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Liberdade de expressão na rede.

A censura prévia e a responsabilidade dos provedores de internet na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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4. O Marco Civil da Internet e a maximização do direito fundamental à liberdade de expressão na rede: da censura prévia à intervenção judicial.

A Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, denominada Marco Civil da Internet, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria (art. 1º).

Considerando que o acesso à internet “é essencial ao exercício da cidadania”, a sobredita lei, em sintonia fina com a Constituição da República, preceitua que o uso da internet no Brasil deve observar, dentre outros, o princípio da “garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento”, bem assim o princípio da “preservação da neutralidade da rede” (art. 3º, incisos I e VII).

Além de axiomas interpretativos, decorre dos mencionados princípios normas que disciplinam o próprio regramento da distribuição de responsabilidade entre os provedores de internet, notadamente dos provedores de conteúdo e de informação.

Com efeito, o novo diploma legal, a par de conferir maior efetividade ao direito à liberdade de expressão dos cidadãos na rede, relativiza a responsabilidade dos provedores de internet em razão de conteúdos ofensivos veiculados por seus usuários.

Nesse sentido, em direção oposta à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – sedimentada antes da sua vigência –, a Lei 12.965/14 prevê que, em regra, os provedores de internet somente deverão promover a indisponibilidade de conteúdo alegadamente ofensivo a terceiros em virtude de ordem judicial fundamentada e específica.

Nesse sentido, veja-se o art. 19, da mencionada lei:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1.º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

Ressalte-se que, consoante o art. 21, da Lei 12.965/14, excepciona-se a necessidade de decisão judicial no sentido de indisponibilidade do conteúdo ofensivo quando este versar sobre materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado:

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilidade desse conteúdo.

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.

Conforme se depreende, a optar pela preservação irrestrita da intimidade das pessoas, quis o legislador ordinário conferir maior efetividade ao direito fundamental à liberdade de expressão e obtenção de informação dos cidadãos, não descurando, contudo, a possibilidade de controle posterior do ato lesivo pela via judicial.

A toda evidência, esta opção legislativa determina a necessidade de revisão do posicionamento precedente do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, como forma de conformação da jurisprudência daquela Corte Superior aos novos arranjos instrumentos legislativos que disciplinam o uso da internet no Brasil.


5. Conclusão.

O direito fundamental à liberdade de expressão constitui uma garantia própria da abertura das cartas constitucionais democráticas. A sua maior densidade no ordenamento jurídico constitucional de um País denuncia a natureza do próprio regime adotado, se democrático ou autoritário, e a forma de Estado constituída, se de Direito ou Policial.

Nessa ordem de ideias, no âmbito do direito fundamental à informação toda espécie de censura prévia, antes mesmo da existência de qualquer ato ilícito, quando despida de fundamentos empíricos idôneos, constitui inequívoco retrocesso de ordem civilizatório-constitucional.

À luz destas premissas, a Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet, potencializa o exercício do direito à liberdade de expressão, bem assim o direito a obtenção de informação pelos cidadãos, prestigiando-os, em especial, sobre possíveis atos ilícitos praticados por terceiros e não filtrados preventivamente pelos provedores de aplicações de internet.

A opção legislativa em voga, além de se fundar em valores eminentemente democrático-republicanos, se assenta na premissa que orienta e conforma o novo diploma legal: o acesso a internet e o seu uso consciente são essenciais ao exercício da cidadania, de modo que toda a censura, prévia ou repressiva, deve ser acompanhada de elevada prudência e fundamentação concreta.

Nesse contexto, conclui-se, portanto, que o Marco Civil da Internet determina uma sensível guinada de rumos na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.


Referências.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves (org.). Interpretação constitucional: reflexões sobre a (nova) hermenêutica. Salvador: JusPODIVM, 2010.

LEITE, George Salomão. LEMOS, Ronaldo (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital. 5 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.


Notas

[1] Constituição da República, art. 5º, inciso IV.

[2] Constituição da República, art. 5º, inciso XIV.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9. ed.,  rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 263.

[4] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 232.

[5] Idem, op. cit., p. 234.

[6] DÓRIA, Sampaio. Direito constitucional: comentários à constituição de 1946. v. III/602, apud SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 241.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 232.

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Sobre o autor
Gabriel Junior Januário da Silva

Bacharel em Direito. Advogado, com experiência em Direito Administrativo, Constitucional, Penal e Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gabriel Junior Januário. Liberdade de expressão na rede.: A censura prévia e a responsabilidade dos provedores de internet na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4898, 28 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54122. Acesso em: 22 dez. 2024.

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