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Danos morais entre cônjuges

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01/11/2000 às 00:00
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CAPITULO IV

O interesse de agir na propositura da ação de indenização por

danos morais.

O interesse de agir surge da necessidade de se obter do órgão jurisdicional a intervenção para a proteção do interesse substancial, não deixando que a parte sofra o prejuízo. Enfeixa-se o interesse processual não só na necessidade, mas também na utilidade do processo representando a cura fornecida pelo direito objetivo a ser aplicado ao caso concreto. A necessidade nos leva a buscar uma solução judicial, onde, caso não fizermos, estaremos sujeitos a não ver satisfeita nossa pretensão (o direito que afirmamos ter). O que autoriza o exercício do direito de ação é o dano ou o perigo de dano jurídico.

A um só tempo o interesse processual deverá traduzir em relações de necessidade e de adequação do pedido postulado, perante o conflito de direito material trazido à solução judicial. Se a parte estiver na iminência de sofrer um dano em seu interesse, não poderemos dizer que ela tenha o interesse processual, se seu pedido não tenha utilidade juridicamente para evitar a lesão. O pedido levado ao juiz deve sempre ser formulado adequadamente à satisfação do interesse e não sendo incerto. Faltará o interesse em uma situação sempre que for inútil a provocação do Estado se esta em tese não puder ser corrigida na inicial.

1 - O dano moral entre cônjuges no tocante artigo 5º da Lei 6515/77.

Na observância do caput do artigo 5º da Lei 6515/77 dispõe, in verbis: Art. 5º "A separação Judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro, conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum".

A questão que discutiremos agora neste trabalho é saber se todos os preceitos que servem de pedido para a separação judicial são geradores de danos morais e suscetíveis de indenização de um cônjuge a outro demonstrando o interesse em agir? Para respondermos esta questão primeiramente analisaremos cada um dos preceitos descritos no artigo que serão divididos doravante em dois subitens; conduta desonrosa e grave violação dos deveres do casamento.

2 – Conduta desonrosa e sua conseqüência indenizatória com análise do direito estrangeiro.

Segundo o advogado Euvaldo Chalib, "tudo que ofenda a honra e o decoro do cônjuge constitui conduta desonrosa e que pode tornar a vida em comum insuportável" (EUVALDO CHALIB, Conduta desonrosa na Lei do Divórcio, RT, 545:248.). Tomando por base, os argumentos de Euvaldo Chalib, teremos várias hipóteses da ocorrência da conduta desonrosa. Sendo assim, e ao contrário do adultério, não seria necessária a existência de relações sexuais entre o cônjuge culpado e um terceiro, bastaria assim, por exemplo, que este fosse flagrado beijando uma terceira pessoa.

Poderíamos observar também outros casos de conduta desonrosa, como maus tratos ao cônjuge que na maioria são em face às mulheres dentro do ambiente doméstico. Segundo uma pesquisa divulgada na Revista Época (12) em 13 de março de 2000:

O ambiente doméstico, continua sendo o cenário preferido pelos agressores - 65% dos casos acontecem entre parentes e têm como vítimas preferenciais meninas, mães, esposas, namoradas. As lesões corporais são campeãs no registro policial (26%), seguidas das ameaças (16%). O percentual restante divide-se numa lista variada de brutalidades: estupro ao cárcere privado, passando (...) (grifo nosso)

Em Porto Rico foi criada em 15 de agosto de 1.989 a Lei 54, Lei para a prevenção e intervenção na violência doméstica, que visa a proteção da família de forma a evitar os conflitos domésticos e a punição do agressor; vejamos sua fundamentação abaixo com uma pequena parte o retirado do texto original: Exposição dos Motivos.

A violência doméstica é um comportamento anti-social que constitui um serio problema para a família porto-riquenha. Trata-se do mal físico e emocional que sofre uma pessoa nas mãos de seu cônjuge ou ex-cônjuge, ou nas mãos de uma pessoa com quem sustenta uma relação íntima. Apesar de que tanto os homens como as mulheres podem ser vítimas do maltrato conjugal, os estudiosos demonstram que as mulheres são normalmente as vítimas da conduta agressiva e violenta que denominemos maltrato conjugal (13).

Tal lei tem o caráter de proteger, não só a vítima de danos físicos ou morais dentro da relação conjugal, mas também o de proteger a família na figura dos filhos, para que não cresçam em meio a brutalidades e ofensas cotidianas em seus lares. Contudo tem o caráter de punir o agressor.

Outro fator que também carece de observação no que tange a conduta desonrosa seria o fato de um cônjuge por meio de força agredir sexualmente a mulher obrigando-a a pratica de atos libidinosos ou ainda ameaça-la obrigando-a a ter relações sexuais, o que por vezes seria caracterizado como estupro. A doutrina brasileira fala sobre o estupro por parte do marido em face à esposa quando este obriga a mesma à conjunção carnal forçada.

Também a Lei 54 de Porto Rico nos traz em seu artigo 3.5 a caracterização

destes fatos e a punição para os mesmos senão vejamos: Artigo 3.5 – Agressão Sexual Conjugal:

Será imposta pena de reclusão segundo se dispõe mais adiante a toda pessoa que incorra em uma relação sexual não consentida com seu cônjuge ou ex-cônjuge, o com a pessoa com quem coabite ou tenha coabitado, ou com quem sustente ou tenha sustentado uma relação consensual ou a pessoa com quem tenha procriado filho ou filha, em qualquer uma das circunstancias seguintes

Se tenha compelido manter uma conduta sexual mediante emprego de força, violência, intimidação ou ameaça de grave e imediato dano corporal;

Se tiver anulado o diminuído substancialmente, sem seu consentimento sua capacidade de resistência através de meios hipnóticos, narcóticos, deprimentes ou estimulantes ou substancias ou meios similares;

Como podemos observar na legislação porto-riquenha a punição é severa aquele cidadão que venha a manter relações sexuais não consentidas, seja com seu cônjuge ou não. Agrava-se portanto a pena com a diminuição ou neutralização da resistência da vítima, não podendo a mesma repelir a agressão.

Menciona Christiano Almeida do Valle (15) que no direito alemão dispõe o Código civil no parágrafo 847:

No caso de lesão do corpo ou da saúde, assim como no caso de privação da liberdade, pode o lesado, também por causa do dano que não é patrimonial, exigir uma eqüitativa satisfação em dinheiro. A pretensão não é transmissível para os herdeiros, a não ser que tenha sido reconhecida por contrato ou que tenha tornado litispendente.

Observando este parágrafo da legislação civil alemã, verificamos que não somente o dano patrimonial é indenizável; deixando implícito que pode se buscar a tutela do Estado para a obtenção de outro tipo de reparação civil, ou seja, a reparação por dano moral. Não herda-se, a pretensão para a obtenção da indenização ficando esta exclusivamente a cargo do ofendido.

Na França, com base na regra geral do artigo 1382, admitia mesmo antes da existência da lei específica a reparação de danos morais, "vinculados à separação de cônjuges, em conseqüência dos fatos que deram origem à dissolução da sociedade conjugal". Jean Carbonnier (16) explica o ressarcimento por danos morais adotado em seu país:

Os fatos constitutivos de causa de divórcio (maus tratos, injurias e também o adultério) podem causar um prejuízo material ou moral ao cônjuge inocente que tem direito a exigir a reparação e amparo do artigo 1.382. Pode ocorrer que a dissolução do matrimônio seja em si mesma, uma fonte de prejuízos. Como temos visto na pensão alimentícia do artigo 301, parágrafo 1º., no que tange a ressarcir no aspecto concernente a uma lesão causada pelo desaparecimento do dever de auxílio. Também se pode imaginar outros danos e assim reconhece a Lei de 1941, que ante ao o artigo 301 no segundo parágrafo, segundo no qual o cônjuge inocente tem direito ao ressarcimento pelo prejuízo material (não reparado mediante a pensão alimentícia) o mal causado pela dissolução do matrimônio. A lei tem o pressuposto de combater o divórcio mediante uma sanção moralizadora

Vimos acima que a Lei francesa ampara o cônjuge inocente quando do sofrimento moral causado pelo divórcio em virtude do adultério, maus tratos e injurias. Naquele país a pensão alimentícia é descartada como sendo um fator de indenização para o cônjuge inocente, tendo em vista que esta não tem nada a ver com a moral do inocente.

José de Castro Bigi (17) comenta ter observado o seguinte argumento do jurista Yussef Said Cahali em seu livro Divórcio e Separação nota de rodapé nº 76, senão vejamos:

"Discretamente nosso direito partilha do entendimento de que basta a imposição do encargo alimentar em favor do inocente, ou da manutenção do dever de assistência em favor do não responsável pela separação judicial, como forma suficiente de ressarcimento do prejuízo sofrido com a dissolução da sociedade conjugal.

O argumento do jurista Yussef Said Cahali choca-se com a legislação francesa demonstrada anteriormente. Contudo nossa posição é que em nosso país deveria ser observada a forma da legislação francesa, no intuito de ser mais justa e coerente no que tange à indenização por danos morais.

Em Portugal encontramos no avançadíssimo código Civil de 1.967, no artigo 1.742 a obrigação que terá o cônjuge único culpado do divórcio a ressarcir os danos patrimoniais causados ao outro. Interessa-nos salientar que a jurisprudência portuguesa entende que a obrigação de indenizar não opera ope legis, ou seja, simplesmente o fato de ter declarada a culpabilidade , sendo necessária para a condenação, a prova da prática pelo cônjuge culpado de fatos que se traduzam em danos concernentes a direitos ou interesses de ordem espiritual na esfera jurídica do cônjuge inocente.

3 - Grave violação dos deveres do casamento

Dentre os preceitos dos deveres do casamento, encontramos o dano

moral sendo configurado em todos os incisos do artigo 231 do Código Civil Brasileiro. E encabeçando os mesmos, no inciso primeiro, está a fidelidade recíproca; onde mais facilmente podemos caracterizar o dano moral quando infringido. Segundo recente pesquisa divulgada na capa da revista ISTOÉ em março de 2.000, 68% dos homens e 43% das mulheres brasileiras admitem ter traído. Apesar de mais tolerada entre os casais, a infidelidade ainda causa dor e separações.

A existência da dor advinda do adultério é proveniente de um ato antijurídico, pois, é infração ao dever de fidelidade do casamento descrito no artigo 231, I do Código Civil Brasileiro. Para que haja o adultério faz-se necessário que haja relação sexual de um dos cônjuges com um terceiro como vimos no capítulo II deste trabalho.

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Se em virtude do adultério alguma doença venérea onde o cônjuge inocente foi infectado e esta, por sua vez lhe trouxe os efeitos morais negativos fazendo com que o mesmo sofresse com aquele mal; o cônjuge culpado tem o dever de indeniza-lo, pois, os efeitos da doença colocam o ser humano em um estado debilitado, atingindo não só seu corpo material, mas também sua moral. Tal fato configura-se crime conforme os artigos 130 e 131 do Código Penal. Portanto, a existência do sofrimento, causada pelo cônjuge adúltero ao inocente, caracterizaria motivo suficiente para o pedido de indenização por danos morais. Tomamos a liberdade de transcrever uma pequena parte de uma recente matéria Sibelle Pedral (19) e publicada na Revista Claudia, a para ilustrar argumentação acima, vejamos:

As estatísticas do governo mostram que a AIDS está sob razoável controle no que diz respeito às relações homossexuais e bissexuais, mas cresce entre heterossexuais e atinge como nunca mulheres casadas, muitas fiéis aos maridos que as cominaram. Elas se julgaram protegidas pelo casamento. Fecharam os olhos às traições conjugais e aos riscos.(...) No mês passado , um levantamento sobre a disseminação da AIDS recém-concluído pelo Ministério da Saúde revelou que a situação se agrava entre heterossexuais. Em 1995, havia 24 homens infectados para cada mulher portadora do vírus; hoje há dois homens para cada mulher portadora do vírus. Em 229 cidades brasileiras a proporção se inverteu: há duas mulheres para cada homem soropositivo. A maioria delas foi contaminada pelos maridos, namorados ou companheiros de longa data. Homens que contraíram o vírus em relação fora do casamento. (grifo nosso)

A indignação que surge no tocante a esta matéria vem de encontro ao tamanho do sofrimento que poderíamos imaginar passar uma pessoa nesta situação. Se não bastasse, vítima de uma doença que se sabe em tempos atuais ainda não ter cura, que o tratamento que a mantêm viva é extremamente oneroso e que na sociedade brasileira persiste o preconceito aos portadores do vírus. No entanto, soma-se a esta dor, àquela de ser traída, a perda da certeza de que o casamento era sólido e de recíproca confiança, vejamos ainda mais um trecho da matéria citada:

(...)"Quem trai a mulher com outros homens sabe que faz parte de um grupo de risco e se protege mais", afirma Paulo Teixeira, coordenador do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids. "Por isso nossa preocupação é com os heterossexuais".

.....

(...) Alertar os heterossexuais é muito mais delicado. Envolve questões dolorosas, como a fidelidade dos parceiros, o que, para muitas mulheres, pode ser tão penoso quanto saber que são portadoras do vírus da Aids. A presença do HIV no organismo deixa claro que o casamento não ia tão bem quanto imaginavam. Valores como confiança e amor estremecem. "Sempre houve uma maneira hipócrita de lidar com a traição", observa a psicoterapeuta de casais Lídia Aratangy. "O marido traia e a mulher aceitava. Dizia: ‘Homem é assim mesmo’. Agora é uma questão de vida ou morte. A aids obriga os casais a ser mais honestos."

A fidelidade deixou de ser só uma obrigação moral, para ser também um ato de respeito à vida levando–se em conta os riscos oferecidos ao cônjuge quando o outro consorte submete-se ao risco de contaminação. Reiterando os argumentos já feitos por nós em virtude de todo o mal causado pelo cônjuge culpado haverá a obrigação deste em indenizar o inocente.

Quanto ao inciso segundo do artigo 231 do Código Civil, no que tange a vida em comum no domicílio conjugal; observamos que o cônjuge sofreria as conseqüências do dano moral quando seu consorte se recusasse injustificadamente a satisfação do débito conjugal já que este fato conforme RTJ. 67:449 constitui injuria grave. Outro fato à quebra deste preceito, seria o abandono do lar por tempo indeterminado, sem deixar o paradeiro, destino ou notícia àquele que foi abandonado sem justo motivo; fazendo com que este sofra com a preocupação e com o desamparo moral e ou material (RT, 407:142; Súmula 379 do STF).

O inciso terceiro trata da mútua assistência e neste ponto temos vasta exemplificação, pois se trata de um dos fundamentos do casamento. Os cuidados pessoais entre os consortes são fundamentais à relação conjugal; a prestação de auxílio moral quando recai sobre algum dos cônjuges, a amargura, tristeza ou infelicidade.

O abandono material quanto alimentação, saúde e moradia também se encontram neste inciso. O descumprimento a um ou outro tipo de assistência pode causar àquele cônjuge vítima, os reflexos do dano moral e também constitui injuria grave. Não é tarefa fácil para um pai ou uma mãe arcar sozinho com a educação, o sustento e todos os demais cuidados para com sus filhos. Portanto o artigo 231, inciso quarto descreve estes tipos de cuidados como deveres do casamento.

Contudo quando um dos cônjuges deixa a cargo do outro essa tarefa tão importante e árdua, abandonando a família e este sofre por vezes com a impossibilidade de prestar aos seus filhos o auxílio matéria, moral e intelectual com a devida atenção necessária (CP, arts 244 a 247); o cônjuge culpado tem o dever de ressarci-lo em suas preocupações, amarguras e desilusões. Temos então que todos os preceitos que servem de pedido para a separação judicial são geradores de danos morais e suscetíveis de indenização de um cônjuge a outro. Cabe ainda salientarmos, que o pedido por estas indenizações, não são só cabíveis à hora da separação judicial; mas também na vigência do casamento.

Outro fato que trazemos à discussão deste tema, e agora fora daquelas situações encontradas na Lei 6515/77, é que a nulidade ou a anulação do casamento conforme os artigos 207 a 224 do Código Civil Brasileiro, também dão ensejo ao pedido de indenização moral por parte do cônjuge inocente ou enganado em face àquele contraente de má fé e causador da nulidade. Nesta situação, temos os casos de erro essencial quanto à pessoa do outro; exemplificaremos o caso do consorte que contrai núpcias com pessoa diz ter ilibada reputação, desconhecendo a vida pregressa do mesmo, vêem a descobrir que poucos anos antes às núpcias aquele veio a cumprir pena por estupro seguido de homicídio. Tal descoberta pode tornar insuportável a vida em comum.

A ignorância de moléstia grave e transmissível também acompanharia o raciocínio demonstrado acima. O prejudicado estado de saúde ignorado pelo cônjuge inocente e não revelado a este pelo cônjuge culpado dariam ensejo a indenização por dano moral; tendo em vista à repulsa que o enganado teria pelo outro. A estes fatos encontramos a blenorragia (RT, 148:230), tuberculose (RT, 125:128) epilepsia (RT, 244:137), psicopatia (RT, 212:237), AIDS (RT, 655:394).

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Sobre o autor
Cláudio Alexandre Sena Rei

bacharel em direito em Mogi das Cruzes (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REI, Cláudio Alexandre Sena. Danos morais entre cônjuges. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/541. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Braz Cubas, como exigência parcial para obtenção do grau de bacharel em Ciências Jurídicas, sob orientação do Prof. João Francisco Gonçalves.

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