9. Princípios reguladores da Administração Pública
A Administração Pública tem sua principal regulação na Constituição Federal, que logo no caput do primeiro artigo a tratar dessa matéria estabelece os cinco princípios norteadores de toda a sua atividade.
Cuida-se dos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Eficiência. Ocorre, todavia, que a doutrina acabou por verificar que além desses, haveria a existência de outros, não expressos, mas implícitos.
Como retro tratado, a não ocorrência expressa desses princípios ditos implícitos não lhes retira a validade, nem tampouco o dever de observância, na medida em que não há a necessidade de que um princípio de direito esteja positivado para que haja dever de observância.
Assim temos os seguintes princípios: supremacia do interesse público, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, e motivação.
Vejamos agora cada um desses princípios.
9.1. Princípios constitucionais expressos
Como o presente trabalho tem como norte as normas constitucionais reguladoras da Administração Pública trataremos, no presente tópico, daqueles princípios expressamente previstos como reguladores da Administração Pública, previstos no caput do art. 37. da Constituição, a saber, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.
9.1.1. Legalidade
Trata-se do primeiro princípio elencado para a Administração Pública. Ainda que não se diga que por isso é o mais importante, certamente por outros fatores o será.
Enquanto qualquer pessoa pode fazer tudo que a lei não lhe proíbe, para o administrador a regra é interpretada a contrario sensu, na medida em que este somente pode fazer o que a lei autorizar.
Daí dizer-se que o Poder Executivo executa as leis.
Rafael Munhoz de Melo traz importante lição acerca da importância do princípio da legalidade:
"Como foi acima afirmado, ínsita à idéia de Estado de Direito é a de submissão dos entes estatais à lei. Com efeito, o Estado de Direito surge justamente no momento em que a observância da ordem jurídica torna-se obrigatória ao próprio Estado. Daí afirmarem os doutrinadores que o princípio da legalidade é a mais importante característica do Estado de Direito, ‘que o qualifica e que lhe dá identidade própria’. Trata-se, nas palavras de Brewer-Carías, da ‘construcción jurídica más importante Del Estado de derecho’.
Sendo assim, a importância do princípio da legalidade para o direito administrativo é imensurável, pois tal ramo jurídico é, também, conseqüência do advento do Estado de Direito. De fato, antes da submissão do ente estatal à legalidade não havia que se falar em direito administrativo, ao menos no modo como a expressão é hoje entendida. Pode-se afirmar, assim, que o direito administrativo é fruto da Revolução Francesa, marco histórico que identifica o surgimento do Estado de Direito. Bem por isso anota o mestre português Sérvulo Correia. ‘Nos Estados cuja matriz emerge das idéias e instituições consagradas pela Revolução Francesa, a limitação do poder inspira, como categoria filosófica-juridica, os poderes constituintes, determinando a afirmação – expressa ou implícita – da legalidade nos textos constitucionais, como princípio regulador da conduta dos órgãos do mando’.
Reza o princípio da legalidade que todos os órgãos estatais estão subordinados ao ordenamento jurídico. Legalidade não se confunde com lei, devendo ser entendida em sentido amplo, como ordem jurídica. De fato, há atividades estatais que se sujeitam tão-somente à Constituição, como a de governo; por outro lado, os órgãos administrativos devem observar também as normas infralegais, vedada que é a revogação singular dos regulamentos.
No âmbito do direito administrativo o princípio da legalidade tem um sentido especial. De fato, significa não só que Administração Pública está submetida ao ordenamento jurídico, mas também que toda atividade administrativa deve estar autorizada por lei. Vale dizer, a atividade dos órgãos administrativos é infralegal, como já ensinava Otto Mayer no final do século XIX: ‘La Administración, desde su comienzo, ha sido contemplada como una actividad del Estado que se ejerce bajo la autoridad del orden jurídico que él debe establecer’.
O princípio da legalidade impede que a Administração Pública atue sem que haja expressa permissão legal. Ou seja, não podem os órgãos administrativos agir sem lei prévia que autorize tal atuação; ‘administrar [é] aplicar a lei de ofício’, como bem sintetizou Seabra Fagundes em célebre passagem de sua obra.
A atividade administrativa é marcada, portanto, pela submissão à lei. Destarte, a função administrativa é subordinada à função legislativa, como muito bem notou Renato Alessi, cuja lição merece transcrição: ‘l’ amministrazione, particolarmente perquanto concerne l’ attività di carattere giuridico, può fare soltando ciò che la legge consente’. No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello: ‘Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpli-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modestos dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro’.
Enfim, a Administração Pública somente pode fazer aquilo que a lei permitir, ao contrário dos particulares, que podem fazer tudo que não lhes seja proibido por lei. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, ‘enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza’".
Canotilho tece os seguintes comentários acerca do princípio da legalidade da Administração Pública:
"A idéia da subordinação à lei dos titulares de órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais pessoas colectivas públicas soa de um modo familiar ao cidadão comum. O sentido desta subordinação parece estar presente em fórmulas da linguagem corrente, tais como «o nosso governo é um governo de leis e não de homens», «ninguém está acima da lei», os «funcionários devem obedecer e executar a lei», as «leis fazem-se para se cumprirem». Estes enunciados nem sempre exprimem com rigor o significado da proeminência da lei no Estado de direito. Impõe-se, por isso, um breve aceno ao princípio da legalidade como princípio básico do Estado de direito.
Comecemos por uma advertência. Não faremos uma digressão aprofundada em torno deste princípio, limitando-nos a salientar as dimensões básicas que ainda hoje se nos afiguram importantes. Por outro lado, também aqui o princípio da legalidade já não é o que era. A lei perdeu prestígio e importância. As razões são várias. Como atrás se salientou, as leis transportaram, por vezes, elas próprias os lenhos da injustiça e do não direito. Noutros casos, as leis enredaram-se na solução de casos concretos, perdendo as dimensões mágicas da generalidade e da abstracção. Acresce que, perante as derivas do legalismo estatal, as modernas constituições reivindicam o seu carácter de lei superior, vinculativo de todos os poderes do Estado, inclusivamente dos poderes que fazem as leis. A lei perde ainda proeminência no contexto de comunidades supranacionais e de fórmulas de organização jurídica assentes no princípio da auto-regulação. Numa palavra: a lei deixou de ser o princípio e o fim da ordem jurídica. Sendo assim, pergunta-se: terá sentido hoje falar do princípio da legalidade como um princípio básico do Estado de direito? A resposta é inequivocamente afirmativa. Vejamos porquê.
A lei ocupa ainda um lugar privilegiado na estrutura do Estado de direito porque ela permanece como expressão da vontade comunitária veiculada através de órgãos representativos dotados de legitimação democrática directa. Por outras palavras: a lei emanada dos órgãos da sociedade – os parlamentos – converte-se ela própria em esquema político revelador das propostas de conformação jurídico-política aprovadas democraticamente por assembleias representativas democráticas. Quem não entender este significado da prevalência da lei pode fazer glosas sobre o Estado de direito, mas não sabe que é um Estado de direito democrático.
A lei serve de fundamento ao exercício de outros poderes do Estado: «a administração deve obedecer à lei», «os tribunais estão sujeitos à lei». Neste sentido se afirma que o «poder vem da lei» e que não há exercício legítimo do poder público sem fundamento na lei. A refracção desta ideia no que respeita à administração do Estado e dos poderes regionais e locais consubstancia-se vulgarmente no princípio da legalidade da administração. Em termos meramente aproximativos, diz-se que toda a administração deve obedecer à lei, proibindo-se qualquer actividade «livre» ou juridicamente desvinculada. Conseqüentemente quaisquer actividades administrativas contra a lei violam o princípio da legalidade inerente a qualquer Estado de direito. Mas mais do que isso: a lei dá fundamento aos chamados poderes administrativos. Ilustremos esta ideia através do recorte de três poderes administrativos fundamentais: o poder regulamentar, o poder de polícia e o poder expropriatório. Não é qualquer autoridade que tem o poder de fazer regulamentos. Dos regulamentos urbanísticos aos regulamentos de serviço, passando pelos regulamentos de polícia, todo o poder regulamentar tem de estar baseado directamente na lei fundamental (a constituição) ou numa lei editada nos termos constitucionais. Do mesmo modo, não é qualquer órgão da administração que, a pretexto da salvaguarda da ordem e da tranqüilidade públicas, pode arrogar-se o poder de polícia. Este vem da lei que define quem tem poderes de polícia e individualiza as medidas de polícia. Finalmente, o poder de expropriar bens ou requisitar bens ou serviços perfilar-se-á como poder abusivo se não existir uma ou várias leis a regular o poder, a forma e os requisitos da expropriação ou da requisição".
9.1.2. Impessoalidade
Deve também o administrador público ser impessoal. Essa impessoalidade deve verificar-se em dois planos, em primeira e terceira pessoas.
Significa dizer que o administrador, ao cuidar da coisa pública não deve atender aos seus interesses (impessoalidade em primeira pessoa). Também não deve fazer os negócio da máquina administrativa em favor de determinadas pessoas (impessoalidade em terceira pessoa).
No dizer de Celso Antonio Bandeira de Melo, o princípio da impessoalidade "se traduz na idéia de que a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentos". Aduz ainda que "o princípio em causa não é senão o próprio princípio da isonomia".
9.1.3. Moralidade
No que respeita à improbidade administrativa o princípio da moralidade da Administração Pública tem salutar importância, vez que, como já mencionado, probidade, em última análise significa moralidade.
Grandes são as digressões acerca desse princípio, vejamos alguns pontos de vista.
É sabido que ao Judiciário é vedado imiscuir-se no mérito do ato administrativo. Ocorre que a moralidade é principio expresso na Constituição, destarte norma jurídica, cuja não observância dá ao Judiciário o poder de conhecer da questão.
Nesse sentido, o ato administrativo discricionário que viole a moralidade pode ser objeto de ação do Judiciário, desde, é claro, que provocado para tal. Assim ensina José Augusto Delgado:
"O controle da moralidade administrativa permite que o Poder Judiciário avalie e julgue o mérito do ato administrativo, com a finalidade de vedar ao administrador o abuso ou o desvio de poder, sob o estudo da discricionariedade e da não obrigação de motivar. É atividade que se identifica com a obrigação constitucional de controlar os limites da edição do ato administrativo. Este deve se apresentar para o administrado, expungido de abuso ou desvio, convergindo para a realização do interesse público. A transparência, a boa motivação, a definição clara, a coerência e a confiabilidade são requisitos indispensáveis com que devem se apresentar os atos administrativos. A não obediência a qualquer um desses requisitos submete-se ao controle da própria administração e ao Poder Judiciário. Este, utilizando-se de critérios que ostentam realidade com as necessidades dos administrados e que se apresentem razoáveis, pode corrigir qualquer fuga a tais requisitos que o agente público tenha cometido. O desempenho dessa tarefa é um poder-dever do Poder Judiciário. Exerce, em toda a sua plenitude, o controle da legalidade e da moralidade do atuar administrativo, extirpando do mérito do ato administrativo o que está o exorbitando ilegal e eticamente.
Em suma, o Judiciário tem competência constitucional, do que se extrai do atua texto da Carta Magna, especialmente do art. 37, de anular atos administrativos mesmo discricionários, desde que se apresentem viciados por terem sido fundados em objeto desconforme, impossível ou ineficiente no tocante à sua eficácia e efetividade, em relação à finalidade pública. Igual tarefa lhe é exigida quando se deparar com atos administrativos que se sustentem em motivo inexistente, insuficiente, desproporcional, incompatível ou inadequado, se comparado com o conteúdo idôneo que deve possuir para que sejam atendidos os fins que a lei elegeu para a produção dos seus efeitos".
Ubergue Ribeiro Júnior nos traz um amplo conceito do que seja moralidade administrativa:
"Por todas essas razões, entendo que moralidade administrativa é o princípio que orienta, dentro de um Estado de Direito, o agente a dirigir suas decisões administrativas de forma legítima ao interesse público, fundando-se impreterivelmente na Lei e na Ética Administrativa, esta sim, extraída dos próprios quadros da administração, sem, contudo, olvidar os valores que estendem da Moral dos homens e tornam-se comuns à Moral Universal e ao Direito Natural, como forma de reconhecer, dentro do serviço público, e como um fator cultural preponderante, o fim maior a ser perseguido de tudo o que é bom e justo".
Marçal Justen Filho nos traz a seguinte lição sobre o conteúdo jurídico do princípio da moralidade administrativa:
"O princípio da moralidade pública, como se passa com todos os demais princípios, não tem existência autônoma e desvinculada do todo da Constituição. Mas há peculiaridade que diferencia o princípio da moralidade pública frente à quase totalidade dos demais princípios jurídicos. Trata-se da referência às vivências éticas predominantes na sociedade. O princípio da moralidade pública é, por assim dizer, um princípio jurídico ‘em branco’, o que significa que seu conteúdo não se exaure em comandos concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no direito legislado. O princípio da moralidade pública contempla a determinação jurídica da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis segundo as circunstâncias de cada caso.
O princípio da moralidade pública não possui conteúdo normativo perfeito e acabado. Porém, isso não caracteriza defeito. Alias, muito pelo contrário. Como todos os princípios jurídicos, a moralidade pública se destina a disciplinar uma série indeterminada de situações, o que seria inviabilizado por uma construção fechada e exaustiva. A apuração do conteúdo jurídico do princípio da moralidade pública envolve, por isso, uma aproximação e uma dinâmica. Há um núcleo axiológico que produz desdobramentos mais ou menos indefinidos.
A essência do princípio da moralidade pública consiste na invalidade de todos os atos praticados pelo Estado incompatíveis com a interpretação ética do sistema e das normas jurídicas (constitucionais ou não). Ou seja, as normas jurídicas (especialmente aquelas de hierarquia superior) apresentam abstração e generalidade que propicia incerteza quanto a seu conteúdo. Daí deriva a famosa consideração kelseniana, no sentido de que a norma jurídica é uma moldura a ser preenchida no momento de sua aplicação. Essa pluralidade de significados potenciais da norma jurídica encontra limites no sistema jurídico. Entre nós, o sistema jurídico-constitucional incorporou o princípio jurídico da moralidade pública. Por decorrência, o aplicador do Direito está obrigado a considerar também o fator ético – a moralidade pública – ao definir a interpretação cabível para determinado dispositivo normativo. Entre diversas interpretações possíveis – ou, mais precisamente, entre diversas condutas possíveis de ser validadas frente à Constituição –, o aplicador deverá optar por aquela conforme aos princípios jurídicos (inclusive ao princípio da moralidade pública). Enfim, não se conhece, frente à CF/88, uma solução eticamente reprovável, cuja adoção se fundasse em argumentos de técnica jurídica.
O conteúdo jurídico do princípio da moralidade pública resulta da conjugação de dois conceitos básicos, que são a supremacia do interesse público e a boa-fé. A partir desse núcleo, agregam-se outras vivências consagradas eticamente".
Sergio de Andréa Ferreira faz uma correlação entre o princípio da moralidade e as questões da improbidade administrativa:
"No que toca, especificamente, aos agentes do Poder Público, destacam-se: (a) a afirmação do princípio da moralidade, a que está, segundo o art. 37, caput, submetida a Administração Pública; (b) a inserção, da moralidade administrativa, como bem jurídico tutelado através da ação popular, que nos termos do inciso LXXIII do art. 5º, cabe para anulação de ato a ela lesivo; (c) o estabelecimento da probidade na administração, de igual, como bem juridicamente, protegido, caracterizado o ato que atente contra a mesma como crime de responsabilidade do Presidente da República, no art. 85, V; (d) a cominação, no inciso V do art, 15 e no § 4º do art. 37, de sanções políticas, administrativas, civis e penais, para a prática de ‘atos de improbidade administrativa’, (e) a previsão, no art. 14, § 9º, do estabelecimento de casos e prazos de inelegibilidade, ‘a fim de proteger a probidade administrativa’ e ‘a moralidade para o exercício do mandato’; (f) a impugnabilidade, perante a Justiça Eleitoral, nos termos do disposto no § 10 do art. 14, do mesmo mandato eletivo, mediante comprovação de corrupção ou fraude; (g) a enumeração do decoro parlamentar, como valor com o qual o procedimento de Deputados e Senadores não deve, sob pena, segundo o art. 55, III, e § 1º, de perda do mandato, ser incompatível, incompatibilidade essa identificada em casos definidos no Regimento Interno Parlamentar, no abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional; ou na percepção de vantagens indevidas.".
Para Caio Tácito a moralidade administrativa "tem como diretrizes o dever de boa administração, a preservação dos bons costumes e a noção de eqüidade no confronto entre o interesse público e o dos administrados".
José Guilherme Giacomuzzi ensina que "a moralidade administrativa veiculada pelo art. 37. significa principalmente, pois, a boa-fé, ou a proteção da confiança, no Direito Público".
Luiz Manoel Gomes Junior traça os parâmetros do princípio da moralidade:
"Pelo Princípio da Moralidade Administrativa, deve o administrador guiar-se pela noção de moral, buscando na finalidade do ato administrativo o interesse público, de modo que o seu agir seja sempre guiado pelos parâmetros legais, almejando um resultado o mais satisfatório possível para a coletividade. Toda vez que tal finalidade – interesse público – não estiver sendo objetivada, não se pode ter como respeitado o Princípio da Moralidade Administrativa".
Não é de hoje que a preocupação com o dever de honestidade permeia o universo jurídico. Já nos idos da década de sessenta tal preocupação se demonstrava nas palavras de Ovídio Bernardi ao salientar que: "A tutela jurídica é estabelecida (...) em prol da honestidade administrativa, e ainda da lícita aplicação dos dinheiros do povo".
Poder-se-ia divagar por centenas de páginas acerca do princípio da moralidade administrativa, todavia, para que não nos estendamos demasiadamente, cabe apenas ratificar que ao administrador público impõe-se o dever de atuar dentro dos parâmetros da mais alta moralidade entendida esta dentro do conceito mais popular, vale dizer, administrando a res publica como se sua fosse.
9.1.4. Publicidade
Mais que um princípio da Administração Pública, a publicidade é um dever que se impõe a todos aqueles que atuam no Poder Público, na medida em que se faz mister o conhecimento dos atos administrativos por parte dos administrados, estes, em última análise, proprietários do patrimônio administrado.
Seria uma utopia, mas nem deveria ser um dever imposto aos administradores, vez que, aquele que administra com presteza se orgulha do bom trabalho que faz, de maneira que se sentiria honrado em que todos soubessem do bom trabalho que desempenha.
Mas infelizmente assim não o é. Ao contrário, a publicidade no direito administrativo se apresenta como mais uma das medidas com as quais se busca uma aferição da atuação do administrador para que não pratique atos atentatórios contra o interesse público.
No dizer de Hely Lopes Meireles "Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos internos". Ressalta-se que tal obrigação não pode ser revertida para fins de promoção do agente público, como continua a ensinar Hely Lopes Meireles: "Como já mencionado, sob pena de lesar os princípios da finalidade e da moralidade, a publicidade não poderá caracterizar a promoção do agente público (CF, art. 37, § 1º)".
9.1.5. Eficiência
O princípio da eficiência foi o último a figurar dentre os princípios informadores da Administração Pública, constantes do caput do art. 37. da Constituição, passando a integrar o texto constitucional através da Emenda Constitucional n.º 19 de 4 de abril de 1998.
Uma das mais importantes conseqüências da inclusão desse princípio foi a possibilidade de dispensa do servidor que negar-lhe observância, na medida em que anteriormente à sua existência, uma vez estável, não poderia ser dispensado a não ser que violasse um dever funcional.
Isso, com o passar dos anos trouxe um péssimo estigma para o funcionalismo público, que passou a ser sinônimo de ineficiência e má vontade no atendimento do público, pois tais vícios não ensejavam dispensa.
Com a inclusão do princípio da eficiência no texto constitucional duas conseqüências operaram de imediato na Administração Pública.
Primeiro a possibilidade de o servidor estável ser dispensado quando não observar o dever de eficiência, ainda que não incorra em falta cominável com tal sanção consoante os ditames do estatuto que reja sua função.
Ademais, criou-se mais um requisito para a aquisição da estabilidade, qual seja, o dever de eficiência durante o estágio probatório, aferível através de um parecer de comissão própria para tal finalidade. Essa comissão analisará o tempo de serviço do funcionário, que poderá não adquirir a estabilidade em caso de parecer negativo podendo então ser dispensado.
Paulo Modesto nos traz o seguinte conceito do que seja o princípio da eficiência na Administração Pública, ressaltando que não só os agentes públicos estão sujeitos à sua eficácia:
"Diante do que vem de ser dito, pode-se definir o princípio da eficiência como a exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhe fazem, as vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público".
Interessantes são os comentários feitos por Joel de Menezes Niebuhr acerca do princípio da eficiência na Administração Pública, os quais passamos a transcrever:
"A eficiência é uma exigência social intrínseca a tudo o que se faça ou se pretenda fazer. A própria idéia de boa-fé refuta a construção ou a prática de atos concebidos para serem ineficientes.
E assim o é com referência à atividade administrativa. Como visto, a razão de sua existência é a efetivação do bem comum, respaldando o interesse público. Não se erigiu todo o complexo arcabouço administrativo, com os vultosos ônus que lhe são inerentes, por efeito de capricho político ou para agasalhar vaidades pessoais.
O que há de se frisar, e este constitui o papel fundamental do princípio da eficiência, é o caráter instrumental da Administração Pública. Ela não é um fim em si mesmo. Toda a sua ação é voltada e imprescindível à realização dos valores sociais que traduzem o bem comum, prestando serviços vinculados ao interesse público.
O aparato administrativo foi criado como instrumento da coletividade e, para esse propósito, há de ser eficiente. É inaceitável que interesses corporativos se sobreponham ao interesse público. A Administração deve procurar excelência no interesse da Sociedade, que é a sua cliente-mor.
Hely Lopes Meirelles, em atenção à eficiência, ‘exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional’. Por isso, Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que o princípio ‘impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabe ao Estado alcançar’.
Se a eficiência impõe que se produzam os fins esperados da atividade administrativa, impõe, como corolário, também a criação de meios para obtê-los. Aí reside a grande discussão concernente ao princípio. De nada adianta dizer que a Administração deve cumprir suas finalidades, constituindo-se em instrumento da Sociedade para lograr o bem comum, mas manter-se uma série de obstáculos ao seu bom desempenho. Objetivando alcançar a eficiência, inarredavelmente deve haver o aporte instrumental que propicie ao administrador exercer sua função de forma rápida e com mérito.
Ademais, a demanda é agrava com a complexidade social contemporânea. São novos atores, novas tecnologias e novos conflitos de interesses que se erguem dia-a-dia em face da Administração. Para ser eficiente, portanto, é forçoso estar em interrupto processo de aperfeiçoamento, renovando-se e atuando com agilidade.
Em virtude disso, à primeira vista, dessume-se que o princípio da eficiência exige da Administração Pública o abandono de garantias conferidas e conquistadas pelos entes privados e de formalidades delas decorrentes, que regem o manejo da coisa pública. O argumento é que elas (garantias e formalidades) vinculam a atividade administrativa de tal forma, que torna impossível ou inviável obter os resultados práticos que lhes são esperados.
É claro que, com isso, há tendência a flexibilizar as normas administrativas, alargando o espectro da discricionariedade de seus agentes. Maximizam-se as prerrogativas da Administração, com o propósito de satisfazer os reclames da coletividade.
No entanto, como acima delineado, os princípios não podem ser aplicados de maneira isolada e incontrastável. Sempre é necessário ponderá-los, tomando-os em conjunto mediante a razoabilidade. E esse método, antes de tudo, deve visualizá-los dentro das peculiaridades do ramo científico em que se enxertam.
Desta sorte, percebendo a eficiência na dimensão administrativa, transparece que, junto à produção de resultados práticos, deve a Administração tratar todas as pessoas com eqüidade. Eis a própria garantia decorrente da indisponibilidade do interesse público, o que denota variada gama de princípios, como, verbi gratia, a isonomia, a legalidade, a moralidade e tantos outros.
Em conseqüência, no altiplano da dimensão jurídica, deve a eficiência, na qualidade de princípio, ser ponderada em face de todos os seus pares, cujo conteúdo, salienta-se, expressa a eqüilidade.
E essa ponderação tão-só será razoável se repelir a sobreposição de um princípio a outro. Em todas as hipóteses, o agente jurídico-administrativo deve equilibrar o conteúdo intelectivo e axiológico da eficiência e das proposições decorrentes da eqüilidade, para que, unidas, forneçam a resposta adequada aos anseios do interesse público. Esta conjunção não é contraditória e revela a pluralidade de valores que legitimam a Administração Pública.
A verdadeira razão (princípio da razoabilidade) por meio da qual se deve pautar o agente jurídico-administrativo é aferida pela proporção (princípio da proporcionalidade) entre esses dois pólos. Ou seja, em tributo à eficiência, não se autoriza o desrespeito às garantias privadas e o desprezo às formalidades. No mesmo plano, por obséquio à isonomia, à legalidade e à moralidade, não se justificam formalismos despiciendos, que não guardem correlação lógica com o objetivo do ato a ser praticado.
Inserido nesse contexto, o princípio da eficiência só pode ser conhecido em relação a todos os outros princípios imprescindíveis à configuração do interesse público. Ambos se limitam reciprocamente, ensejando moderação na administração daquilo que a todos pertence.
Exigem-se resultados, mas que eles se façam acompanhar de uma conduta imparcial, que trate todos os entes privados com igualdade, que obedeça à lei e aos ditames da moral. Na hipótese contrária, a eficiência, em termos práticos, daria azo ao autoritarismo e à corrupção, atirando às calendas o bem comum.
A percepção isolada e absoluta do princípio da eficiência é extremamente perigosa. Precisa-se reconhecer a variedade de discursos que espraiam pelo debate político e jurídico, cuja remissão à eficiência não passa de um recurso a flexibilizar e enfraquecer o regime jurídico-administrativo".
Rosimeire Ventura Leite nos traz uma boa idéia dos fundamentos do princípio em cotejo:
"A questão da eficiência parte da idéia de que há uma relação jurídica entre o Estado e os indivíduos, gerando direitos e obrigações recíprocas, de modo que à Administração cabe o cumprimento de seus deveres da forma mais eficiente possível, afim de atender aos interesses da sociedade e, em última análise, aos fins que justificam a existência do Estado, enquanto modalidade específica de organização social".
Em síntese pode-se dizer que o princípio da eficiência é aquele segundo o qual o Poder Público tem a obrigação de prestar com máxima eficiência os serviços para os quais foi criado.
Dessa maneira, não o fazendo estaremos diante de um ato de improbidade administrativa, é certo que somente em havendo outras peculiaridades como vontade em não ser eficiente, o que será tratado em momento oportuno.
9.2. Princípios constitucionais implícitos
A par dos princípios constantes no caput do art. 37. da Constituição encontram-se os chamados princípios constitucionais implícitos da Administração Pública.
Se disséssemos que são criação doutrinária estaríamos negando-lhes sua anterior vigência, pelo que podemos dizer que foram elucidados pela doutrina ao estudar as regras constitucionais da Administração Pública como um todo.
9.3. Supremacia do interesse público
Eis um princípio de salutar importância. Em todos os atos do administrador público deverá ser buscado o interesse público.
O Estado não é um fim e si mesmo, mas um instrumento para a consecução do bem estar social. Nesse sentido, no momento em que o administrador público retirar do seu norte de atuação o interesse público ele estará indo contra a finalidade para a qual o Estado é concebido.
Ademais, consoante o princípio da supremacia do interesse público haverá situações em que, princípios serão mitigados em face do interesse público.
Exemplo claro é a possibilidade de o direito à propriedade, consagrado pelo art. 5º, XXII, ser tolhido mediante interesse público, o que se verifica nos casos de desapropriação.
De tal entendimento é paritário José Carlos Delgado, cuja lição transcrevemos:
"A sua substância está na visão de que há de sempre preponderar o interesse público. Toda ação do agente público há de se voltar para a assegurar a ordem pública. Esta deve ser o principal fator de segurança das instituições, mesmo que o Estado tenha, para assegurá-la, de intervir na propriedade privada". (grifo nosso).
Em síntese o princípio da supremacia do interesse público determina: toda vez que a Administração Pública estiver atuando nenhum interesse deverá se sobrepor ao bem social.
9.4. Finalidade
Basicamente pode-se dizer que o princípio da finalidade é aquele segundo o qual o administrador tem o dever de conduzir a máquina administrativa para que atinja o fim determinado em lei.
Daí dizer-se que quando o administrador desvia da finalidade ele foge da legalidade.
Salutar e sempre tranqüila é a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, cujo trecho transcrevemos:
"Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais do que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí porque os atos incursos neste vício – denominado ‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’ – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei".
No mesmo sentido entende Adílson Abreu Dallari, que assim ensina:
"Toda atividade administrativa tem caráter instrumental. O administrador público nunca age gratuitamente, mas, sim, sempre em função de um objetivo, qualificado pela lei como de interesse público, que deve ser atingido. O fim, e não a vontade, impulsiona a atividade administrativa pública.
Não basta, portanto, demonstrar o fiel cumprimento da lei, no sentido da correção meramente formal do ato praticado. É imperioso demonstrar a aptidão do ato praticado para a realização concreta do valor contido no mandamento legal.
Quando a autoridade age de maneira aparentemente lícita, exercendo uma competência da qual efetivamente é titular, mas para atingir finalidade diversa daquela apontada pelo sistema normativo, ocorre o que se denomina abuso ou desvio de poder.
Tais figuras são as formas mais graves de ilegalidade, dado que, além da violação da lei (que poderia decorrer de simples erro de interpretação do texto), existe o embuste, o disfarce, o ânimo de burla, o propósito de cometer fraude".
Por derradeiro pode-se afirmar que a importância do princípio da finalidade está no fato de que é este o princípio segundo o qual administrador tem de fazer com que o Estado desempenhe o fim para o qual foi criado, qual seja, o bem estar social.
E isto se atrela à legalidade pelo fato de que é através da lei que o povo determina o que lhe é melhor.
9.5. Razoabilidade
É um princípio de extrema importância dada a discricionariedade conferida ao administrador público.
Quando o agente público tem uma margem de decisão deve sempre pautar suas decisões segundo os critérios da razão. Não se trata de qualquer razão, ou de uma razão que se demonstre demasiadamente subjetiva, mas aquele conceito comum do que é racional e razoável.
É certo que o Judiciário não está dentro da máquina administrativa, de modo que nem sempre poderá saber o que é razoável e racional para o caso concreto.
Todavia haverá casos de tão patente inobservância do princípio da razoabilidade que poderá o ato ser invalidado com base no princípio sem se estar adentrando no mérito do ato administrativo.
Sábias são as palavras de Afonso Rodrigues Queiró, citadas por Celso Antônio Bandeira de Melo em lição cujo trecho transcrevemos:
"Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese. Ainda aqui cabe tirar dos magistrais escritos do mestre português Afonso Rodrigues Queiro a seguinte lição: ‘O fato de não se poder saber que uma coisa é não significa que não se possa saber o que ela não é’. Examinando o tema da discrição administrativa, o insigne administrativista observou que há casos em que ‘só se pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas não o que ele compreenda’".
9.6. Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade impõe ao agente público que sua decisão seja proporcional ao fato ensejador da mesma.
Hely Lopes Meireles, ao traçar um paralelo com o princípio da razoabilidade assevera:
"A Lei 9.784/99 também prevê os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, determina nos processos administrativos a observância do critério de ‘adequação entre os meios e fins’, cerne da razoabilidade, e veda a ‘imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público’, traduzindo aí o núcleo da noção de proporcionalidade (cf. art. 2º, parágrafo único, VI)".
9.7. Motivação
Consoante o princípio da motivação, todo e qualquer ato administrativo deverá ser motivado, sob pena de nulidade, e, por tratar-se de desrespeito a princípio da Administração Pública, caracterizar-se ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11. da lei 8.429/92.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro traz sintética lição sobre o princípio da motivação:
"O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os discricionários, ou se estavam presentes em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos".
Os atos administrativos devem sempre ser motivados. Tal assertiva que se consubstancia em um princípio não é nada mais do que esperado daquele que administra a máquina (Estado) concebida com a finalidade precípua do bem comum.
Nesse sentido, sempre que se tome uma decisão há a necessidade de que seja motivado, motivação esta com base no bem estar social.