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Danos morais entre cônjuges

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01/11/2000 às 00:00
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CAPITULO V

Legitimidade para propositura da ação em face ao cônjuge.

Antes de comentarmos sobre a legitimidade para a propositura da ação de indenização por danos morais entre cônjuges, precisamos conceituar em primeiro lugar o que é direito de ação; Vicente Grecco Filho diz "O direito de ação é o direito subjetivo público de pleitear ao Poder Judiciário uma cobiça" (20)

Para Pontes de Miranda (21) exercer pretensão é exigir a prestação, propor "ação" é pedir a tutela do Estado, deduzindo-se o que se pede (pretensão, ação)". O direito de ação é dirigido contra o Estado, já a pretensão será através da atuação jurisdicional. Portanto, havendo um conflito de interesses onde cada uma das partes almeja um determinado objeto, e este não pode ser obtido através da justiça privada; a Lei outorga aos cidadãos o direito de recorrerem ao Estado para obterem uma solução a este conflito. Ainda nas palavras de Pontes de Miranda (22), o Estado cumprindo a prometida pretensão à tutela jurídica, é que exige, nas ações propostas: o réu é o obrigado da pretensão à tutela jurídica que o Estado realiza, porque prometeu aos autores a tutela.

A legitimidade das partes se encontra em dois planos o material e o processual; o primeiro trata da titularidade ativa ou passiva na relação jurídica onde há a lide e o segundo, trata da capacidade processual de estar em juízo. Segundo o jurista Celso Agrícola Barbi (23):

A legitimidade para a ação refere-se a uma determinada demanda, enquanto a legitimidade para o processo se refere a qualquer processo. Esta cabe, em geral, às pessoas naturais capazes. Assim, uma pessoa, desde que capaz, tem legitimidade para o processo, i. e., pode agir em juízo praticando atos válidos em qualquer processo. Mas essa mesma pessoa só terá legitimidade para determinada ação se for titular do direito ajuizado. Enquanto isso, um menor absolutamente incapaz tem legitimidade para a ação de alimentos contra seu pai; mas dada a incapacidade decorrente da idade, não pode praticar atos processuais válidos e, sim, não tem legitimidade para o processo.

As partes em um processo devem possuir a capacidade processual, todavia, para que a pessoa possa exercer, pessoalmente o direito de ação é preciso que tenha também a capacidade de fato, ou seja, a aptidão legal para o exercício, por si só daquele direito, aptidão essa se adquiri com a maioridade ou com a emancipação. A aptidão ao exercício do direito de ação vem a ser a capacidade processual. Não terá, portanto capacidade para o exercício, por si só dos seus direitos, os incapazes, sejam eles absoluta ou relativamente incapazes.

Partimos do ponto em que para serem partes legitimas na ação de reparação por danos morais entre cônjuges, temos a vítima no pólo ativo e o causador do dano no pólo passivo. Neste ponto, colocamos então a seguinte questão: Quem pode propor a ação por dano moral no caso em tese? A resposta seria simples: a vítima.

A capacidade processual é a capacidade para exercer, pessoalmente, o direito de ação, ou seja, para ingressar, por si só em juízo e requerer a tutela jurisdicional do Estado. A legitimidade será atribuída ao cônjuge que sofreu o prejuízo, mas se este cônjuge estiver em estado de incapacidade como e por quem será proposta a ação?

Encontramos neste momento a necessidade de suprir a incapacidade do cônjuge Todas as infrações aos preceitos do artigo 5º da Lei 6515/77 que servem de pedido para a separação judicial ao gerarem danos morais capacitam o lesado a ser parte ativa e a ingressar com a ação de reparação civil em face ao cônjuge culpado. Contudo imaginemos estas duas situações: Uma esposa que freqüentemente é agredida fisicamente e em certo dia a agressão torna-se tão grave que causa uma lesão cerebral ou lesão psíquica, onde esta fica impossibilitada de pleitear uma indenização ao marido agressor. Explica Eduardo A. Zannoni (24):

As lesões psíquicas podem importar um dano patrimonial indireto quando produzem deteriorações orgânicas que impedem ou dificultam o exercício habitual da atividade laborativa da vítima, mas em todos os casos infligem um dano não patrimonial direto ao diminuir ou afetar de qualquer modo a integridade pessoal dela. A diminuição da aptidão psíquica ou desintegração da saúde mental constitui um dano ressarcível quando provoca uma incapacidade total ou permanente para o trabalho, mas também quando o ofendido não desempenha atividade remunerada, pois isto não obsta a existência do dano.

A outra situação ocorre quando um cônjuge abandona o outro ou comete um adultério; fazendo com que o cônjuge inocente sofra os males daquele dano moral, entre eles a depressão, ficando assim com seu estado psicológico gravemente abalado. Nestas duas situações podemos encontrar por vezes a necessidade de suprimento desta legitimidade; pois em uma delas a enfermidade é permanente e na outra acreditamos ser temporária. Nas palavras de Wladimir Valler (25) encontramos os argumentos certos para esta substituição processual quando menciona que a capacidade para estar em juízo não se confunde com a capacidade para ser parte. Esta sendo um pressuposto daquela "(...) Uma pessoa capaz de ser parte pode não ter a capacidade de estar em juízo, por não estar processualmente legitimada (...)".

A pessoa encontrado-se em um estado psíquico completamente abalado, estando por prazo indeterminado, sujeita ao mal moral será classificada como relativamente ou absolutamente incapaz dependendo do tipo da lesão sofrida que trouxe o prejuízo. Dizemos então neste momento que a pessoa que sofre o dano moral conjugal a exemplo do adultério, abandono, maus tratos entre outros; poderá ser relativamente incapaz, pois cessará a incapacidade com a retomada da consciência, sanado o mal psíquico e será absolutamente incapaz aquele que em virtude da lesão neurológica traumática sofrida, sobreveio o mal permanente, déficit neurológico. Vejamos neste momento as palavras do escritor e psicólogo Alexander Lowen (26),

O sentimento de vergonha, como o de culpa, tem efeito desintegrador da personalidade. Destrói a dignidade do indivíduo e corrói seu senso de self (sic). Ser humilhado é muitas vezes mais traumático do que ser machucado fisicamente. A ferida que deixa raramente cicatriza espontaneamente na personalidade cuja remoção exige um considerável esforço terapêutico.

Podemos observar nas palavras do escritor que como foi mencionada, a lesão moral pode impedir a pessoa de estar plenamente consciente, fato este necessário para a propositura de uma ação. Encontrado-se a pessoa em um estado de incapacidade, deverá esta ser suprida para a garantia de seu direito de indenização. Será então necessário que a pessoa obtenha um curador para representá-la ao tempo em que esta estiver em recuperação ou quando a esta sobrevier o mal permanente.

Nestes casos, deverá então o magistrado nomear um curador à lide, pois se tornando ou estando a pessoa em estado de incapacidade, receberá este, poderes para representação da mesma na propositura da ação de indenização por danos morais. A doutrina fala neste caso que será atribuído ao incapaz o curador à lide caso este não possua representante legal como os pais, tutores ou curadores. Pois bem, justifica-se, contudo o curador especial à lide em virtude de que em face à pessoa recaiu um mal inesperado; sendo este cônjuge, não tem mais a resguarda do pátrio poder ou um tutor ou curador responsável pela mesma anteriormente ao fato nocivo.

Vamos admitir então que, não só a vítima pode ser prejudicada em virtude do dano moral, mas também aqueles que dependem diretamente ou indiretamente dela ou ainda, pelo impedimento ou possibilidade desta fazer, façam em nome da mesma, parentes próximos, descendentes ascendentes, os ligados a alimentos, sucessão e previdência.

O Desembargador José Osório de Azevedo Junior (27), comenta que em relação a estas pessoas, a presunção é quase absoluta de que houve sofrimento e, portanto houve dano moral indenizável (...) Cônjuge e concubinos devem mostrar que a união é atual e muito recente a separação.

Discordamos da posição tomada pelo ilustre desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, que seja só desta forma "união atual e separação recente", pois a dor não é medida pelo lapso temporal da união, acreditamos até mesmo que, quanto maior o tempo que tenha a relação conjugal, maior será a dor em virtude da credibilidade depositada pelo cônjuge vítima, acreditando este estar seguro em sua relação conjugal.

Como demonstramos em exemplos anteriores conforme o artigo 5º inciso II do Código Civil os loucos de todo gênero, classificados como absolutamente incapazes estes, apesar de possuírem capacidade de ser parte, não tem capacidade de estar em juízo; após o decreto nº 24559/34 quando deu nova classificação aos psicopatas em absolutamente e relativamente incapazes, permitindo ao juiz fixar sentença conforme a gravidade da moléstia e nomeando àquele um curador (art. 84 C.C. e art. 8º C.P.C.); também nestas situações apresentadas será necessária a figura de um curador; pois no primeiro caso garantirá a indenização moral àquele que sofrerá as seqüelas permanentes da agressão e no segundo, garantir também o direito de indenização, já que momentaneamente e ou por tempo indeterminado está o cônjuge impedido de propo-la.

Será obrigado a reparar o dano quem causar o prejuízo e esta responsabilidade é individual principalmente no tema proposto, pois, as partes têm que ter uma qualidade especial: a de serem cônjuges, contudo, demonstramos a substituição da parte ativa no processo. O cônjuge culpado a exemplo dos casos propostos no capítulo anterior age com dolo na situação que discutimos neste trabalho, quando seus atos provocam a lesão ao bem jurídico do inocente já que agiu conscientemente quando pratica, por exemplo, o adultério ou a agressão. Portanto pela teoria a adotada pelo Código Civil, devemos observar a conduta do agente; que estará obrigado a indenizar caso esta seja contraria ao direito.

Daí, José Frederico Marques, com base no artigo 6º do Código de Processo Civil Brasileiro nos ensina que a Legitimidade ad causam pode ser de dois tipos: ordinária e extraordinária "aquela ocorre quando a ação é exercida pelo titular do interesse firmado na pretensão e contra o sujeito passivo desta; e a última, quando a lei confere o direito de ação a quem não seja titular do direito afirmado na pretensão, como ocorre nos casos de substituição processual". (Manual de Direito Processual Civil, 1988 : 304).

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Segundo Wladimir Valler (28), "Para que responda civilmente pelo dano é indispensável que o agente tenha capacitas delictorum. É preciso, portanto, que o autor seja imputável". A responsabilidade é a obrigação que tem o agente de arcar com as conseqüências jurídicas do ato praticado. A imputabilidade, por seu turno é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato.

Dos conceitos acima obtemos que aquele cônjuge que sofre de incapacidade para apreciar o caráter ilícito de seus atos, de entender e de querer, ou por questão de idade não alcançou um grau de desenvolvimento psíquico excluindo sua imputabilidade a exemplo do artigo 26 do código Penal Brasileiro; não poderá este ser parte passiva na ação de indenização.


CONCLUSÃO

Iniciamos este trabalho observando a preocupação que existe entre os juristas quanto a responsabilidade civil de indenizar por danos morais. Nos propusemos então a analisar especificadamente o dano moral, que ocorre em meio à relação conjugal, discutindo se haveria ou não a possibilidade de um cônjuge indenizar o seu consorte por este tipo de prejuízo e ao fim obter do Estado uma sentença, condenando o causador do dano, a suprir o mal causado. Para o exercido da ação, e para que a mesma tenha receptividade, podendo ser julgado seu mérito, teríamos que estudar suas condições; com isto, revelou-se então o ponto essencial deste trabalho que é o estudo deste vínculo entre direito de ação e a pretensão do autor.

O estudo em tese nos fez adentrar na esfera da responsabilidade civil, o que serviu para ampliar nosso conhecimento nesta área, e que, por sua vez nos propiciou o enriquecimento de nosso saber quanto a história das leis brasileiras no que tange ao dano moral. Verificamos que não só na Constituição brasileira, mas em inúmeras outras leis, tão recentes quanto a Carta Maior, como é o caso do Código de defesa do consumidor, garantem direitos à indenização por danos morais forma expressa.

Para o início do estudo sobre o tema proposto analisamos a formação da relação matrimonial monogâmica, a importância do casamento para a formação da família, os preceitos contidos neste instituto e os deveres e obrigações conjugais, como a fidelidade recíproca, a mútua assistência, entre os cônjuges. Observamos ao nos aprofundar neste assunto, que a relação conjugal é de suma importância para a sociedade, pois mantém a família sendo esta por sua vez o principal alicerce daquela.

O surgimento da obrigação de indenizar por danos morais, se dá e quando o bem jurídico de outrem é atingido; bens como a honra, a saúde, a vida e a personalidade inerentes a todo ser humano. Verificamos que não só o lesado direto pode pleitear o dano, como também o indireto, aquele que por alguma razão dependia do anterior.

Discutimos situações que por vezes o cônjuge inocente poderia estar impedido de pleitear seu direito em juízo, em virtude de moléstia grave, doença, e ainda grave dano físico ou psicológico; sendo nomeado a este um curador especial para a causa. Chegamos ao resultado esperado, abordando a matéria relativa ao tema, distribuindo no corpo do trabalho idéias concatenadas de forma mais claras possíveis ao leitor. Tentando ainda provar e demonstrar o raciocínio lógico sobre o tema através de exemplificações práticas, pareceres, livros, revistas e jornais e doutrinas.

As três condições da ação foram demonstradas de forma clara, ficando assim fácil o entendimento e a distinção entre elas. A análise destas condições, foi feita com o intuito de demonstrar que a ação de reparação por danos morais encontra alicerce legal para a sua propositura, levando o cônjuge lesado a ser indenizado pelo consorte culpado e detentor da conduta, da má fé, maliciosa, dolosa e gravemente culposa; sendo comprovada a existência do prejuízo.

Temos, portanto, que a possibilidade jurídica do pedido caracteriza-se por ser o dano moral um prejuízo à pessoa, tal prejuízo é tutelado pelo direito civil que insere o dano moral na responsabilidade civil, o que pode ser observado em nossa Constituição. Fica aqui demonstrada a possibilidade jurídica do pedido, em virtude do amparo legal que o direito dá a quem sofre uma lesão em seu intimo.

O interesse de agir na propositura da ação de indenização por danos morais conjugais ficou demonstrado pela necessidade que tem o lesado em reaver a sua paz interior, sua razão e sua personalidade sendo notória a utilidade do pedido levado ao Estado. Todo prejuízo causado por alguém a outrem deve ser ressarcido, assim diz o direito.

A ultima das condições analisadas, a que torna o litigante parte legítima para propor a ação é a legitimidade das partes; esta por sua vez, neste trabalho é a habilitação que tem a pessoa por ser cônjuge, de poder propor a ação somente contra seu consorte e somente este estar figurando no pólo passivo da mesma. Contudo mencionamos a possibilidade de haver a substituição da parte que figura no pólo ativo com o intuito de pleitear em juízo em nome alheio direito alheio, quando grave a impossibilidade da própria faze-lo.

Ao encerrarmos nosso trabalho, julgamos que dentro da relação conjugal é possível configurar-se o dano moral. O direito brasileiro ampara a responsabilidade civil, contudo, obtemos caracterização dos danos morais entre cônjuges e a existência do interesse de agir quando houver alguma infração ao artigo 5º da Lei do Divórcio.

O pedido de indenização por danos morais entre cônjuges é juridicamente possível, a legitimidade será sempre ordinária. Se as condições da ação estão presentes, demonstrados os fatos, não poderá o juiz eximir-se de analisa-los e julgar procedente a ação. A indenização por danos morais é e deverá ser isolada, corresponderá somente ao pedido feito na peça inicial, não haverá, portanto nenhuma compensação à hora da separação ou divórcio como a obrigação de pensão alimentícia, por exemplo.

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Sobre o autor
Cláudio Alexandre Sena Rei

bacharel em direito em Mogi das Cruzes (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REI, Cláudio Alexandre Sena. Danos morais entre cônjuges. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/541. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Braz Cubas, como exigência parcial para obtenção do grau de bacharel em Ciências Jurídicas, sob orientação do Prof. João Francisco Gonçalves.

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