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Liberdade de expressão na rede.

A censura prévia e a responsabilidade dos provedores de internet na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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Na era da sociedade digital, a internet revela-se como um importante instrumento de realização do direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Este artigo busca analisar esta garantia fundamental segundo do Marco Civil da Internet.

Sumário: Introdução. 1. O direito fundamental à liberdade de expressão e o seu significado no Estado Democrático de Direito. 1.1 O conteúdo jurídico-normativo do direito fundamental à liberdade de expressão. 2. A censura prévia e o direito fundamental a liberdade de expressão e de obtenção de informação. 3. A censura prévia e a responsabilidade dos provedores de serviços de internet. 3.1. Provedores de serviços de internet: distinções necessárias. 3.2 A Liberdade de expressão na rede e a responsabilidade dos provedores de conteúdo e de informação na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 4. O Marco Civil da Internet e a maximização do direito fundamental a liberdade de expressão na rede: da censura prévia à intervenção judicial. 5. Conclusão. Referências.


Introdução

No modelo atual de sociedade digital os bens já não representam a extrema medida da riqueza. Com efeito, em tempos de um admirável mundo cibernético, ainda de todo não conhecido, a informação e o conhecimento são as principais fontes de poder.

O direito fundamental ao acesso a informação decorre da ampla abertura inerente às cartas constitucionais democráticas, revelando-se, nesse sentido, como relevante instrumento de participação popular e efetivo controle dos poderes representativos, além de determinar singulares desdobramentos de ordem comercial e civil no âmbito do Direito Privado.

Umbilicalmente relacionados, o direito fundamental à liberdade de expressão oxigena e impulsiona o exercício do direito à informação. A relação entre essas duas cláusulas pétreas do direito constitucional brasileiro é, em absoluto, indissociável, e deriva de dispositivos expressos no texto da Lei Maior, que, inicialmente, declara ser “livre a manifestação do pensamento”[1] e, em seguida, garante ser “assegurado a todos o acesso à informação”.[2]

Nada obstante, para compreender adequadamente os fundamentos que justificam o acesso à informação é indispensável uma análise do conteúdo jurídico do direito fundamental à liberdade de expressão, tendo em consideração, sobretudo, as inovações promovidas nesse contexto pela Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet.

A aludida lei, objeto de estudo no presente trabalho, atenta para o fato de que, na quadra atual, a web constitui um dos principais meios de exercício do direito fundamental à liberdade de expressão e de obtenção de informação, e logo, ainda que intangível, não pode passar ao largo do alcance projetado pelas normas jurídicas.

 A garantia da liberdade de expressão na web, ademais, se realça quando vertida em rota de colisão com outros direitos fundamentais de idêntica densidade normativa, como a intimidade e a vida privada, bens de singular envergadura no catálogo dos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República, e que determinam a limitação da ingerência estatal no núcleo essencial da liberdade individual de cada cidadão.

À luz destas premissas, busca-se apresentar neste trabalho a formulação de um estudo sumário, voltado a evidenciar os limites e as possibilidades do exercício da liberdade de expressão na rede mundial de computadores, bem assim a responsabilidade dos provedores de internet na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, e a necessidade, ou não, de revisão deste entendimento em face dos preceitos da Lei 12.965/2014.


1. O direito fundamental à liberdade de expressão e o seu significado no Estado Democrático de Direito.

Conforme salientam Gilmar Ferreiras Mendes e Paulo Gustavo Gonet a liberdade de expressão constitui “um dos mais relevantes e preciosos direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens de todos os tempos” [3]. Nesse sentido, tem-se, pois, que a liberdade de expressão representa uma relevante conquista da civilização, que acompanha a própria evolução da humanidade.

Na mesma perspectiva, José Afonso da Silva ressalta que é sob o manto dos regimes democráticos que a liberdade de expressão do homem encontra campo de expansão, “com ampla possibilidade de coordenar os meios necessários à realização de sua felicidade pessoal” [4]. Nessa ordem de ideias, ainda de acordo com o seu magistério, “quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem se vai libertando dos obstáculos que o constrangem, e mais liberdade conquista”.[5]

A liberdade de expressão, quando vertida para o centro dos direitos políticos, se apresenta como meio idôneo de participação popular nos órgãos governamentais, pressuposto elementar dos regimes genuinamente democráticos.

Lado outro, no domínio privado, como adverte Sampaio Dória, este direito fundamental conduz o homem a exprimir em quaisquer meios de comunicação suas crenças, seus conhecimentos, suas esperanças, suas frustrações, seus trabalhos, enfim, a sua própria concepção de mundo.[6] Seja no mais recôndito ambiente privado, ou nas praças e locais públicos, cumpre ao Estado conferir efetividade à garantia de liberdade de expressão dos cidadãos, ainda que para que eles a invoquem para atacar o governo situacionista da época.

O grau de proteção à liberdade de expressão em um determinado País evidencia, pois, a própria densidade do regime democrático nele existente. Nesse sentido, revela-se claro que a liberdade de expressão denuncia o regime, se democrático ou autoritário, e o modelo de Estado, isto é, se de Direito ou Policial.

1.1 O Conteúdo jurídico-normativo do direito fundamental à liberdade de expressão.

O direito fundamental à liberdade de expressão possui nítido caráter negativo, situando-se na primeira geração do processo de evolução e reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais (direito fundamental de primeira geração). Trata-se, pois, de um direito que consubstancia uma prestação negativa oponível ao Estado, no sentido de ordenar a sua abstenção no núcleo essencial desta franquia da liberdade.

Seu conteúdo jurídico-normativo, na medida em que não pode ser passível de minuciosa descrição legal, se encontra aberto às modificações das próprias reivindicações populares em um determinado espaço e tempo.

Tratando-se, pois, de direito fundamental de singular relevância na ordem jurídica, qualquer forma de censura a ele oposta, quando despedida de fundamentos empíricos idôneos, seja por particulares ou autoridades públicas, representa inequívoco retrocesso de índole civilizatório-constitucional.

Como lecionam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, em seu núcleo essencial o direito fundamental à liberdade de expressão tutela:

 [...] toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não – até porque diferenciar entre opiniões valiosas ou sem valor é uma contradição num Estado baseado na concepção de uma democracia livre e pluralista. No direito de expressão cabe, segundo a visão generalizada, toda mensagem, tudo o que se pode comunicar – juízos, propaganda de ideias e notícias sobre fatos. [7]

Nada obstante, impende ressaltar que, à evidência, não se inclui no direito fundamental à liberdade de expressão o emprego da violência, da coação física, na medida em que, como sinaliza Ulrich Karpen, “as opiniões devem ser endereçadas apenas ao cérebro, por meio de argumentação racional ou emocional, ou por meras assertivas”, e não mediante constrangimento operacionalizado pela via da força.

De igual modo, não se pode compreender no direito à liberdade de expressão uma espécie de salvo conduto para a prática de atos ilícitos, civis e criminais, que repercutam negativamente na ordem pessoal de cada cidadão, notadamente na sua intimidade e vida privada.


2. A censura prévia e o direito fundamental a liberdade de expressão e de obtenção de informação.

Como já salientado, o direito fundamental à liberdade de expressão encontra-se positivado no art. 5º, inciso IV, da Constituição da República, e ainda, impõe sentido e significado jurídico ao direito ao acesso à informação, recepcionado no inciso XIV, do mesmo dispositivo.

Não obstante a sua previsão constitucional e o seu relevante significado na ordem jurídica, o próprio texto da Lei Fundamental cuida de definir os limites oponíveis a estes direitos.

Com efeito, o art. 220, caput, da Constituição Federal, preceitua que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”, e acrescenta, os seus §§ 1º e 2º, que não poderá ser objeto de lei dispositivo que volte a constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, sendo vedado, ainda, “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

A toda evidência, as exceções oponíveis ao direito à liberdade de expressão e de obtenção de informação, por expressa opção do constituinte brasileiro, se assentam em outros direitos de idêntica densidade normativa, notadamente aqueles vazados nos incisos IV, V, X, XIII e XIV, do art. 5º, da Constituição Federal.

Nesse contexto, ressai do texto constitucional que são oponíveis ao direito à liberdade de expressão e obtenção de informação a proibição ao anonimato; o direito à resposta proporcional ao agravo; a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas; o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, bem assim o sigilo da fonte das informações, quando necessário ao exercício profissional.

Ademais, decorre do art. 220, da Constituição da República, a objeção relativa ao direito de indenização material, moral ou à imagem das pessoas, em razão de ofensas irrogadas sob uma pretensa e irrestrita liberdade de expressão. Não se cogita, aqui, da possibilidade de uso dos direitos e das garantias constitucionais para a prática de qualquer ato ilícito, seja de natureza civil ou penal.

Em qualquer caso, eventuais restrições impostas ao direito à liberdade de expressão, por via legislativa, sujeitam-se, sempre, à equação pelo princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), de modo a se aferir se a medida legal adotada, com impactos negativos sobre a liberdade de expressão dos cidadãos, se justifica em detrimento de outros direitos ou garantias fundamentais, que em um caso em específico devam ser aplicados em maior densidade.


3. A censura prévia e a responsabilidade dos provedores de serviços de internet.

3.1 Provedores de serviços de internet: distinções necessárias.

Inicialmente, antes de adentramos ao núcleo essencial do presente trabalho, cumpre destacar que, não obstante o uso comum da expressão “provedores de internet” para identificação de todos aqueles que disponibilizam serviços na web, existem diferentes espécies de “provedores”.

Com efeito, em julgado pioneiro sobre o tema, a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, esclarece as diferentes espécies dos denominados provedores de serviços de internet, verbis:

“A world wide web (www) é uma rede mundial composta pelo somatório de todos os servidores a ela conectados. Esses servidores são bancos de dados que concentram toda a informação disponível na Internet, divulgadas por intermédio das incontáveis páginas de acesso (webpages).

Os provedores de serviços de Internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, tais como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação”.(STJ, REsp 1.381.610, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 12 de setembro de 2013.)

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Conforme se extrai ainda do aludido julgado, diante da complexidade dos serviços disponibilizados na internet, é comum que os provedores ofereçam diferentes modalidades de serviços na web em uma mesma plataforma (portal), o que determina a confusão entre essas diversas modalidades de provedores.

Não obstante, a diferença conceitual entre os serviços base de cada provedor subsiste mesmo diante da reunião de outros serviços, e esta natureza constitui fator indispensável à correta imputação da responsabilidade inerente a cada serviço prestado, notadamente no que toca no dever destes provedores de realizar uma espécie de censura ao conteúdo que eles mesmos veiculam ou que reproduzem.

3.2 A liberdade de expressão na rede e a responsabilidade dos provedores de conteúdo e de informação na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Evidenciado o conceito das diferentes espécies de provedores de serviços de internet, cumpre observar, agora, como se opera a responsabilidade dos provedores de serviços e dos provedores de conteúdo relativamente aos atos praticados pelos seus próprios titulares e por terceiros no exercício do seu direito à liberdade de expressão na rede.

De início, impende salientar que, não obstante a responsabilidade imediata pelo ato lesivo, praticado sob o pretenso direito à liberdade de expressão, seja imputada diretamente ao próprio agente causador do dano (o usuário, por exemplo), situações ocorrem em que, diante da própria natureza dos serviços prestados pelo provedor, ou por sua inércia no sentido de indisponibilizar o conteúdo ilícito, ele próprio também poderá ser responsabilizado pelos danos causados a terceiros.

Neste particular, impende salientar que, consoante iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, os serviços prestados pelos provedores de conteúdo, como Facebook, Instagram e WathsApp não são compatíveis com o instituto da responsabilidade objetiva.

Ocorre que, em absoluto, a atividade própria destes provedores consiste na disponibilização na rede das informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação, em uma plataforma própria onde também se permite que seus usuários criem informações segundo seus próprios interesses, dos seus grupos ou comunidades, através de posts que podem ser criados e compartilhados de forma instantânea.

A característica própria destes serviços consiste na inexistência de qualquer espécie de controle, isto é, censura prévia por parte dos seus administradores. Este controle, aliás, se exercido, inviabilizaria o próprio serviço disponibilizado pelo provedor aos seus usuários.

A responsabilidade de controle (censura) do conteúdo veiculado pelos próprios usuários destas espécies de provedores, contudo, passa a ser exigível, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a partir do momento em que o seu administrador é notificado, ainda que extrajudicialmente, da existência de algum ato ilícito disponibilizado em sua plataforma, e ainda assim queda-se inerte, contribuindo, pois, para a disseminação do ato ilícito praticado.

Nesse contexto, a imputação de responsabilidade civil ao provedor dá-se em caráter solidário, na forma de culpa in omittendo

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA SOLIDÁRIA POR OMISSÃO. PROVEDOR DE INTERNET. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL ACERCA DE PUBLICAÇÃO DE CONTEÚDO OFENSIVO. INÉRCIA. DANOS MORAIS DEVIDOS.

1. Caracteriza-se a responsabilidade subjetiva solidária por omissão dos provedores de internet que, após notificados acerca da existência de publicação de conteúdo ofensivo, permanecem inertes.2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no REsp 123.013/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 03/11/2015.)

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO ELETRÔNICO E RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PROVEDOR SEM CONTROLE PRÉVIO DE CONTEÚDO. ORKUT. BUSCA MENSAGEM OFENSIVA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA NÃO CARACTERIZADA. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Este Tribunal Superior, por seus precedentes, já se manifestou no sentido de que: I) o dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas em site por usuário não constitui risco inerente à atividade desenvolvida pelo provedor da internet, porquanto não se lhe é exigido que proceda a controle prévio de conteúdo inserido e disponibilizado por usuários, pelo que não se lhe aplica a responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/2002; II) a fiscalização prévia dos conteúdos postados não é atividade intrínseca ao serviço prestado pelo provedor no ORKUT.

2. Haverá responsabilidade subjetiva do provedor, quando: I) ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem tem conteúdo ilícito, por ser ofensivo, não atua de forma ágil, retirando o material do ar imediatamente, passando a responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão em que incide; II) não mantiver um sistema ou não adotar providências, que estiverem tecnicamente ao seu alcance, de modo a possibilitar a identificação do usuário responsável pela divulgação ou a individuação dele, a fim de coibir o anonimato.

3. O fornecimento do registro do número de protocolo (IP) dos computadores utilizados para cadastramento de contas na internet constitui meio satisfatório de identificação de usuários.

4. Na hipótese, o Tribunal local não delineia fato algum acerca de possível notificação extrajudicial ou judicial comunicando o ilícito ao provedor e de conduta omissiva deste a ensejar a configuração de sua responsabilidade subjetiva. Pelo contrário, entendendo ser do provedor o dever de fiscalização prévia dos conteúdos postados, houve por bem o acórdão recorrido solucionar a controvérsia, com base na responsabilidade objetiva e sem atentar para a natureza do provedor demandado.

5. Diante do panorama fático-jurídico delineado pela instância ordinária, a conclusão pela reforma do v. acórdão recorrido, afastando-se a condenação por danos morais, não esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.

6. Agravo regimental não provido."(STJ, AgRg no REsp n. 1.395.803/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 26/5/2014.)

Na esteira dos arestos ora transcritos, a responsabilidade do provedor de conteúdo se opera quando, notificado pela parte lesada por conteúdo ofensivo veiculado em sua plataforma, o mesmo deixa de atuar, de forma eficaz, no sentido de suspender o acesso ao conteúdo informado dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para submetê-lo a posterior verificação.

Não sendo realizado a tempo e modo o controle repressivo por parte do provedor, e sendo o conteúdo divulgado pelo terceiro ofensivo à honra, à intimidade ou à vida privada de outrem, dá-se, então, a responsabilidade subjetiva do provedor de conteúdo, conforme se depreende do seguinte julgado:

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO CONTEÚDO POSTADO NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CUNHO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA DO AR EM 24 HORAS. DEVER. SUBMISSÃO DO LITÍGIO DIRETAMENTE AO PODER JUDICIÁRIO. CONSEQUÊNCIAS. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 14 DO CDC E 927 DO CC/02.

1. Ação ajuizada em 26.02.2008. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 14.08.2012.

2. Recurso especial em que se discute os limites da responsabilidade de provedor de rede social de relacionamento via Internet pelo conteúdo das informações veiculadas no respectivo site.

3. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.

4. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.

5. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.

6. Ao ser comunicado de que determinada postagem possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo, “deve o provedor removê-la preventivamente no prazo de 24 horas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações do denunciante, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o vídeo ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano em virtude da omissão praticada.

7. Embora o provedor esteja obrigado a remover conteúdo potencialmente ofensivo assim que tomar conhecimento do fato (mesmo que por via extrajudicial), ao optar por submeter a controvérsia diretamente ao Poder Judiciário, a parte induz a judicialização do litígio, sujeitando-o, a partir daí, ao que for deliberado pela autoridade competente. A partir do momento em que o conflito se torna judicial, deve a parte agir de acordo com as determinações que estiverem vigentes no processo, ainda que, posteriormente, haja decisão em sentido contrário, implicando a adoção de comportamento diverso. Do contrário, surgiria para as partes uma situação de absoluta insegurança jurídica, uma incerteza sobre como se conduzir na pendência de trânsito em julgado na ação.

8. Recurso especial provido.  (STJ, REsp 1.338.214/MT, Rel. Min. Nancy Handrighi, DJe02/12/2013)

Nesse contexto, impende salientar que a superveniência da Lei 12.965/2014 que, neste particular, relativiza a responsabilidade dos provedores de conteúdo pelas ofensas irrogadas por terceiros, é inaplicável a fatos ocorridos antes da sua vigência.

Nessa ordem de ideias, confira-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. INTERNET. COMENTÁRIO OFENSIVO POSTADO EM COMUNIDADE DO 'ORKUT'. IDENTIFICAÇÃO DO IP ('INTERNET PROTOCOL') DO USUÁRIO OFENSOR. DEVER DO PROVEDOR DE HOSPEDAGEM. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DA LEI 12.965/14 A FATOS PRETÉRITOS. SUBSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO, MESMO APÓS A EXTINÇÃO DO ORKUT.

1. Responsabilidade do provedor de hospedagem por postagens ofensivas realizadas por usuário na hipótese em que, devidamente notificado, com indicação da URL, não providenciar a identificação do IP do autor da ofensa.

2. Inaplicabilidade da Lei 12.965/14, marco civil da internet, a fatos pretéritos.

3. Subsistência da obrigação, não obstante a extinção da comunidade Orkut, por se tratar de impossibilidade superveniente causada pelo próprio devedor.

4. "O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; [...]" (art. 399 do CCB).

5. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.(STJ, AgRg no REsp 1.384.340/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 12/05/2015.)

Lado outro, considerando que é atividade própria dos provedores de informação a produção das informações divulgadas na Internet pelos seus próprios titulares, como nos casos dos sites de jornais, revistas eletrônicas, etc., o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de lhes ser devido o controle (censura) prévio das informações que eles produzem, bem assim daquelas que são implementadas em suas plataformas por parte de seus usuários.

Nesse contexto, tem-se que o controle preventivo do conteúdo das informações veiculadas representa elemento próprio da atividade exercida pelo provedor de informação, de modo que, verificando-se nelas conteúdo ofensivo à honra, à imagem, à intimidade ou à vida privada de outrem a responsabilidade do provedor é objetiva, na forma do art. 14, da Lei 8.078/90, por vício na prestação do serviço, bem assim do art. 927, do Código Civil.

Nesse diapasão, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. PORTAL DE NOTÍCIAS. RELAÇÃO DE CONSUMO. OFENSAS POSTADAS POR USUÁRIOS. AUSÊNCIA DE CONTROLE POR PARTE DA EMPRESA JORNALÍSTICA. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PERANTE A VÍTIMA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.

1. Controvérsia acerca da responsabilidade civil da empresa detentora de um portal eletrônico por ofensas à honra praticadas por seus usuários mediante mensagens e comentários a uma noticia veiculada.

2. Irresponsabilidade dos provedores de conteúdo, salvo se não providenciarem a exclusão do conteúdo ofensivo, após notificação. Precedentes.

3. Hipótese em que o provedor de conteúdo é empresa jornalística, profissional da área de comunicação, ensejando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.  

4. Necessidade de controle efetivo, prévio ou posterior, das postagens divulgadas pelos usuários junto à página em que publicada a notícia.                      

5. A ausência de controle configura defeito do serviço.  

6. Responsabilidade solidária da empresa gestora do portal eletrônica perante a vítima das ofensas.

7. Manutenção do 'quantum' indenizatório a título de danos morais por não se mostrar exagerado (Súmula 07/STJ).                                                                                       

8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.                                                                         

(STJ, REsp 1.352.053/AL, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 30/03/2015.)

Ainda em relação aos provedores de informação, importante destacar que se inclui-se entre eles os conhecidos blogs. Neste particular, cumpre trazer à baila excerto do voto apresentado pela Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.381.610, DJe de 12 de setembro de 2013, verbis:

“Os blogs – contração da expressão inglesa weblog que, numa tradução literal, significa diário da rede (mundial de computadores) – consistem em páginas na Internet cuja estrutura possibilita sua rápida e constante atualização mediante acréscimo dos denominados posts (comentários, artigos), que em geral têm como foco a temática que dá origem – e muitas vezes intitula – o próprio blog.

A maioria dos blogs veiculam opiniões e/ou notícias acerca de um determinado assunto, sendo inerente à sua concepção e funcionamento a participação de leitores mediante comentários, interagindo ativamente com o titular do blog e com outros seguidores daquela página na Internet, promovendo debates e troca de informações sobre interesses comuns.

Diante disso, verifica-se que a atividade desenvolvida em um blog pode assumir duas naturezas distintas: (i) provedoria de informação, no que tange às matérias e artigos disponibilizados no blog pelo seu titular; e (ii) provedoria de conteúdo, em relação aos posts dos seguidores do blog”.

Destarte, nos casos específicos dos blogs, a responsabilidade do agente é condicionada à atividade que ocasionar o ato ilícito, isto é, se enquanto provedor de informação, relativamente às matérias e informações disponibilizados pelo próprio titular do serviço, de forma objetiva, ou se enquanto provedor de conteúdo, quando notificado pela parte lesada o titular do blog deixar de promover a imediata indisponibilidade do conteúdo ofensivo, de forma subjetiva.

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Sobre o autor
Gabriel Junior Januário da Silva

Bacharel em Direito. Advogado, com experiência em Direito Administrativo, Constitucional, Penal e Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gabriel Junior Januário. Liberdade de expressão na rede.: A censura prévia e a responsabilidade dos provedores de internet na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4898, 28 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54122. Acesso em: 20 abr. 2024.

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