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Os direitos políticos do condenado criminalmente

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18/06/2004 às 00:00
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CAPÍTULO II

DOS DIREITOS POLÍTICOS

Tidos como a segunda geração de direitos, os direitos políticos surgiram no decorrer do século XIX e podem ser denominados de liberdades políticas.

Esta segunda geração de direitos, de acordo com esclarecimento de Vera Regina Pereira de ANDRADE, se processou na esteira das potencialidades democráticas da cidadania civil, ou seja, na esteira dos direitos civis, como um desdobramento natural da primeira geração de direitos.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra os direitos políticos, ao afirmar que todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos. E, ainda, que a vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

2.1 NOÇÕES PRELIMINARES

Segundo o Dicionário de Política de Norberto BOBBIO, os direitos políticos - que compreendem a liberdade de associação aos partidos e os direitos eleitorais - estão ligados à formação do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado.

Enquanto os direitos civis se caracterizam por serem considerados direitos negativos, e como tal direitos estabelecidos "contra" o Estado, impondo-lhe limitações, essa segunda geração de direitos pode ser vista como direitos positivos, atribuindo prerrogativas ao cidadão de participar do Estado.

Esse desdobramento do direito de impor limites ao Estado para o direito de dele participar indica uma nova perspectiva da liberdade, podendo ser interpretada como autonomia. O homem passa a ter autonomia para construir seu próprio futuro e o futuro da sociedade em que vive.

Abordando o tema, Edilson Pereira NOBRE JÚNIOR indica que há duas vertentes sobre a entidade jurídica dos direitos políticos. Diz o autor:

A primeira delas, voltada a descortinar o seu sentido lato. Entende a expressão como a utilização, pelo cidadão, dos direitos fundamentais que a democracia lhe assegura. [...] Por sua vez, procedendo-se à análise em busca do seu sentido restrito, ou menos extenso, aporta-se na juridicização do direito de voto pelos cidadãos, na qualidade de titulares da soberania.

O Direito, a ética e a moral, bem como o rumo das políticas administrativa, econômica e social de uma coletividade, em cada época, derivam da sedimentação decorrente da luta de classes, do entrechoque de idéias, de filosofias, de conceitos de justiça e de bem comum dos diversos segmentos que compõem esse povo.

Por isso, com a consolidação da Democracia, aliada à ampliação do espectro de direitos de que podem gozar os indivíduos no Estado de Direito, do mundo contemporâneo, cresce em importância a prerrogativa de poder participar da formação da vontade do Estado, de estabelecer as diretrizes ideológicas, sociológicas, filosóficas, administrativas e econômicas do nosso País, principalmente através do gozo dos direitos políticos.

Os direitos políticos compreendem, portanto, dentre outros, os seguintes direitos:

a) sufrágio, que se divide, basicamente, em alistabilidade e elegibilidade;

b) constituir partidos políticos;

c) plebiscito;

d) referendo;

e) iniciativa popular.

Nesse estágio, interessa a este estudo o direito ao sufrágio, que se terá oportunidade de melhor explicitar a seguir.

2.2 O SUFRÁGIO UNIVERSAL

Como princípio basilar da democracia política, pensar-se-ia que o direito de sufrágio, ao proclamar-se "universal", seria atributo de todos os nacionais. Infelizmente, esse direito sofre algumas condicionantes que acarretam a impossibilidade de sua extensão a algumas categorias de nacionais - sem que com isso se quebre o princípio da universalidade -, como é o caso das crianças e dos alienados, incapazes para atos conscientes.

O direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade que o indivíduo tem de eleger e de ser eleito.

Do ponto de vista normativo, englobando os aspectos objetivo e subjetivo, compreendem-se como direitos políticos o conjunto de direitos e deveres peculiares ao cidadão, regulado nas normas e condições de participação daquele na administração pública, pelos processos de eleição, representação ou nomeação, conforme o caso; assim como as hipóteses de inelegibilidade, obrigatoriedade do domicílio eleitoral em certa circunscrição, desincompatibilização com o cargo em exercício para que possa concorrer à futura eleição, servir no júri, prestar serviço militar, e outros.

É um direito que decorre diretamente do princípio de que todo poder emana do povo, instaurando a democracia política, ao incorporar sujeitos historicamente impedidos de votar. E efetivamente, para que mantenha seu caráter universal, o sufrágio não pode ser usurpado de ninguém por critérios puramente discriminatórios e antidemocráticos, como qualificações raciais, econômicas, culturais e éticas.

2.2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SUFRÁGIO

O primeiro e mais essencial de todos os direitos políticos é, sem dúvida, o direito de sufrágio. Pode ser definido como direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e das atividades do poder estatal.

De acordo com ensinamento de Hilda Soares BRAGA, o direito de sufrágio surgiu no decorrer do século XIX e se consolidou no início do século XX; todavia, como a história demonstra, esse direito não surgiu de forma universal do dia para a noite - aliás, diga-se de passagem, muito falta para que esse ideal seja alcançado.

Assim, ainda conforme a citada autora, na trajetória histórica do reconhecimento do direito de sufrágio pode-se perceber três etapas. A primeira, a do sufrágio restrito para o homem; a segunda, a do sufrágio universal para o homem; e a terceira, a do sufrágio universal para homens e mulheres.

Sobre a evolução do direito de sufrágio, preleciona:

A democracia exige dois pressupostos: participação e representação políticas. Uma forma de participação é o direito de voto. No Império, este direito era muito restrito. Para ser votante e eleito, a Constituição exigia ter 25 anos de idade, e o voto era censitário, sendo necessário possuir de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego para ser votante, e duzentos mil réis de renda líquida anual por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego para ser eleito, restringindo o direito de voto a uns poucos cidadãos.

Já na República Velha - segundo a autora -, a Constituição de 1891 aboliu o voto censitário - que reconhecia o direito de sufrágio apenas a quem preenchesse determinada qualificação econômica -, reduzindo a idade para 21 anos. Retrocedeu democraticamente, contudo, ao retirar dos analfabetos e dos praças de préo direito de voto. Também estavam impedidos de se alistarem os mendigos.

Após a Revolução de 1930, o Código Eleitoral de 1932 introduziu o voto feminino, e a Constituição de 1934 reduziu a idade necessária ao alistamento e ao direito de voto para 18 anos.

A Constituição Federal de 1946, a seu turno, deu um pequeno passo em direção à democratização do voto, não fazendo mais qualquer referência à proibição do alistamento por parte dos mendigos.

Mas foi só com a Emenda Constitucional nº 25, de 1985, que se aboliu o voto capacitário - dependente de aptidão intelectual -, conquistando os analfabetos o direito de voto, enquanto que a Constituição de 1988 o estendeu aos maiores de 16 anos, bem como aos cabos e soldados, com exceção dos conscritos durante o serviço militar obrigatório.

Essa ampliação da universalidade do sufrágio, entretanto, como bem demonstra a história, "não foi fruto altruístico e amistoso da munificência liberal. Foi uma das mais penosas conquistas revolucionárias processadas no âmago do conflito entre o trabalho e o capital".

Dessa forma, a ampliação da base dos sujeitos detentores do direito ao sufrágio vem ao encontro do ideal de democracia política, "incorporando sujeitos historicamente excluídos do direito de sufrágio, forjando a concretização da liberdade e igualdade políticas firmadas discursivamente pelo princípio democrático".

A história demonstra que já se viveu épocas no Brasil em que critérios tão diversos como propriedade, residência, renda, mendicidade, sexo, domínio da língua nacional e instrução chegaram a limitar o acesso ao sufrágio.

Na Carta Constitucional de 1988, apesar de o sufrágio ecoar como um direito universal, há ainda hoje duas categorias de nacionais que, mesmo gozando de plena capacidade civil e penal, estão excluídas do direito de sufrágio: os conscritos, durante o serviço militar obrigatório, de acordo com disposição constitucional expressa (art. 14, § 2º), e as pessoas que tenham contra si condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, segundo entendimento predominante dado pela doutrina ao art. 15, III, do mesmo Texto Constitucional. Hoje excluem-se do direito de voto os condenados, sob o argumento de que não estariam eles moralmente ou eticamente capacitados para participar da escolha dos destinos da Nação.

2.2.2 A IMPORTÂNCIA DO SUFRÁGIO

Consagra a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que todo nacional tem direito a votar em qualquer eleição, referendo ou plebiscito nacional realizado em seu país, e em qualquer consulta pública realizada na unidade política ou administrativa na qual resida. A par disso, consagra a igualdade de sufrágio, em que cada voto deve ter o mesmo peso.

A importância do sufrágio universal se revela na medida que a Pátria é de todos; por isso todo nacional tem o direito de influir no sentido de ser bem governado. E a forma mais elementar que o cidadão comum tem de exercer algum tipo de participação no Estado e de controle sobre seus governantes ainda é o voto. Na hora em que comparece às urnas, elegendo ou não os candidatos, de acordo com as propostas defendidas durante o período de campanha, o eleitor exercita sua autonomia na escolha dos destinos da Nação.

É por isso que Norberto BOBBIO, em sua obra A era dos direitos, enfatiza:

As decisões coletivas não são tomadas pelo povo, mas pelos indivíduos, muitos ou poucos que o compõem. Numa democracia, quem toma as decisões coletivas, direta ou indiretamente, são sempre e apenas indivíduos singulares, no momento em que depositam seu voto na urna.

O direito ao sufrágio de tempos em tempos, é verdade, não significa grandes avanços democráticos, especialmente num País que apenas há pouco mais de uma década saiu de uma ditadura militar. Mas não há como negar que esse é um ponto de partida para a edificação de um espaço público onde os conflitos e as diferenças possam, democraticamente, se expressar e se realizar.

Há de ser em torno do direito ao sufrágio - universal, secreto e com igual peso para todos - exercido naqueles poucos instantes em que o eleitor se encontra só, consigo mesmo e sua consciência, dentro da cabine eleitoral, sufragando os nomes dos candidatos de sua preferência, que a Nação como um todo haverá de reivindicar e buscar todos seus demais direitos: à vida, à alimentação, à escola, à saúde, ao saneamento básico, à moradia, ao lazer, ao trabalho, enfim à felicidade.

Em essência, ainda é o voto o único instrumento que detém a categoria dos excluídos para fazer avançar suas possibilidades emancipatórias, realizando, assim, a cidadania num nível mais elevado de participação social. Assim, também o condenado, especialmente o que se encontra encarcerado, na qualidade de cidadão, haverá de perseguir junto às autoridades públicas todos os demais direitos que não os limitados pela sentença transitada em julgado.

Num processo de expansão da dimensão da cidadania, o sufrágio universal deve funcionar como mola propulsora para que os atores políticos ocupem seus espaços públicos, erigindo, assim, um Estado Democrático de Direito, em que os seres humanos todos se reconheçam como semelhantes.

Feitas essas considerações, analisar-se-á, a seguir, mais detalhadamente, as questões da alistabilidade e da elegibilidade, por estarem mais ligadas ao objeto desta pesquisa.

2.3 ALISTABILIDADE

Como já explicitado anteriormente, quando se tratou do Status Activae Civitatis, o art. 14 da Constituição Federal, § 1º, disciplina que o alistamento e o voto são:

I - obrigatório para os maiores de dezoito anos;

II - facultativo para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseise menores de dezoito anos.

Não podem se alistar eleitores, ou seja, não podem obter a capacidade eleitoral ativa, de acordo com o § 2º do mesmo dispositivo constitucional, tão-somente os estrangeiros e, durante o serviço militar, os conscritos.

Há que se concluir, pois, que o art. 5º da Lei 4.737, de 5 de julho de 1965 - o Código Eleitoral -, que expressamente veda o alistamento aos analfabetos, aos que não saibam se exprimir na língua nacional e aos que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, embora grande parte da doutrina assim não entenda.

Quanto ao alistamento dos analfabetos, a Emenda Constitucional nº 25, de 1985, já tornara sem efeito tal disposição legal, situação que veio a ser confirmada na Constituição de 1988.

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A vedação ao alistamento dos que não saibam se exprimir em língua nacional (art. 5º, II, da Lei 4.7 37/65) deve ser entendida também como não recepcionada pela atual Constituição Federal, bastando que o cidadão seja brasileiro - fale ou não o idioma português - para ter o direito de se alistar. Segundo Pontes de MIRANDA, tal dispositivo se devia "ao fato de existirem naturalizados e raros brasileiros natos que não aprenderam a língua nacional, o Português". E acrescenta o autor:

Se não podem exprimir-se em língua portuguesa, dificilmente estarão interessados na vida política do país; e fez bem o legislador constituinte (leia-se constituinte de 1967) em afastá-los da capacidade eleitoral ativa e, pois, da passiva.

O Constituinte de 1988, contudo, no dizer de Tupinambá Miguel Castro do NASCIMENTO:

[...] não recepcionou a situação, afastando a matéria de inalistabilidade da lei ordinária. A atual Lei Magna torna obrigatório o alistamento ao maior de dezoito anos e indica, não exemplificativamente, mas taxativamente, as hipóteses de inalistamento. A inconstitucionalidade superveniente gerou, como conseqüência, a revogação da norma infraconstitucional.

Da mesma forma, a vedação ao alistamento por parte de quem esteja, temporária ou definitivamente, privado dos direitos políticos (art. 5º, III, da Lei 4.737/65), é de ser tida como não recepcionada pelo Texto Constitucional pátrio, pois como já visto não é requisito essencial ao alistamento esteja o indivíduo no pleno gozo de seus direitos políticos.

Isso porque, contrariamente ao que dispunham as Constituições de 1946 e 1967, bem como a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que expressamente impediam o alistamento aos que estivessem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos, a atual Carta Constitucional, no § 2º de seu art. 15, veda o alistamento, frise-se mais uma vez, apenas e tão-somente aos estrangeiros e, durante o período do serviço militar, aos conscritos.

Nos idos de 1965, portanto, quando da edição do Código Eleitoral, a Constituição Federal e a legislação especial estavam em perfeita harmonia, ambas prevendo, de forma positivada, que, suspensos os direitos políticos, não haveria possibilidade de o cidadão se alistar; ou, advinda a suspensão dos direitos políticos após o alistamento, seria este cancelado ou suspenso.

Poder-se-ia argumentar que o alistamento e o direito de votar sejam etapas distintas de exercício dos direitos políticos, como o é a elegibilidade (para a qual é necessário um plus em relação a capacidade eleitoral ativa), e que, portanto, não necessitando comprovar o pleno gozo dos direitos políticos no instante do alistamento, o eleitor deveria fazê-lo para votar. Mas assim não é. E Pontes de MIRANDA, nesse sentido, preleciona:

O alistamento eleitoral é para eficácia imediata, de modo que a entrega do título permite o exercício da atividade eletiva desde o momento da sua tradição. O título é declarativo da legitimação ativa, mesmo se o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa determinou para o mesmo dia, ou para o dia imediato, a eleição ou o plebiscito.

Fávila RIBEIRO, a seu turno, manifesta-se sobre o tema, afirmando ser requisito já para o alistamento, dentre outros, a não-privação temporária ou definitiva dos direitos políticos, pois considera as pessoas em tal situação inalistáveis. Para o autor, assim como outros que advogam do mesmo entendimento, o condenado não pode nem requerer inscrição eleitoral, já que considerado inalistável.

Todavia, o Título I - Da Qualificação e Inscrição - do Código Eleitoral, que trata do alistamento eleitoral, disciplina a matéria de forma diversa. Nos termos dos arts. 42 e seguintes, o alistando comparecerá em Cartório, ou local previamente designado (para o caso de postos volantes de alistamento de eleitores), apresentando apenas um dos seguintes documentos:

I - carteira de identidade expedida pelo órgão competente do Distrito Federal ou dos Estados;

II - certificado de quitação com o serviço militar;

III - certidão de idade extraída do registro civil;

IV - instrumento público do qual se infira, por direito, ter o requerente idade superior a dezoito anos (atualmente dezesseis) e do qual constem, também, os demais elementos necessários à sua qualificação;

V - documento do qual se infira a nacionalidade brasileira, originária ou adquirida, do requerente.

A Resolução nº 20.132, de 19.03.98, do Tribunal Superior Eleitoral, disciplinando o alistamento eleitoral, dispõe em seu art. 11 que o alistando deve apresentar documento de identidade - que pode ser carteira de identidade, certidão de nascimento, de casamento ou outro documento público - do qual se infira, por direito, a idade mínima de dezesseis anos e os demais elementos necessários à qualificação, bem como a nacionalidade originária ou adquirida.

Os eleitores do sexo masculino, por sua vez, além de um dos documentos acima mencionados, devem apresentar também o certificado de quitação com o serviço militar. Tal exigência, evidentemente, só se aplica aos jovens que, ao comparecerem para se alistar eleitores, já tenham ultrapassado a idade limite para o serviço militar obrigatório.

A qualificação, assim, se dá com o preenchimento do Requerimento de Alistamento Eleitoral - RAE - no qual o servidor da Justiça Eleitoral, de posse do documento de identidade apresentado e na presença do interessado, deve anotar o nome completo do eleitor, a data de nascimento, a filiação, a profissão, o endereço completo, o telefone, além do código do local de votação escolhido pelo alistando.

Depois de datá-lo e rubricá-lo, o servidor entregará o Requerimento ao eleitor, que conferirá os dados nele constantes e o assinará. Caso o eleitor não seja alfabetizado, o servidor lerá os dados constantes do Requerimento e solicitará ao alistando que aponha sua impressão digital no local destinado à assinatura, entregando-lhe, em seguida, protocolo da Justiça Eleitoral, que substituirá o documento oficial pelo prazo de noventa dias, até que o Tribunal Superior Eleitoral emita o título eleitoral.

Mister observar-se, pois, que também no âmbito da legislação infraconstitucional, em oportunidade alguma de sua qualificação e inscrição o eleitor é chamado a declarar ou mesmo a comprovar sua situação em relação aos direitos políticos, certificando não ter contra si condenação criminal transitada em julgado.

Infere-se, assim, estar acima de qualquer discussão o direito de o condenado se alistar, embora a maioria dos doutrinadores e a jurisprudência em geral não adote tal posição. O entendimento que se tem dado ao contido no art. 15, III, da Constituição é que, uma vez alistado, se vier a ser condenado com sentença criminal transitada em julgado, o eleitor terá suspensos seus direitos políticos, o que significa, na prática, que sua inscrição eleitoral restará suspensa, não constando mais seu nome dos Cadernos de Folha de Votação.

Isso se deve em razão do art. 71, § 2º, do Código Eleitoral, que dispõe que a autoridade que impuser pena condenatória deverá providenciar para que o fato seja comunicado à Justiça Eleitoral, com vistas à suspensão dos direitos políticos, mediante a suspensão da inscrição eleitoral do condenado, que só poderá ser restabelecida com a apresentação de certidão que ateste o cumprimento da pena.

Se, contudo, a condenação não for restritiva de liberdade, o condenado, comparecendo algum tempo depois ao Cartório, poderá alistar-se, ante a desnecessidade de prestar informações quanto ao seu status libertatis, e, em conseqüência, felizmente, exercerá seu direito de voto. Isso não se deve ao fato de a Justiça Eleitoral entender ser direito do condenado não recolhido à prisão o alistamento, mas decorre simplesmente da falta de maior controle por parte desse órgão especializado de situações tais.

Assim, se a condenação for anterior ao alistamento, a comunicação do Juiz sentenciante não surtirá efeito algum com vistas à suspensão da inscrição eleitoral do condenado, pois que ainda inexistente no Cadastro Nacional de Eleitores. E não é possível suspender uma inscrição eleitoral que ainda não existe. A Justiça Eleitoral não dispõe de um banco de dados apartado do Cadastro Eleitoral, em que fiquem registradas as informações das pessoas que tiveram contra si condenação criminal transitada em julgado, mas ainda não estão alistados, para que sejam impedidas de se inscreverem eleitores diante da condenação.

Se, entretanto, por ocasião do cumprimento do disposto no art. 71, § 2º, do Código Eleitoral, o condenado já estiver alistado, a prática cartorária eleitoral é a suspensão imediata de sua inscrição eleitoral; caso contrário, como visto, tal informação é extraviada.

Há condenados com sentença criminal transitada em julgado que, por não se encontrarem encarcerados devido à natureza da pena que cumprem, exercem seu direito de voto, pois escaparam ao controle da Justiça Eleitoral, e também porque nem todos os Juízes Criminais efetuam a comunicação prevista no art. 71, § 2º, do Código Eleitoral.

De maneira oposta, lamentavelmente, todos os encarcerados, quer em presídios, casas de detenção, penitenciárias ou delegacias, mesmo aqueles contra os quais não há condenação criminal transitada em julgado, encontram-se impedidos do exercício do voto e da cidadania.

Feitas tais considerações, o enfoque volta-se, a partir de agora, para a análise da questão da elegibilidade.

2.4 ELEGIBILIDADE

A elegibilidade, também denominada ‘capacidade eleitoral passiva’, consiste na possibilidade de o cidadão pleitear determinados mandatos políticos, mediante eleição popular, desde que preenchidos certos requisitos.

De acordo com lição de Alexandre de MORAIS, "não basta possuir capacidade eleitoral ativa (ser eleitor) para adquirir a capacidade eleitoral passiva (poder ser eleito). A elegibilidade se adquire por etapas, segundo faixas etárias", além de requerer outras formalidades, que se verá a seguir.

Nesse sentido, o art. 14 da Constituição Federal, § 3º, estabelece:

[...] § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

Oportuno registrar que, além da idade, são requisitos à elegibilidade: a nacionalidade brasileira (indispensável também para o alistamento ou capacidade eleitoral ativa), o próprio alistamento eleitoral, o pleno exercício dos direitos políticos (requisito, como visto anteriormente, não exigido no alistamento eleitoral), o domicílio eleitoral na circunscrição e a filiação partidária.

Analise-se, agora, como a legislação infraconstitucional disciplina o registro dos candidatos. Nesse sentido, o § 1º do art. 94 do Código Eleitoral estabelece que o registro do candidato deverá ser instruído:

[...]

I - com a cópia autêntica da ata da Convenção que houver feito a escolha do candidato, a qual deverá ser conferida com o original na Secretaria do Tribunal ou no Cartório Eleitoral;

II - com autorização do candidato, em documento com a assinatura reconhecida por tabelião;

III - com certidão fornecida pelo Cartório Eleitoral da Zona de inscrição, em que conste que o registrando é eleitor;

IV - com prova de filiação partidária;

V - com folha corrida fornecida pelos Cartórios competentes

(leia-se Cartórios Criminais), para que se verifique se o candidato está no gozo dos direitos políticos;

VI - com declaração de bens, de que constem a origem e as mutações patrimoniais.

Da simples leitura desses dispositivos chega-se à conclusão de que se para o alistamento eleitoral e o exercício do direito de voto fosse condição sine qua non que o eleitor não tivesse contra si condenação criminal transitada em julgado, ou seja, que estivesse no pleno gozo dos direitos políticos, bastaria que o legislador constitucional tivesse relacionado como requisito à elegibilidade fosse o candidato eleitor, pois que aí já estaria implícito o pleno gozo dos direitos políticos.

De tal maneira, provavelmente o norte exegético da inserção do inciso III do art. 15 na Constituição Federal de 1988 tenha sido apenas e tão-somente impedir, por questões éticas sim, como defende Teori Albino ZAVASCKI, que o condenado, com sentença transitada em julgado, possa se candidatar e, uma vez eleito, participe diretamente das decisões da Nação.Ou, o que é ainda pior, possa eleger-se para fugir ao cumprimento da pena que lhe foi imposta, sob o manto da imunidade parlamentar, como sói acontecer no Brasil.

2.5 DA PERDA E SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

Cinco são as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos disciplinadas no art. 15 da Constituição Federal:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Em que pese a Constituição Federal não discriminar em que casos há perda dos direitos políticos e em quais há apenas sua suspensão, Ari Ferreira de QUEIROZ é de opinião de que acarretam a perda dos direitos políticos:

a) a incapacidade civil absoluta;

b) o cancelamento da naturalização por sentença; e

c) a recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa.

Como causas de suspensão dos direitos políticos cita:

a) a condenação criminal; e

b) a improbidade administrativa.

2.5.1 EM DECORRÊNCIA DE CONDENAÇÃO CRIMINAL

Interessa a este estudo, obviamente, apenas a hipótese de suspensão dos direitos políticos elencada no inciso III do art. 15 da Carta Constitucional de 1988, qual seja, a decorrente de condenação criminal transitada em julgado.

Desde a Constituição Política do Império que os direitos políticos dos condenados vêm sendo regulamentados. Assim, previa o Código Criminal do Império, de 1830, que os condenados às galés, à prisão com trabalho, à prisão simples, ao degredo ou ao desterro, ficariam privados do exercício dos direitos políticos de cidadão brasileiro, enquanto durassem os efeitos da condenação. Mesma orientação adotou o Código Penal de 1890, ao estabelecer, em seu art. 55, que a condenação à pena de prisão celular ensejaria, dentre outras conseqüências, a suspensão de todos os direitos políticos.

O Código Penal de 1940, seguindo orientação constitucional, era expresso acerca da inexorável suspensão dos direitos políticos como pena acessória, resultante da simples imposição da pena principal.

Sobrevindo a Lei n. 7.209, de 11.7.1984, que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal, excluiu-se do texto legal a suspensão dos direitos políticos, "naturalmente como repulsa à odiosa repressão política, com numerosas cassações de direitos políticos, a que a nação esteve submetida, em conseqüência do regime militar", remanescendo apenas a interdição temporária de direitos regulada pelos arts. 43 a 48 do Código Penal.

Tal interdição, entretanto, não era automática, dependia de ser expressamente declarada na sentença.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, novamente o assunto veio à baila, porque em seu art. 15, ao vedar expressamente a cassação dos direitos políticos, dispôs o Texto Constitucional, no inciso III do mesmo artigo, sobre a perda ou suspensão dos direitos políticos, pela circunstância, dentre outras, da condenação criminal transitada em julgado.

A extensão de tal preceito, entretanto, tem causado celeuma entre os doutrinadores pátrios. A jurisprudência eleitoral, acompanhando entendimento da maioria dos doutrinadores, é uníssona no sentido de que a suspensão dos direitos políticos é mera conseqüência do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória. Sobrevindo a primeira, necessariamente ocorre a segunda, mesmo que a sentença nada declare quanto aos direitos políticos do réu.

Orlando SOARES, de posição menos ortodoxa, entende que, em consonância com o disposto no art. 5º, XLVI, letra "e", da Constituição Federal - que preceitua que lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a suspensão ou interdição de direitos -, enquanto não for editada norma regulamentadora, não poderá haver a suspensão dos direitos políticos.

Nesse sentido, acrescenta o constitucionalista, in litteris:

Ademais, é princípio geral de Direito, aceito pela consciência democrática, que os impedimentos e restrições de qualquer espécie devem derivar de expressa disposição legal, ao passo que as interpretações, que favorecem o direito de alguém hão de ser entendidas extensivamente.

Por conseguinte, é forçoso concluir que, em virtude dos preceitos constitucionais e legais acima invocados, nada obsta o exercício do direito de voto por aqueles que se encontram custodiados pelo Estado, em estabelecimentos prisionais, quer em caráter provisório, quer cumprindo pena [...].

Em linha diversa ainda é o posicionamento de Dyrceu Aguiar Dias CINTRA JÚNIOR, ao defender que somente no caso de encarceramento do condenado haveria a suspensão dos direitos políticos. Na defesa desse entendimento, manifesta-se o autor:

Se o condenado estiver no gozo de seus status libertatis, por ter sido beneficiado com o sursis ou por estar em liberdade condicional, por exemplo, sem limitações que impliquem horários de recolhimento a cárcere - ao contrário do que ocorre com a prisão aberta em que há apenas autorização de saída para o trabalho -, não poderá ter seus direitos suspensos.

Outros estudiosos no assunto têm compreensão diversa: entendem que a medida extrema da suspensão dos direitos políticos deveria adstringir-se unicamente às hipóteses de cometimento de crimes dolosos, pois que só aí emergiria comportamento reprochável apto a justificar fosse o cidadão afastado dos ‘negócios da cidade’.

Em relação a esse aspecto, traz-se à colação manifestação de Edilson Pereira NOBRE JÚNIOR:

"Alvitro, portanto, que, demais da natureza de aplicabilidade plena de que é portador, o art. 15, III, da Lei Fundamental deve ter o seu alcance reduzido, excluindo-se de seu âmbito os crimes praticados com culpa stricto sensu, uma vez que a postura do seu autor não se reveste de ultraje inconciliável com a condução da boa gerência da coisa pública, por ausente o expressivo escopo de delinqüir".

A par de todas discussões acerca do alcance da norma restritiva do direito à cidadania, forçoso é concluir-se, em razão de toda argumentação expendida, que, a exemplo dos analfabetos e dos maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, os direitos políticos dos condenados criminalmente com sentença transitada em julgado, sofrem, sim, algumas restrições. Não podem eles, por exemplo, concorrer a cargo eletivo (ius honorum) ou filiar-se a partido político. Todavia, tendo em vista o norte exegético indicado pelo princípio da universalidade do sufrágio, alicerçado nos princípios e regras constitucionais da igualdade e da liberdade e de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, é de inferir-se que os direitos políticos do condenado permanecem intocáveis no que se refere ao direito de votar (ius sufragii), não só em relação à escolha de candidatos a cargos eletivos, mas também a referendos e plebiscitos.

Nesse aspecto, instigada por qual teria sido a razão, o motivo de a Assembléia Constituinte de 1988, ao contrário do que dispunham as Constituições anteriores, ter reduzido a restrição ao direito de alistamento, expressamente, apenas aos estrangeiros e, durante o serviço militar obrigatório, aos conscritos, foram compulsados os Anais daquela Casa Legislativa por ocasião da votação do Capítulo IV - Dos Direitos Políticos.

Constatou-se, então, lamentavelmente, não ter havido nenhum debate em Plenário, não se encontrando nos Anais da Assembléia Constituinte nenhuma manifestação específica em relação aos pressupostos para o alistamento ou mesmo sobre o direito de voto dos condenados, por parte dos Srs. Deputados.

Contudo, investigando mais detalhadamente os trabalhos das subcomissões, especificamente a Subcomissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, deparou-se com o seguinte parecer acerca da Emenda nº 294 ao anteprojeto do relator da Comissão, apresentada em 1º de junho de 1987, de autoria do Deputado José GENOÍNO do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, que pode estar apto a relevar o pensamento da Assembléia Constituinte acerca da matéria:

Emenda ao anteprojeto da Subcom. dos Dir. Polít., dos Dir. Coletivos e Garant. Ind.

Ao Anteprojeto da subcomissão dos Direitos Políticos

Dá a seguinte redação ao § 1º do art. 11 e acrescenta um novo parágrafo a este artigo, que passa a ser o 2º, renumerando-se os demais.

§ 1º - É obrigatório o alistamento de todo brasileiro com dezesseis anos completos, não podendo ser excluído do alistamento eleitoral por razões de sexo, raça, grau de instrução, fortuna, convicção política, fé religiosa, profissão e condenação criminal.

§ 2º - O exercício do voto é sempre facultativo.

PARECER

O ilustre Constituinte José Genoíno sugere nova redação ao § 1º do art. 11 da Subcomissão 1-b, estabelecendo o princípio do voto facultativo, instituto que considera imprescindível numa sociedade democrática.

É indubitável, que se pretende uma verdadeira democracia participativa, no entanto, o atual nível de politização não nos permite, ainda, esse princípio geral (sic).

Quanto às condições estabelecidas para o alistamento eleitoral, não vemos conveniência, nem necessidade do acréscimo sugerido, pois, quando se estabelece que ‘todos os brasileiros têm direitos’, o termo é abrangente, independentemente de sexo, raça, instrução ou qualquer outra qualificação.

Ao que parece, nem mesmo os Constituintes de 1988 pretenderam impor aos condenados a suspensão de seu direito de votar. Primeiro porque, ao contrário das Cartas Constitucionais anteriores, a atual fez-se silente quanto à impossibilidade de os indivíduos nessa situação se alistarem, e, segundo, a proposta de emenda proibindo tal discriminação em relação ao condenado pareceu desnecessária ao relator da Subcomissão de Direitos Políticos, ante o princípio constitucional de que todos os brasileiros têm direitos iguais.

Também em outro parecer da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher à proposta de Emenda nº 00139, de autoria da Deputada Anna Maria RATTES, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro do Rio de Janeiro, apresentada em 20 de maio de 1987, garantindo o direito de voto aos condenados, chega-se à mesma conclusão.

A Deputada defendeu sua Emenda ao argumento de que, a partir da edição da Lei 7.209, de 11.07.1984, que deu nova redação ao art. 38 do Código Penal, os presos conservam todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

Efetivamente, diz o relator da referida Subcomissão, na parte final de seu parecer:

Reconhecemos total procedência à argumentação expendida, e dela somos defensores vigorosos. Tanto que no anteprojeto, em seu artigo 26, estabelecemos requisitos mínimos de respeito à dignidade e integridade física e mental do detento, bem como de seu direito à assistência espiritual e jurídica, à sociabilidade, à comunicabilidade e ao trabalho produtivo e remunerado. Não poderíamos, portanto, negar-lhes o direito de alistamento e voto, que eqüivaleria a recusar-lhe o exercício de direitos políticos, como pena acessória já recusada pela legislação.

Com efeito, o Constituinte de 1988 erigiu o dever de respeito à dignidade física e moral do preso à categoria dos preceitos fundamentais, ao consagrá-lo no art. 5º, inc. XLIX, sob o Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Por isso, com amparo no ensinamento da Prof.ª Graça BELOV, urge que se busquem medidas efetivas de combate às práticas de exclusão, tanto em nível legal quanto institucional.

Ademais, como assevera com propriedade a citada professora, o art. 3º da Lei de Execuções Penais - Lei 7.210, de 1984 - preconiza que "ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei", e, mais adiante, em seu parágrafo único, que "não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política".

Esses dispositivos, averbera a mestra baiana, "outorga-nos questionar por que os condenados não podem, a exemplo dos analfabetos, ser guindados à categoria de inelegíveis apenas, permitindo-se, assim, que possam exercer o direito de eleger seus representantes, mantendo-os vinculados à vida política do País, à certeza de que ainda são pessoas com algum valor, de que a sociedade se importa com o que sentem e pensam".

Quando o mundo marcha para uma globalização sem fronteiras, em que os interesses de grandes grupos econômicos sobrepujam os sociais, em que cada vez mais os seres humanos se tornam descartáveis, aos excluídos restam apenas três opções: a) sujeitar-se como vassalos aos desejos das elites dominantes, esperando poder contar com algum rompante de benevolência e humanidade por parte deles; b) rebelar-se contra toda essa situação de miséria, pela força da revolução; ou c) exercitar cada vez mais a cidadania, buscando eleger governantes mais comprometidos com o País e com os anseios do povo.

Efetivamente, como assevera Graça BELOV:

A utopia da transformação, da construção de sociedades mais democráticas, melhores e por isso, mais solidárias, mais iguais, livres, impõe o rompimento com a lógica excludente e perversa do capitalismo pós-moderno, somando-se o rompimento com qualquer forma de autoritarismo e opressão e a indispensável garantia da liberdade individual e do direito à cidadania.

É só com base na cidadania, na sua qualidade de cidadão, que o indivíduo terá acesso ao espaço público, fazendo-se ouvir. Por isso, o ideal da democracia é que todos os indivíduos, naturalmente capazes, participem da escolha não só dos governantes, mas que elejam também as políticas, as diretrizes a serem seguidas por esses governantes, enquanto instituições a serviço do povo.

Acresça-se a todos esses argumentos a manifestação do Deputado Carlos Alberto CAMPISTA, autor de Proposta de Emenda Constitucional n.º 486/97 - lamentavelmente arquivada pela Câmara dos Deputados, que justamente estendia ao preso o direito de voto - em entrevista dada ao Jornal do Conselho Federal da OAB:

Entrevistado: - O sr. acha que uma pessoa, ao ser condenada judicialmente, não deve perder o direito à cidadania?

Deputado: - É, a pessoa perde a liberdade, mas não perde a cidadania: não deixa de ser pai, não deixa de ser mãe, não perde todas as obrigações de cidadão. Ela apenas tem sua liberdade momentaneamente restringida. Então, a liberdade dele, de ser votado" (elegibilidade) ", choca-se com a pena de prisão, porque ele não tem o direito de ir e vir, mas não é o caso no seu direito de votar.

Assentando-se firmemente, pois, que tanto a legislação constitucional como a infraconstitucional não impedem o exercício do voto pelo condenado, tratar-se-á no próximo capítulo dos direitos do condenado, buscando estabelecer, num primeiro plano, a origem do direito de punir.

Num segundo tópico, procurar-se-á demonstrar que o impedimento do exercício do direito de voto por parte do condenado fere o princípio da proporcionalidade entre o bem tutelado pela norma jurídica e a pena, pois que penaliza indistintamente qualquer agente de ato ilícito, sem levar em conta sua maior ou menor gravidade e repercussão social.

Posteriormente, discorrer-se-á acerca da situação de abandono e de descaso em que se encontram os condenados no Brasil, principalmente os encarcerados, não com o propósito de esgotar o assunto, mas simplesmente delinear alguns dos aspectos em que a possibilidade de exercitarem sua cidadania poderia contribuir para minimizar tal situação, visando a reinseri-los no contexto social.

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Sobre a autora
Jane Justina Maschio

pós-graduanda em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASCHIO, Jane Justina. Os direitos políticos do condenado criminalmente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 346, 18 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5368. Acesso em: 25 abr. 2024.

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