1) ANÁLISE CRÍTICA
Fundamentalmente, a confiança desponta como um dos eixos estruturais da sociedade contemporânea, eis que sua carência impediria o homem de enfrentar as atividades cotidianas, fazendo-o mover-se por um sentimento vago de temor perante seus pares. Assim, não há sociedade de risco sem confiança [1].
Nessa senda, os cultores do direito devem ter em conta que a confiança não possui unicamente fundamento normativo, senão também talhes social e psicológico, vez que, aprioristicamente, ela incide no plano comportamental dos cidadãos [2].
Com lastro na psicanálise, é cediço que toda pessoa, desde os primeiros anos de vida, receba da figura representativa de seu cuidado infantil certa carga de confiança, em que o “eu” do recém-nascido busca confiar não apenas em agentes externos, como também em si mesmo. Torna-se o ato de confiar, doravante, uma necessidade psicológica persistente e recorrente [3], sobretudo na contemporaneidade, na qual o indivíduo, diante dos riscos e de contatos anônimos, deposita maior credibilidade em mecanismos que transcendem às relações familiares (controle social informal), também conduzindo-se pela dimensão normativa do direito (controle social formal) com o desiderato de interagir demasiadamente sem causar lesividade aos demais.
Aponta-se que, sob o prisma jurídico, a confiança afigura-se como um orientador da ação humana, pois, no formato de um princípio geral de direito, ingressa pelas lacunas axiológicas do ordenamento e, com baluarte na obrigatoriedade das leis (art. 3.º da LINDB) [4], passa a irradiar como um princípio (da confiança; da não desconfiança; ou, do alemão, Der Vertrauensgrundsatz) – malgrado haja dissensão sobre sua força principiológica [5] –, preponderantemente sobre dois ramos jurídicos: (i) no direito civil, como cláusula geral, consubstanciada no princípio da boa-fé, destinando-se à interpretação dos negócios jurídicos; e (ii) no direito penal, como princípio de imputação em delitos negligentes [6], incidindo, no caso concreto, com uma função interpretativa e delimitadora do dever de cuidado, em especial da previsibilidade [7].
No campo penal, teve como nascedouro a jurisprudência alemã, em particular o julgamento de delitos culposos de trânsito [8]. Já nos anos 50, a Suprema Corte germânica (Bundesgerichtshof) ampliou sua aplicação a outros crimes de tráfego, embora tenha delimitado seu emprego ainda nos anos 60.
A conveniência desse princípio na seara forense, conformando-o à expansão dos riscos sociais, alargou seu âmbito de incidência a toda atividade humana que envolvesse a atuação conjunta de participantes, mormente em contextos de grupo e atividades comunitárias, v.g., o obrar de uma equipe médica ou desportiva, assim como em acidentes de trabalho e em relações consumeristas [9].
Hodiernamente, encontra-se robustecido no direito penal espanhol, e, de modo paulatino, vem sendo incorporado no ordenamento penal dos mais diversos países, como no caso do Brasil.
Por esse princípio, todo aquele que se comporta dentro dos limites do cuidado objetivamente exigido ou do risco permitido, pode confiar que os demais coparticipantes da mesma atividade também atuarão cuidadosamente, seguindo as regras de experiência (id quod plerumque accidit) [10], de sorte que sua aplicação exclui a responsabilidade dos agentes quanto aos fatos que se situam fora do dever concreto que lhes é exigido no momento da ação.
Há de se ter uma liberdade de atuação, mas sem o ideário de controlar o comportamento geral, haja vista que se cada qual assumisse tal tipo de postura, pautando-se pela desconfiança, não conseguiria sequer cumprir com suas próprias obrigações na sociedade de risco e globalizada.
A função que se tem atribuído à confiança na teoria do delito condiciona-se às peculiaridades dogmáticas e de política criminal de cada modelo de Estado, perfazendo-se: (i) à luz da doutrina finalista, como critério delimitador do dever concreto de cuidado, a ponto de inexistir negligência, sendo o fato atípico; e (ii) sob o manto do funcionalismo e da imputação objetiva, como manifestação do risco permitido ou de exclusão do risco proibido.
Para Jakobs, assentado na teoria sistêmica de Luhmann, ao cravar que o direito penal não de destina imediatamente à salvaguarda de bens jurídicos, mas à garantia do sistema valorativo num todo (vigência da norma), o nexo causal é a primeira etapa a ser percorrida, e, uma vez existente, aplicar-se-ão os princípios da imputação objetiva, tal como o princípio da confiança, ao lado do risco permitido, da competência e capacidade da vítima e da proibição de regresso. Neste caso, “[...] o princípio da confiança é algo além de uma magnitude estatística” [11], consistindo não em critério delimitador do dever de cuidado, mas de exclusão da imputação objetiva [12].
Destarte, haveria a superação do “homem inteligente e prudente” (homem médio; homo medius; homem normal; reasonable man) – de construção causal e então acolhido pelo finalismo de Welzel como princípios gerais de caráter material e, no Brasil, por Hungria, Fragoso, Cirino dos Santos, Luís Greco e Nilo Batista -, optando-se pela adoção de um critério pessoal, razão pela qual se teria a transposição, para o tipo penal, da investigação da previsibilidade subjetiva do acontecimento. No mesmo diapasão, Tavares, ao propor um conceito de crime culposo, afasta tal figura, sob o argumento de que o homem médio sempre suscitou controvérsias [13].
Já na perspectiva de Roxin, a violação do dever de cuidado, da forma como delineada pela antiga dogmática da culpa, corresponde, na imputação objetiva, a pressupostos que configuram a criação de um risco juridicamente desaprovado, cuja aferição demanda os seguintes parâmetros: (i) normas jurídicas; (ii) normas de trânsito; (iii) princípio da confiança; e (iv) a figura comparativa diferenciada (differenzierte massfigur) [14].
Ademais, no domínio da cumplicidade através das ações neutras - v.g., o padeiro que vende o pão ao autor consciente de que este o usará para envenenar alguém -, o princípio da confiança encontra limitações. Segundo Luís Greco: “[...] Em síntese: o princípio da confiança, apesar de amplamente aceito e reconhecido, não é capaz de lidar com os casos de cumplicidade através de ações neutras, porque nestes costuma haver indícios de que o fato principal venha a ser cometido, o que configura justamente uma das restrições à aplicabilidade do mencionado princípio” [15].
Certo é que, independentemente da concepção propugnada (finalista ou funcionalista), sobredito princípio conduz ao mesmo desfecho, isto é, delimita a incidência da norma incriminadora ao caso concreto em relação ao agente que atuou dentro dos parâmetros legalmente exigidos [16].
Salienta-se que, no cenário penal nacional, apresenta a confiança as mais variadas nuanças: (i) como princípio geral de direito; (ii) como um dos fundamentos da intervenção penal [17], lastreada em valores éticos e na solidariedade, viabilizando contatos sociais de caráter anônimo e estimulando prestações de alto valor que seriam impossíveis de ser firmadas de outra maneira, sobretudo no direito penal de trânsito, no direito penal médico e direito penal econômico e empresarial – no qual é possível a imputação a partir de programas corporativos e do “criminal compliance”; e (iii) é imbricada aos princípios constitucionais da intranscendência penal e da individualização da pena.
E, considerando que os delitos culposos e omissivos encontram-se em ampliação, geralmente na forma de tipos abertos [18], a confiança se afigura como um princípio autônomo de imputação, com baluarte na autorresponsabilidade [19] e racionalidade dos indivíduos perante o direito, próprio de um Estado de Direito não paternalista, conferindo à pessoa cidadania, dignidade e autodeterminação (arts. 1.º e 4.º da CF).
Forçoso é convir, pois, que, no direito penal pátrio, em que a escola finalista encontra prevalente acolhida [20], o princípio da confiança se assenta até então no dever objetivo de cuidado [21], aplicável a uma ampla gama de subsistemas sociais, eis que apto a delinear a distribuição de tarefas no quadro de uma sociedade do risco globalizada.
Essa concepção merece ser conjugada com a proposta de que o predito princípio deve fornecer racionalidade e proporcionalidade às regras correlatas, conquanto não seja, no plano concreto, absoluto ou ilimitado nem de vigência irrestrita, pois deve ser compreendido de acordo com o contexto social em que é aplicável [22]. Vale dizer, confere uma importante limitação na norma de cuidado e ao conteúdo material do dever de cuidado objetivamente exigido na órbita dos crimes culposos, particularmente no âmbito da atividade concreta, cabendo seu exame no tipo penal objetivo, já que busca a exclusão do obrar além do dever concreto imposto aos agentes.
Reconhece-se que aludido princípio também poderia servir como uma das formas de delimitar o dever de garante, outra hipótese em que encontraria guarida no ordenamento doméstico, em particular referência aos delitos omissivos impróprios (art. 13, § 2.º, do CP). Dessarte, assumiria importância nos seguintes casos [23]: (i) divisão horizontal de funções ou de trabalho, em que indivíduos de um mesmo grupo trabalham em um mesmo nível ou nível equivalente (v.g., a relação entre cirurgião e anestesista; piloto de avião e controlador); e (ii) divisão vertical de funções ou de trabalho, na qual sujeitos trabalham em distintos níveis ou em uma relação hierarquizada, em que um recebe instruções de outra pessoa que se encontra em um nível superior (v.g., chefe diante de seus empregados).
Por derradeiro, revela-se desarrazoada, em uma eventual reforma do Código Penal, a normatização do princípio em comento, porquanto tal postura legislativa enrijeceria sua atividade interpretativa, em nada acrescentando, cabendo à doutrina e à jurisprudência lapidar seus contornos – demonstrando ao menos ter assim se enveredado o legislador no Projeto de Lei n. 236/2012 (Projeto do Novo Código Penal).
2) TOMADA DE POSTURA
Em suma, o princípio da confiança é perfilhado pela dogmática penal moderna, não podendo ser meramente reputado como objeto superado de celeumas, senão como um instituto ainda em fase embrionária à luz da teoria do delito, posto que propício a delinear a distribuição de tarefas no gizar da sociedade do risco.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Notas:
[1] Hodiernamente, o homem mantém contatos anônimos em uma sociedade programada do risco, no que é levado a desenvolver consciências diante do perigo, em especial nos crimes culposos (Reale Júnior, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1, p. 233; Ponte, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 37-40). Outros mecanismos incidem concomitantemente com a confiança como forma de definir a organização da modernidade, v.g., a lei, a organização e a linguagem (Luhmann, p. 164 apud Abraldes, Sandro Fabio. Cerezo Mir, José (Prefaciador). Delito imprudente y principio de confianza. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2010. p. 385).
[2] A dogmática penal não deve deixar de levar em conta os dados da realidade social – v.g., a sociologia, a psicologia, a psicanálise e a antropologia –, sob pena de aquebrantar todo o arcabouço prático da ciência penal. Também não cabe às outras ciências olvidar da dimensão normativa do direito. É salutar sopesar os limites entre os diversos ramos do conhecimento (Silva Sánchez, Jesús-María. Aproximación al derecho penal contemporáneo. Barcelona: Bosch, 1992. p. 86-87).
[3] No plano psicológico, exsurge a confiança, no início da vida, pelo “espaço potencial” existente entre a criança e a pessoa encarregada de seu cuidado infantil, representada, em regra, pela figura materna (Winnicott, p. 116-21 apud Abraldes. Op. cit., p. 373, nota de rodapé, item 146). Uma vez adulto, o indivíduo mantém uma confiança ontológica, bem como um sentimento em relação às pessoas e às coisas. A compreensão dos fenômenos criminológicos deve partir de uma liberdade ontológica do homem em detrimento da liberdade normativa do direito penal (Minerbo, Marion; Marques, Oswaldo Henrique Duek. Liberdade (possível) e responsabilidade. Conhecimento Prático Filosofia, v. 28, p. 47-54, 2011, especialmente p. 48-54).
[4] Na órbita penal, a obrigatoriedade das leis encontra-se vinculada à garantia da vigência da norma, em especial à proteção geral positiva limitadora. O princípio da confiança serve de meio para garantir o respeito normativo (Feijoó Sánchez, Bernardo José. El principio de confiança como critério normativo de imputación en el derecho penal: fundamento y consecuencias dogmáticas. Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, n. 1, v. 1, p. 227-265, 2000).
[5] FILHO, Antonio Carlos Santoro. Teoria da imputação objetiva: apontamentos críticos à luz do direito penal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 81-2.
[6] Diplomas penais costumam empregar um vocábulo dominante para se referir à “culpa”. Há uma ausência de uniformidade designativa da expressão, por decorrência da falta de um sistema homogêneo do delito culposo, razão pela qual mostra-se razoável o emprego de “negligência”, pois, atualmente, esta apresenta conceito distinto da “culpa” de outrora: possui um conceito de conteúdo, de omissão de cautelas devidas no momento da execução da ação perigosa (TAVARES, Juarez. Teoria do crime culposo. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 270-76).
[7] O conceito doutrinário de delito ainda encontra-se em fase de aprimoramento. Nos delitos culposos, as controvérsias despontam-se ainda mais acentuadas. Em todo caso, mesmo a doutrina refratária ao finalismo reconhece que eventuais equívocos não chegam a comprometer sua coerência sistêmica. Há finalidade nos delitos culposos, pois a respectiva ação é dirigida à produção de um resultado, conquanto haja um desvio na trajetória daquela pela escolha equivocada ou pelo emprego perigoso dos meios executórios (negligência, imprudência e imperícia), sobrevindo resultado diverso, no que o delito culposo surge no decorrer da própria ação. Pelo princípio da legalidade, ainda considerando a tendência hodierna de se alargar cada vez mais a tipicidade, há de se determinar precisamente o cerne do tipo culposo, visando a uma minuciosa delimitação da responsabilidade, pois, no campo penal, as consequências ao autor são contundentes (TAVARES. Op. Cit., 2009, p. 193-195; NORONHA, Edgard Magalhães. Do crime culposo. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 70; Prado, Luiz Regis. Teoria da imputação objetiva do resultado: uma aproximação crítica a seus fundamentos. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 220).
[8] Welzel, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Régis Prado. São Paulo: RT, 2001. p. 79; Tavares, Juarez. Direito penal da negligência: uma contribuição a teoria do crime culposo. São Paulo: RT, 1985. p. 148; Gómez, Mario Maraver. El principio de confianza en derecho penal. Un studio sobre la aplicacion de principio de autorresponsabilidad en la teoria de la imputación objetiva. Navarra: Thomson-Civitas, 2009. p. 35-36; Donna, Edgardo Alberto. El delito imprudente. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2012. p. 191-192.
[9] Jakobs concebe a confiança como um princípio geral de imputação. Outros cultores têm restringido o seu alcance a apenas determinados subsistemas sociais, principalmente no tráfego viário, cuja ideia vincula-se ao fato de estruturá-la não como um instituto autônomo, mas como um caso especial de risco permitido.
[10] WESSELS, Johannes. Direito penal. parte geral (aspectos fundamentais). Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1976. p. 150; BACIGALUPO, Henrique. Direito Penal – parte geral. Trad. André Estefam. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 250;Toledo, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 301; Tavares. Op. cit., 1985, p. 148; Op. cit., 2009, p. 313; Albuquerque, Mário Pimentel. O princípio da confiança no direito penal: uma introdução ao estudo do sujeito em face da teoria da imputação objetiva funcional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 147-70; Prado. Op. cit., p. 229; Zaffaroni, Eugenio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v. 1: parte geral. 8. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 442.
[11] In: Jakobs, Günther. Fundamentos do direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2003. p. 85.
[12] Predica Jakobs que foi Stratenwerth quem elaborou a conexão entre o princípio da confiança e a possibilidade de imputação (Stratenwerth, 1961, p. 392 apud Jakobs. Op. cit., p. 86).
[13] Raul Machado defendia a adoção do critério subjetivo ao Direito indígena (MACHADO, Raul. A culpa no direito penal. São Paulo, 1929, p. 228). Já Noronha perfilha do critério misto.
[14] Para Roxin, a imputação objetiva assume maior relevância prática na determinação do ilícito culposo, pois desenvolve uma dogmática completamente nova. Os critérios desenvolvidos pela dogmática tradicional revelam-se supérfluos e substancialmente inadequados. A omissão do dever de cuidado não apresenta um significado preciso, tampouco um teor substancialmente correto, gerando a falsa percepção de que o ilícito da ação culposa seria uma omissão. Os critérios fornecidos pela imputação objetiva referem-se à criação de um perigo não permitido, afigurando-se mais precisos, além de conferir melhor balizamento na determinação do injusto culposo (Roxin, Claus. Estudos de direito penal. 2. ed. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 116-18).
[15] Greco, Luís. Cumplicidade através de ações neutras. A imputação objetiva na participação. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 27-30.
[16] Para Tavares, invocando o entendimento de Roxin, o crime culposo é assentado na violação do risco autorizado, motivo pelo qual o princípio da confiança serve para delimitar o próprio risco autorizado. Mas também seria correto conservar referido princípio na estrutura do dever de cuidado (Tavares. Op. cit., 2009. p. 314).
[17] O estado dinâmico do bem jurídico não seria alcançado se o próprio ordenamento penal não reconhecesse o princípio da confiança, no que implicaria paralisação do progresso (Abraldes. Op. cit., p. 389).
[18] Para Tavares, o injusto culposo não se afigura como tipo aberto, mas como tipo fechado, pois é da sua essência ser acabado e servir como garantia (Tavares. Op. cit., 2009, p. 280).
[19] Nesse sentido: Jakobs, Figueiredo Dias, Reyes Alvarado, Stratenwerth, Stratenwerth-Kulen, Mantovani, Feijoó Sánchez, Maraver Gómez e Luís Callegari (Callegari, André Luís. O princípio da confiança no direito penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 7, n. 78, p. 3, maio 1999, especialmente p. 2).
[20] No Brasil, há julgados que já reconheceram a aplicação da confiança com fulcro no risco: STJ, HC 46.525-MT, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 21.03.2006, p. 245; HC 46.525/MT, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5.ª T., j. 21.03.2006; TJMG, Número do processo: 1.0024.01.042560-1/001(1), relator: Alexandre Victor de Carvalho, j. 30.05.2006, publ. 07.07.2006; TJMG, Número do processo: 2.0000.00.438534-0/000(1), relator: Alexandre Victor de Carvalho, j. 08.06.2004, publ. 26.06.2004; Apelação Crime 70010124980, 2.ª Câmara Criminal, TJRS, relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, j. 30.11.2006; Apelação Crime 70011222411, 2.ª Câmara Criminal, TJRS, relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, j. 26.01.2006; Apelação Crime 70006990634, 2.ª Câmara Criminal, TJRS, relator: José Antônio Cidade Pitrez, j. 03.11.2005.
[21] Para Feijoó Sánchez, o fundamento da confiança não é o risco, mas o comportamento de uma pessoa livre e responsável, de forma que a conduta tem como balaústres os princípios da autorresponsabilidade e da autonomia, seguindo os contornos do princípio da culpabilidade no Estado de Direito (Feijoó Sánchez. Op. cit., p. 236-37).
[22] Caberá a aplicação desse princípio para solucionar os casos de participação culposa em ação subsequente de outrem: (i) se a ação subsequente de outrem for culposa; e (ii) se a ação subsequente for dolosa. Porém, não incidirá: (i) quando, em virtude de circunstâncias especiais, for absolutamente provável que a conduta de outrem lesará o dever de cuidado, pois é perigosa; (ii) quando o dever de cuidado estiver dirigido no sentido de controle, fiscalização e guarda das condutas de outrem, mormente quando se referirem a ações de crianças ou enfermos mentais ou a realizações difíceis e arriscadas; e (iii) quando a própria confiança funciona como limitador do dever de cuidado por quem atua, por si mesmo, de modo contrário a tal dever (Tavares. Op. cit., 2009, p. 316-22).
[23] Na Espanha, há uma tendência de estender a posição de garante a todos os tipos penais, inclusive nos crimes comissivos. A moderna teoria do tipo reconhece que no delito doloso existem elementos da culpa, caso em que o princípio da confiança também poderia ser aplicado (BACIGALUPO. Op. Cit.; p. 219 e 250; Feijoó Sánchez. Op. cit., p. 243).