Lavagem de dinheiro e o crime organizado (organizações criminosas): qual a relação?

22/11/2016 às 08:41
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A Lei nº 12.694/2012 estabeleceu a definição de organização criminosa que “dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; e dá outras providências". Vejamos como o crime organizado funciona e as principais formas de combatê-lo.

Segundo a lição de Pitombo, “crime organizado e lavagem de dinheiro mostram-se temas tão interligados que parece impossível escrever sobre um, sem analisar o outro”.

Na expansão das organizações criminosas, encontra lugar certo a lavagem de dinheiro, seja para esconder o lucro proveniente das infrações penais, seja para reintegrá-lo, com aparência de lícito, a algum sistema produtivo e empresarial.

A Lei nº 12.694/2012 estabeleceu a definição de organização criminosa que “dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; altera o Decreto-Lei nº 2.848/40 - Código Penal, o Decreto-Lei nº 3.689/1 – Código de Processo Penal, e as Leis nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, e 10.826/03; e dá outras providências”. Estabeleceu, no seu artigo 2º, uma definição legal:

Art. 2º da Lei 12.694/2012. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

O conceito de organização criminosa não se confunde com a tipificação legal do crime de bando ou quadrilha, por demais simplificada: Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para fim de cometer crimes (artigo 288 do Código Penal Brasileiro).

Apesar de também exigir a pluralidade de agentes, estabilidade e permanência na associação, considerado como requisitos para configurar o crime de quadrilha, uma organização criminosa possui outras características que a qualifica como tal.

Dessa forma, o juízo de valor referente ao elemento normativo "organização criminosa" não deve ser formado exclusivamente com base no tipo penal do artigo 288 do Código Penal Brasileiro.

Entretanto, o assunto restou superado com o ingresso no ordenamento jurídico pátrio o Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Mencionada norma promulgou a Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional), que traz em seu artigo 2º o conceito de organização criminosa. Desse modo, além das definições elaboradas pela jurisprudência e doutrina pátria, a partir de 2004 o Brasil conta com um conceito legal de organização criminosa.

A Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) conceitua “grupo criminoso organizado” como:

a) Grupo criminoso organizado: grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

Para Maia, as empresas criminosas evoluíram na busca dos ilícitos mais rentáveis economicamente. No início atuavam prioritariamente nas atividades de extorsão (venda de proteção) e nos crimes “sem vítimas” (e.g., os empréstimos usurários, a prostituição, o fornecimento de bebidas ilegais e os jogos de azar).

Contudo, enfatiza Maia, que com o passar do tempo as organizações criminosas, assumiram a opção preferencial pelos lucrativos tráficos de armas e de entorpecentes; pela pornografia, inclusive infantil; pelo controle dos sindicatos para incremento das extorsões; pela corrupção de funcionários públicos e associação a agentes políticos, para consecução de garantias de tranquilidade de suas operações, inclusive financiando campanhas eleitorais e apresentando seus próprios candidatos.

Modernamente as organizações criminosas, destacam-se pela administração e aquisição de negócios lícitos como forma de investir os ganhos ilícitos, otimizando-os, e, sobretudo, tornando-os “limpos”, inclusive como estratégia para a prática de ilícitos mais sofisticados, tais como os crimes contra a economia popular, o sistema financeiro e a ordem tributária, tradicionalmente cometidos por criminosos de “colarinhos brancos”. (SANTOS, 2005).

As organizações criminosas apresentam características que as diferenciam da criminalidade comum, conforme ensina Getúlio Berreza, no qual apresenta como principal característica o planejamento, que tem como objetivo minimizar os custos e os riscos, aumentando o lucro.

Outra e importante característica enfatizada por Getúlio Bezerra para diferenciar da criminalidade comum é a hierarquia, ou seja, uma cadeia de comando, no qual enseja uma característica indispensável que é a pluralidade de agentes, conforme estabelece o artigo 1º da Lei 9.034/95 e o artigo 288 do Código Penal Brasileiro.

A associação de pessoas deve ter por objetivo a prática de atividades ilegais, portanto antijurídicas. Compreende ainda a divisão do trabalho nas organizações delituosas, combinando-se a centralização do controle com a descentralização das ações. As organizações criminosas incorporam e substituem imediatamente seus integrantes nas várias camadas de estruturação, sem que perca o comando, as características de estabilidade e permanência. Na questão da disciplina, a lealdade e o cumprimento de regras são impostas por códigos próprios, portanto, cada organização criminosa tem um meio próprio de disciplina e comando.

Uma característica legal, confirmada pela jurisprudência é a estabilidade ou permanência do vínculo associativo, no qual torna-se um elemento essencial à tipificação jurídica.

Atualmente, é uma das características mais conhecidas na sociedade, qual seja, o controle territorial que diz respeito ao controle de atividades criminosas em determinadas regiões ou área, respeitando os limites estabelecidos para cada organização. Contudo a diversificação de áreas é uma tendência, verificada em diversas organizações, para garantir retorno financeiro em várias atividades, quer lícitas ou ilícitas, até como uma maneira de proteger o capital aplicado.

E por fim e lógico, a última característica das organizações criminosas é o fim lucrativo, é o objetivo do lucro, ou na expectativa de auferi-lo, que se resume a principal característica do crime organizado. O fim lucrativo é o suporte básico motivacional, o combustível, a mola propulsora de toda organização criminosa, daí a competição ou a disputa violenta entre as organizações, na busca do controle de mercados.

Portanto, um dos pontos mais característicos do crime organizado é a acumulação de poder econômico dos seus integrantes, pois geralmente as organizações atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhe possibilita auferir extraordinários lucros.

Do poder de corrupção é que decorre a acumulação de riquezas gerando a necessidade de legalizar o lucro obtido ilicitamente, dando vazão às mais variadas formas de lavagem de dinheiro, para que possa, licitamente, retornar ao mercado financeiro. Esse é o ponto mais vulnerável da organização, porque os mecanismos de reciclagem utilizados são os mais perceptíveis pelas autoridades que visam combatê-las.

A partir dessas características, Getúlio Bezerra Santos afirmar que:

A expressão “crime organizado” tem adequado emprego para definir a modalidade de organização criminosa que, atuando de forma transnacional, estrutura-se empresarialmente para a exploração de uma atividade ilícita, impulsionada por uma demanda de mercado e utilizando-se de modernos meios tecnológicos, em práticas mercantis usuais, muitas vezes contando com a conivência dos órgãos responsáveis por sua repressão.

Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini ordenam as características das organizações criminosas como sendo: estabilidade e permanência; previsão de acumulação de riqueza indevida; hierarquia estrutural; uso de meios tecnológicos sofisticados; recrutamento de pessoas e divisão funcional das atividades; simbiose com o poder público; clientelismo; divisão territorial das atividades; alto poder de intimidação, capacidade efetiva para a fraude difusa e conexão com outra organização criminosa.

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Sobre o crime organizado, causa maior da existência do fenômeno da lavagem de dinheiro, é consensual seu crescimento e sua sofisticação organizacional e tecnológica. Sobre este fato, assim se manifestaram os autores já citados:

Sem dúvida, a questão da criminalidade organizada atingiu tal grau de complexidade estrutural, material e de penetração político-social que os procedimentos preventivos e repressivos, tidos no passado como eficientes, se tornaram absolutamente ultrapassados. Houve uma alteração substancial na quantidade e na qualidade dos crimes e, por conseguinte, impressionante aumento dos ganhos ilícitos pelas organizações criminosas. Investigações da política e estudos do Ministério Público revelam que uma das características marcantes das organizações criminosas consiste na sua estrutura organizacional estável, operando em geral e forma sistemática, com divisão de tarefas que visam obtenção de vantagens econômicas, políticas e sociais, mediante a utilização de métodos que mesclam a sequência de atos cobertos sucessivamente por ilicitude e licitude.

Geralmente apoiadas em suporte tecnológico avançadíssimo e com gestão similar às grandes empresas idôneas, pode-se dizer que, do ponto de vista estrutural, é comum as organizações criminosas apresentarem as seguintes características: a) estrutura hierárquico-piramidal, estabelecida no mínimo em três níveis, com a presença de um chefe, sub-chefe/conselheiro, gerentes e partícipes de outros escalões subalternos; b) divisão de tarefas entre os membros da organização, como decorrência da diversificação de atividades; c) restrição dos componentes apenas a pessoas de absoluta confiança, para melhor controlar a atuação individual; d) envolvimento de agentes públicos; e) busca constante de lucro e poder; f) “lavagem” do capital obtido ilicitamente.” (BARROS, op.cit, p. 35).

As organizações criminosas operam, portanto, sobre o eixo dinheiro-poder. O dinheiro gera o poder e vice-versa, o poder gera dinheiro. O dinheiro mantém e motiva a prática dos crimes e mantém ativas as organizações criminosas de forma que os seus chefes fazem tudo para esconder e proteger o dinheiro, produto dos ilícitos. Assim, pode-se concluir que toda organização criminosa precisa e pratica a lavagem de dinheiro.

São inúmeras as organizações criminosas que existem atualmente. Cada uma com características próprias e peculiares, amoldadas às próprias necessidades e facilidades que encontram no âmbito territorial em que atuam. Condições políticas, policiais, territoriais, econômicas, sociais etc. influem decisivamente para o delineamento dessas características, com saliência para umas ou outras, sempre na conformidade das atuações que possam tornar mais viável a operacionalização dos crimes planejados e com o objetivo de obter maiores fontes de rendas.

É incontestável o fato de que o verdadeiro e eficaz meio de combate às organizações criminosas dar-se-á principalmente através do combate e confisco do dinheiro e dos bens que possuem, bem como, conjuntamente e de forma sincronizada e com celeridade, através de processos criminais contra os seus membros. Todos esses meios são importantes para o combate do crime organizado, mas o confisco é o mais significativo dos meios, pois afeta diretamente as estruturas da organização, portanto, atenuando a atividade criminosa. Contudo, os membros dessas organizações podem ser substituídos, entretanto, a obtenção de recursos para manter o ciclo criminoso ficará mais lenta.


Referências

PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 1.

Art. 2º da Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012.

Art. 288 do Decreto‑Lei No 2.848, de 07 de dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro.

BOTTINI, BADARÓ. Pierpaolo Cruz, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/98, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Art. 2º, a; Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.

MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: anotações às disposições criminais da Lei 9.613/98. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1999, p. 25.

SANTOS, Getúlio Bezerra. Apostila sobre Crime Organizado. Brasília/DF: Academia Nacional de Polícia - ANP/DPF, 2005, p. 13-14.

SANTOS, Getúlio Bezerra. Apostila sobre Crime Organizado. Brasília/DF: Academia Nacional de Polícia - ANP/DPF, 2005, p. 13-14.

GOMES, Luiz Flávio e CERVINI, Raúl. Crime Organizado. 2ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Comentários da obra de Angiolo Pellegrini e Paulo da Costa Jr. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica brasileira, 1999.

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Sobre o autor
Felipe Reis de O. Cordeiro

Formado em Bacharelado em Direito pela Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP-Devry). Advogado devidamente inscrito na Ordem do Advogados do Brasil – Seção de Pernambuco. Pós-graduado em Processo Civil pela ESA/OAB-PE. Com escritório profissional no município de São Bento do Una - Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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