouvir privadamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, conforme determinação do §7º; sendo passível a recusa da homologação, se o acordo não atender as expectativas legais ou de aplicabilidade, de acordo com descrito ao art. 8º.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Determinado pelo artigo 3º, se a solicitação da colaboração premiada for efetuada na fase do inquérito policial, e se o acordo premiado for devidamente homologado para ter efeitos jurídicos, poderá o prazo para oferecimento de denúncia junto com o prazo prescricional ser suspenso por até 6 meses, prorrogáveis por igual período até que sejam cumpridas as medidas da colaboração. Ainda, poderá o Ministério Público deixar de ofertar a denúncia nos casos arrolados ao art. 4º, §4º:

“§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:

I - não for o líder da organização criminosa;

II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.”

Cabe ressaltar que, se houver discordância entre o Juiz e o Ministério Público quanto ao oferecimento da denúncia, respeitará o disposto no art. 28 do Código de Processo Penal de 1941, onde determina:

“Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”

Portanto, não há de se falar em afastabilidade da jurisdição, pois o acordo premiado deve, para produzir efeitos jurídicos, ser homologado pelo juiz competente, onde irá analisar toda a legalidade dos termos de forma analítica-constitucional.

Exposto os procedimentos da aplicação do instituto em estudo, analisaremos a constitucionalidade do feito.

4. A Constitucionalidade da Colaboração Premiada:

Há grandes dúvidas quanto à constitucionalidade da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro, onde alguns juristas afirmam que viola os direitos e garantias fundamentais, os princípios que regem o devido processo e a moralidade pública. Neste sentido, diz o ilustre processualista Jacinton Nelson de Miranda Coutinho, no seu artigo publicado junto ao jornal virtual Carta Forense:

“Um dos exemplos mais acabados da referida denegação diz com a delação premiada.

Inconstitucional desde a medula, a sua prática, dentro de um sistema processual penal de matriz inquisitória ofende 1º) o devido processo legal; 2º) a inderrogabilidade da jurisdição; 3º) a moralidade pública; 4º) a ampla defesa e o contraditório e 5º) a proibição às provas ilícitas. Só isso, então, já seria suficiente para que se não legislasse a respeito e, se assim não fosse, que se não aplicasse.” (COUTINHO, 2014)

Neste liame, em uma entrevista realizada pela revista virtual Consultor Jurídico, ISSN 1809-2829, junto ao procurador de justiça da Bahia, Rômulo de Andrade Moreira, deixa exposto sua opinião quanto à colaboração premiada:

“O procurador aponta ao menos duas razões para a não aplicação do instituto. No entendimento dele, a delação é de utilidade discutível, uma vez que não se tem a certeza de que o delator está falando a verdade. Além do mais, para ele, eticamente, não é correto o Estado se valer da traição de um “facínora” para ou como meio de investigação. Rômulo Moreira vai além e afirma que a delação premiada viola a Constituição. ‘É inconstitucional, porque é uma prova ilícita’, diz.” (SILVA, 2014).

Pois bem, como dito em oportunidade anterior, a voluntariedade de participação é ato obrigatório para a efetividade da colaboração premiada, sendo que, em todo momento, o colaborador é assistido por seu defensor, como regulamenta o § 15 da Lei 12.850/2013: “Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor”, portanto, pela voluntariedade e pela exigibilidade de assistência técnica jurídica, o instituto da colaboração premiada está amparado pela ampla defesa, como bem explica o ilustre doutrinador Alexandre de Moraes este conceito: “Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário [...]”. (MORAES, 2015, p. 112)

A Colaboração Premiada é uma prova complementar, que a partir dela serão colhidos novas provas, das quais sustentarão os fatos narrados pelo colaborador, não podendo haver sentença condenatória com fundamento apenas nas declarações do colaborador, como determina o § 16 da Lei 12850/2013. Sendo ainda, com base no §10 da Lei em estudo: “As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”, é possível a retratação do acordo, caso em que, das provas produzidas advindas da colaboração surja efeito penal somente para o colaborador, resguardando assim seu direito ao contraditório, como conceitua Nelson Nery Júnior:

“O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório”. (MORAES, 2015, p. 112)

A resolução de crimes, e a persecução às Organizações Criminosas são de interesse coletivo, pois é um afronta à ordem pública e ao Estado Democrático de Direito. Os direitos fundamentais não são absolutos, podendo o Estado relativiza-los em caso de interesse público, como é expresso no art. 29 da Declaração dos Direitos do Homem das Nações Unidas:

“toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.[...]” (MORAES, 2015, p.31)

Nesse sentido, salienta Alexandre de Moraes:

“Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”. (MORAES, 2015, p. 30)

No mesmo entendimento, consta a Jurisprudência do STF em decisão julgada pelo plenário:

“Jurisprudência: STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20:

‘OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.’”. (CAVALCANTE FILHO, p. 7)

Os direitos fundamentais são de aplicabilidade plena e imediata, portanto são, em regra, indisponíveis, inalienáveis e irrenunciáveis, pois protege o individuo de terceiros e do poderio Estatal ilimitado (MORAES, 2015, p.30). Porém, há exceções quanto à irrenunciabilidade dos direitos fundamentais, como bem esclarece o Procurador Federal José Eliaci Nogueira Diógenes Júnior:

“’Tal característica nos apresenta a situação em que, regra geral, os direitos fundamentais não podem ser renunciados pelo seu titular, sendo esta afirmação emanada da fundamentalidade material dos referidos direitos na dignidade da pessoa humana; o titular de tais direitos não pode fazer com eles o que quiser, uma vez que os mesmos possuem uma eficácia objetiva no sentido que não importa apenas ao sujeito ativo, mas interessam a toda coletividade. Vale ressaltar que o STF vem admitindo a renúncia, ainda que excepcional, de certos direitos, como é o caso da intimidade e da privacidade’. Portanto, ainda que de forma temporária, admite-se a renúncia temporária e excepcional de um direito fundamental, desde que decorrente de um caso em concreto de conflito de direito efetivamente instalado, aplicando-se o princípio da proporcionalidade entre o direito fundamental e o direito que se pretende proteger”. (DIÓGENES JÚNIOR, 2012).

Na colaboração premiada, o bem jurídico tutelado é a ordem pública, pois a colaboração resultará numa possível dissolução da organização criminosa investigada, portanto se trata de matéria de interesse público de preservação ao Estado Democrático de Direito, cabendo à possibilidade do colaborador renunciar temporariamente o direito ao silêncio, somente para sua contribuição em assuntos restritivos e relevantes a persecução penal de tal organização criminosa, como prevê o §14 da lei 12.850/2013, devendo então, o termo “renunciará” no texto legal deste parágrafo, ser interpretada de forma teleológica-constitucional, a fim de atingir o real objetivo da norma.

5. Material e Método:

Conforme salientamos na introdução, usaremos os dados obtidos na pesquisa bibliográfica. Tal pesquisa será realizada através do estudo doutrinário constitucional, onde usaremos autores de relevância no mundo jurídico, pensamentos consolidados do Supremo Tribunal Federal e artigos científicos publicados por pesquisadores do Direito e profissionais da área jurídica.

Da pesquisa, pretenderá o resultado esperado; onde será demonstrado que o instituto da colaboração premiada se adequa de forma coerente à Constituição Federal.

Através de pesquisas em doutrinas atuais e websites de credibilidade, tais como revistas científicas e o portal do Supremo Tribunal Federal, o resultado pretendido será embasado em teses coerentes ao pensamento cotidiano jurídico.

Os dados obtidos serão analisados e introduzidos à pesquisa de forma coerente, sistemática e científica, usando da interpretação teleológica-constitucional, adequando os procedimentos do instituto em estudo aos pensamentos do Supremo Tribunal Federal e descartando resultados contrários à Suprema Corte.

6. Resultados e Discussões:

Um aspecto que nos chama atenção é o fato de que vários juristas afirmam que o instituto da colaboração premiada é inconstitucional e inquisitório, pois reprime alguns dos direitos fundamentais do colaborador, ainda concede discricionariedade para o Ministério Público oferecer a denúncia, sendo esta função vinculada ao órgão.

Outro aspecto importante é o fato da colaboração premiada ser prevista em várias leis, incluindo o código penal, porém seus procedimentos de aplicabilidade foram devidamente regulamentados com a lei 12.850/13.

Chegamos ao entendimento de que o pensamento de inconstitucionalidade do instituto em estudo não cabe acolhimento, pois, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal, já demonstrado neste trabalho, os direitos fundamentais individuais podem ser relativizados em algumas situações, principalmente quando se trata de matéria de relevância para à ordem pública. Quanto ao argumento levantado sobre a colaboração premiada ser de matriz inquisitória, este também não cabe acolhimento, pois é sabido que o sistema inquisitório não garante ao investigado ou réu em processo penal a ampla defesa e o contraditório, nem assistência técnica jurídica, sendo que a lei 12.850/13, como já demonstrado, determina que todo ato deve ser assistido pelo defensor do colaborador, garantindo-lhe toda assistência técnica jurídica, assegurando-lhe a ampla defesa e o contraditório; cabendo ainda ressaltar, que o pilar deste instituto é a voluntariedade de participação, ou seja, o Estado em momento algum impõe este benefício ao investigado ou réu em processo penal.

A delação premiada foi inicialmente prevista na lei de crimes hediondos, havendo várias outras normas, como já demonstrado neste artigo, até chegar atualmente na lei 12.850/13; sendo que, todos os benefícios previstos nas leis anteriores foram acolhidos pela nova lei, respeitando o princípio do direito adquirido e da norma mais benéfica ao réu. Porém, a nova lei sistematizou o procedimento de aplicação deste benefício penal, restringindo sua utilização apenas para alguns casos descritos no caput do artigo 4º, como já explanado neste intento, afim de que sua aplicação seja de fato importante para a coletividade e que proteja os bens jurídicos tutelados pela lei penal. Com isso cabe-se concluir.

7. Conclusão:

A Colaboração Premiada é ato do qual o investigado de crime ou réu em processo penal se compromete, de forma voluntária, a auxiliar a polícia e o Ministério Público na persecução penal daquela Organização Criminosa da qual fazia parte, em contrafé, o colaborador receberá benefícios previstos em lei; este acordo é chamado de acordo premiado, do qual deverá ser analisado e homologado pelo Juiz competente a fim de analisar se os requisitos legais deste instituto foram devidamente aplicados, resguardando-lhe todos os direitos fundamentais constitucionais.

No Brasil este mecanismo de prova foi previsto por várias leis, onde, em 2013, com a lei 12.850/13, este instituto foi devidamente regulamentado, com regras e situações específicas de cabimento; vinculando ao juiz prevento à competência de analisar a legitimidade do acordo premiado, podendo haver homologação ou indeferimento. Em caso de indeferimento, deve o juiz motivar se os requisitos não foram aplicados de forma correta ou se o acordo premiado viola a constituição federal, direta ou indiretamente.

Há várias controvérsias quanto à constitucionalidade da colaboração premiada, tendo uma forte posição contrária ao instituto sob o argumento de violar os direitos e garantias fundamentais, o devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição, a vinculação do Ministério Público à prestar com a denúncia, dentre outros; porém, estes argumentos não cabe acolhimento, como bem visto, a colaboração premiada é ato voluntário do agente delatante, não havendo imposição estatal; o rol é taxativo quanto a possibilidade de aplicação deste mecanismo de prova, sendo possível a utilização deste intento somente em matéria de interesse público; não se pode utilizar somente da colaboração premiada como fundamento para criminalizar os coautores/investigados, portanto é uma prova de cunho auxiliar, onde irá direcionar a investigação criminal para o caminho pretendido, atendendo assim a celeridade processual e o tempo razoável do processo; todos os atos devem ser assistidos pelo defensor do colaborador, e posteriormente deverá ser rigorosamente analisado pelo juiz prevento, resguardando assim a ampla defesa, o contraditório e aplicação da jurisdição.

Portanto, deve-se entender que a colaboração premiada é um meio de prova auxiliar e constitucional, a fim de acelerar as investigações criminais, atendendo os princípios penais de celeridade processual, economia processual e do tempo razoável do processo, sem desrespeitar a Constituição Federal ou comprometer a própria investigação, onde é cabível somente em casos de relevante interesse público, com o objetivo único de preservar os bens jurídicos tutelados pela lei penal e acabar com o crime organizado no Brasil.

8. Referências

CARVALHO, Márcio Augusto Friggi de. COLABORAÇÃO PREMIADA. São Paulo: [S.n], [ca. 2012]. Disponível em:<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_criminal/doutrinas/doutrinas_autores/COLABORA%C3%87%C3%83O%20PREMIADA.doc >. Acesso em: 02 jan. 2016.

CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral Dos Direitos Fundamentais. In: TV JUSTIÇA. Brasília, [ca. 2012]. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf >. Acesso em: 20 jan. 2016.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Delação Premiada: posição contrária. In: CARTA FORENSE. São Paulo, 2014. Disponível em: < http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/delacao-premiada-posicao-contraria/13613 >. Acesso em: 15 jan. 2016.

DIÓGENES JÚNIOR, José Eliaci Nogueira. Aspectos gerais das características dos direitos fundamentais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11749>. Acesso em: 22 jan. 2016.

MARTUCCI, Mariana Volpi; COIMBRA, Mário. DELAÇÃO PREMIADA NO DIREITO BRASILEIRO. São Paulo: ETIC, 2015. Disponível em: < http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/download/2418/1942 >. Acesso em: 06 jan. 2016.

MORAES, Alexandre de. DIREITO CONSTITUCIONAL. Ed. 31. São Paulo: Atlas, 2015.

SILVA, Rodrigo Daniel. Delação premiada é inconstitucional, porque é uma prova ilícita. In: CONSULTOR JURÍDICO. São Paulo, 2015. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-mar-15/entrevista-romulo-andrade-moreira-procurador-justica >. Acesso em: 17 jan. 2016.

STF. A DELAÇÃO PREMIADA E AS GARANTIAS DO COLABORADOR. Brasília, 2015. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/A-dela%C3%A7%C3%A3o-premiada-e-as-garantias-do-colaborador >. Acesso em: 28 dez. 2015.

UFMG. LOPES, Fernanda Antunes Tofani; GONÇALVES, Júlia Márcia Napoleão; MAFIA, Juliana Lima. INTERPRETAÇÃO E A LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. Belo Horizonte: Faculdade DelRey, 2011. Disponível em: < http://www.fdr.edu.br/revista/downloads/volume3/interpretacao-e-a-lei-do-codigo-civil.pdf >. Acesso em: 03 jan. 2016.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos