Historicamente o pecúlio – devolução da contribuição do segurado aposentado que retornava ao trabalho, remonta à Lei 6.243, de 1975, em seu artigo 1º. As legislações previdenciárias posteriores mantiveram tal tema até dezembro de 1993.
Assim sendo, com o retorno do aposentado ao trabalho após a concessão do benefício, suas contribuições vertidas para o sistema deveriam ser devolvidas em parcela única quando cessasse de trabalhar. Nítido era o entendimento acerca da ausência de qualquer outra contraprestação por parte do órgão previdenciário, pois suas contribuições não seriam capazes de lhe beneficiar uma nova aposentadoria ou mesmo melhorar a que já percebia.
A situação legal do aludido instituto jurídico previdenciário termina em desde dezembro de 1993, com diferentes alterações até seu definitivo sepultamento em abril de 1995, com o término da contribuição sem o acompanhamento da contraprestação.
A baderna jurídica inicia-se legalmente em dezembro de 1993 com a edição de Medida Provisória cancelando o pecúlio. Em 25 de março de 1994 com a edição da Lei 8.861, que acrescentou o § 4º, no art. 12 da Lei 8.212 obrigando a contribuição do aposentado que retornasse ao trabalho.
A lei 8.870, de 15 de abril de 1994, diferentemente da legislação anterior, determinou, em seu art. 24, a isenção da contribuição do aposentado que retornasse ao trabalho, inclusive em seu art. 29 determinando a revogação expressa do § 4º do art. 12 da Lei 8.212 que havia ingressado no ordenamento jurídico apenas 21 dias antes.
A lei 8.870 de 1994 foi além, acompanhando a medida provisória, revogou expressamente o pecúlio previsto no art. 81, II da Lei 8.213. Aparentemente a situação havia sido resolvida, vez que como o aposentado que retornava ao trabalho estava isento da contribuição, consecutivamente era desnecessária a existência do pecúlio.
No entanto, a edição da Lei 9.032 em 28 de abril de 1995 revogou a isenção das contribuições e acrescentou novamente ao art. 12 da Lei 8.212/91 o § 4º prevendo o aposentado que retornasse ao trabalho como contribuinte obrigatório da seguridade social.
A partir de então, com estas inúmeras alterações, consolidou-se a infração da regra da contrapartida prevista constitucionalmente com a determinação da contribuição do aposentado que retornasse ao trabalho, sem qualquer contraprestação por parte da previdência social.
No que diz respeito ao segurado, a contribuição previdenciária é estabelecida sobre o salário-de-contribuição, "grandeza fiscal pecuniária útil para a aferição da contribuição do segurado e do salário-de-benefício" [1], tendo por finalidade aportar ao sistema previdenciário suas contribuições.
Com a ocorrência de quaisquer infortúnios (auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte) ou ainda acontecimento previsível (aposentadoria por idade, especial ou por tempo de contribuição), tais contribuições, anteriormente vertidas, transformam-se em benefícios, dado que no sistema de seguridade social a previdência é a única que necessita de contribuições.
A contribuição liga-se inegavelmente ao benefício, haja visto que é com base no salário-de-contribuição que apura-se o salário-de-benefício do segurado por ocasião dos infortúnios ou das prestações previsíveis, por isso "a nota distintiva da contribuição para a seguridade social é manifesto nexo entre contribuição e prestação" [2].
A finalidade da contribuição do segurado é a possibilidade de tais recursos anteriormente recolhidos serem convertidos em benefícios. Em precioso ensinamento acerca do tema, Wagner Balera aponta:
‘(...)ainda que de forma sutil, o esquema em que se calca o financiamento da seguridade social guarda relação com o arquétipo do vestuto contrato de seguro que, como sabemos, inspirou o modo bismarckiano de proteção social.
A relação sinistro/prêmio, segundo o qual quanto maior venha a ser estimado o risco de sinistro tanto maior será o prêmio vertido pelo tomador, também se mostra presente na relação securitária.’ [3]
O art. 195, §5º da Constituição Federal estabelece a regra da contrapartida entre o custeio e o benefício. Tal dispositivo legal foi exemplarmente analisado pelo professor Wagner Balera, onde comenta: "A regra importa em verdadeira proibição constitucional à instituição de novas fontes de custeio sem destinação precisa, assim como em proibição expressa de criação de novas prestações sem a adequada cobertura financeira" [4].
Verifica-se, portanto a impossibilidade de criação de benefícios sem devida contraprestação pecuniária, a contrario sensu seria indevida cobrança de contribuição pecuniária sem a devida contraprestação previdenciária.
Em outro trabalho, o próprio Wagner Balera assinala que a "chave para a intelecção dessa relação entre contribuição e risco e entre contribuição e prestação encontramos no que denominamos regra da contrapartida, que funciona como limitação constitucional específica ao poder de criar contribuições para a seguridade social." [5]
As contribuições vertidas para a seguridade social pelo aposentado que voltasse a trabalhar lhe eram devolvidas, pois ausente a possibilidade de nova aposentadoria, ou mesmo de melhora no benefício que o segurado estivesse percebendo. A revogação do dispositivo que garantia tal direito ao segurado é nitidamente conflitante com a regra da contraprestação esculpida na Carta Magna.
Acerca da relação existente entre o que o segurado contribuiu e aquilo que lhe é contraprestacionado pelo Estado, remonta a questão da contribuição sobre a aposentadoria, prevista pela Lei 9.783/99, cuja eficácia está suspensa em virtude da liminar concedida na ADIN 2.010.
Em seu relatório o Ministro Marco Aurélio Mello, entre outras disposições, assevera acerca da ausência de contraprestação entre o valor arrecadado e o benefício que o segurado já está recebendo, não havendo qualquer retribuição: "talvez se tenha cogitado de uma aposentadoria no além, já que contribuição e benefício compõem a mesma moeda, decorrem de relação jurídica sinalagmática e comutativa. Contribuição para quê, a tal altura?. Qual o benefício revelador da contraprestação? A colocação é irrespondível: não terão aposentados e pensionistas qualquer vantagem".
Pois bem, "os fatos de igual natureza devem ser regulados de modo idêntico. Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio; ‘onde se depare razão igual à da lei, ali prevalece a disposição correspondente, da norma referida" [6], assim, a contribuição do aposentado que retorna ao trabalho só resta a opção da aposentadoria no além, pois acabou-lhe a possibilidade de resgate destas contribuições por ocasião da cessação de sua atividade.
Deste ponto de vista a questão social da previdência perdeu totalmente sua função, sobressaindo apenas a sua questão fiscal. A regra da contrapartida apresenta um caminho de duas vias, onde há benefício deve haver custeio e onde existir custeio deve co-existir o benefício, uma via em função do sistema (contribuição) e outra em função do segurado (benefício). No caso dos aposentados que retornam ao trabalham e é obrigado a recolher as contribuições sem a devida contraprestação, tal caminho possui apenas uma via, ou seja, o custeio, sem qualquer contraprestação.
Alguns julgados têm entendido acerca da possibilidade de cobrança da contribuição do aposentado que retorna ao trabalho, sob o argumento da existência de previsão legal e admite que houve a revogação da disposição que garantia a devolução das contribuições por ocasião da cessação das atividades.
No entanto recente decisão do Tribunal Regional da Segunda Região alterou a posição dos julgadores acerca da cobrança da contribuição previdenciária dos aposentados que retornaram ao trabalho:
"PREVIDENCIÁRIO – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA EXIGIDA DOS APOSENTADOS QUE RETORNAM AO TRABALHO – INADMISSIBILIDADE – Tendo a Lei nº 9.032/95 ( e a Lei nº 9.129/95) extinguindo o pecúlio, ao revogar os artigos 81/85 da Lei nº 8.213/91 (RGPS), não existem benefícios que justifiquem a cobrança de contribuição incidente sobre a remuneração obtida nas atividades laborais desempenhadas pelos segurados que voltam a trabalhar. Como bem decidiu o juiz de 1º grau, ‘em se tratando de previdência social, não se pode se impor a cobrança a quem a rigor, não está vinculado ao sistema por que nada dele poderá fruir – não existe plano de previdência se não se oferece, ao menos, aposentadoria e pensão (é a exigência mínima para existência de regime de previdência, interpretação que se obtém da leitura do art. 10, parágrafo 3º, do Dec. 3.048/99)" [7]
Em seu voto a eminente relatora expôs de forma clara que dada a ausência de contraprestação do que a autarquia recolhe do aposentado que retorna ao trabalho, devida é a restituição destas suas contribuições:
"A norma, além de possuir caráter extremamente injusto, desrespeita o princípio da contraprestação relativo às contribuições devidas pelos segurados, tendo em vista que as prestações oferecidas ao aposentado que retorna à atividade são insignificantes, diante dos valores recebidos,..."
A novel decisão judicial exarada pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região abre caminho para a discussão da cobrança previdenciária dos aposentados que retornam ao trabalho em especial sob o prisma da regra da contra-partida, exposto pelo professor Wagner Balera.
Desde de que foi criada a contribuição recolhida dos aposentados que retornavam ao trabalho, elas lhes eram devolvidas na forma de pecúlio, pois inexistente um novo benefício a partir destas contribuições.
Prevê a Constituição Federal a necessidade da observância da regra da contrapartida nas relações previdenciárias no que diz respeito à relação custeio/benefício. Sendo nitidamente contrária à tal regra não pode existir a contribuição do aposentado que retorna ao trabalho por não prever qualquer tipo de benefício ou restituição ao segurado, valendo apenas em função do sistema, como "reforço de caixa".
Importante concluir que a Previdência existe em função dos administrados não em função de si própria ou mesmo do Estado, devendo toda a interpretação das normas inerentes a tal disciplina jurídica ter como elemento norteador o segurado, objetivo primeiro e último de todo o sistema previdenciário.
Notas
1MARTINEZ, Wladimir Novaes. "Curso de Direito Previdenciário". tomo II, São Paulo: Ltr, 1998, pp. 293.
2BALERA, Wagner. "Curso de Direito Previdenciário" – Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 4ªed., Coordenador Wagner Balera, São Paulo: Ltr, 1998, pp. 39/40.
3BALERA, Wagner. Idem.
4BALERA, Wagner, "A interpretação do Direito Previdenciário" - RPS 236/682. São Paulo: Ed. LTr. Jul/00
5BALERA, Wagner. "Curso de Direito Previdenciário" – Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 4ªed., Coordenador Wagner Balera, São Paulo: Ltr, 1998, pp. 39/40.
6 MAXIMILIANO, Carlos. "Hermenêutica e Aplicação do Direito", 24ªed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, pp. 209.
7 TRF- 2ªRegião - AC 2001.02.01.015183-7 – Relª. Juíza Simone Schreiber