O cenário político mundial se abalou nas últimas semanas em decorrência da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. O bilionário Trump, que ocupa a Casa Branca após oito anos do governo Obama, marcou a disputa eleitoral por seus fortes posicionamentos, considerados “anti-minoria”.
A inesperada eleição de Donald Trump trouxe, em uma primeira visão, o enorme receio de que os direitos civis de minorias sejam atacados, contrapondo o conhecido ideal de liberdade que acompanha os EUA nos últimos séculos.
Contudo, essa visão não é tão real quanto parece. Isto porquê, a estrutura institucional em que se moldou o Estado norte-americano funcionará como barreira para que o político Trump ponha em prática a série de propostas que foi defendida durante a sua campanha eleitoral.
A estrutura institucional dos Estados Unidos, capitaneada pelo Federalismo, pode ser a maior protetora da democracia americana em face das tentativas futuras de Trump, no sentido de extinguir direitos civis.
A tradição federalista dos Estados Unidos remonta a 1787, que na célebre Assembleia de Filadélfia, decretou a sua Constituição. Com ela surgiu um dos grandes exemplos para a Teoria do Estado moderna, que foi a organização federativa dos EUA.
Esta organização institucional apresenta duas valiosas lições, que serão postas à prova com a presidência de Donald Trump: a importância do Federalismo e da separação entre Estado e Governo para a preservação da democracia.
A formação do Estado Federal norte-americano ocorreu com a designação de competências às autoridades de acordo com o princípio da subsidiariedade. Ou seja, primeiro aos Estados, depois à União.
Para sustentar essas afirmativas, cita-se a lição de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, formulada no final do século XVIII, mas que, se respeitada, poderá impedir que políticas autoritárias interfiram nos direitos civis dos norte-americanos.
Os poderes que a Constituição delega ao Governo Federal são um pequeno número e limitados, aqueles que ficam aos Estados são numerosos e sem limites. Os primeiros hão de recair principalmente sobre objetos exteriores, como a guerra, a paz, as negociações e o comércio estrangeiro, com o qual tantas relações tem o poder, concedido ao governo, de impor tributos; os segundos estender-se-ão a todos os objetos que de ordinário interessam mais diretamente – a vida, a liberdade, a prosperidade, a ordem interna, os melhoramentos e a prosperidade do Estado. (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003, p. 289) (grifo nosso)
Portanto, como ensinam Hamilton, Madison e Jay em “O Federalista”, os poderes delegados ao Governo Federal, que a partir de 2017 passará à Chefia de Trump, devem ser mínimos. Os poderes que verdadeiramente podem influenciar na vida e no cotidiano dos cidadãos dos Estados Unidos, que Hamilton, Madison e Jay afirmam estar relacionados à temas como “a vida, a liberdade, a prosperidade, a ordem interna, os melhoramentos e a prosperidade”, foram conferidos aos Estados, em consequência da organização Federal das instituições norte-americanas.
Alinhando-se esta ideia à Teoria do Estado, é possível afirmar que Donald Trump, enquanto presidente dos Estados Unidos, atuará como Chefe do Estado, de forma a representar o país em seus objetivos exteriores, sem muita influência no exercício de direitos civis pelos cidadãos norte-americanos. Já a função de Governo é conferida aos Estados, que direcionarão a sua população de acordo com as diretrizes formuladas em um âmbito local.
Sabe-se que nos EUA, assim como no Brasil, o Sistema de Governo se orienta pelo Presidencialismo. Todavia, diferente do Brasil, nos EUA, enquanto as competências da Função de Governo ficam para os Estados, cabe ao Presidente apenas as funções de Chefia de Estado.
Dessa forma, uma política interna que se julgue autoritária apenas pode ser implementada se contar com o aval dos Estados, tendo em vista que compete a estes o direcionamento da vida da sua população.
Se respeitado o legado federalista de mais de três séculos existente no EUA, as políticas autoritárias de Trump não afetarão (ou pouco afetarão) a vida dos norte-americanos, já que as diretrizes de Governo foram conferidas aos Estados e não à União. Não se pode afirmar o mesmo em relação à influência de Trump no cenário internacional, já que, enquanto Chefe de Estado, Donald Trump será o guia da política dos EUA quanto a matérias como “guerra, a paz, as negociações e o comércio estrangeiro”.
Não se pretende fazer qualquer juízo de valor ou de adivinhação com o presente artigo, salientando o conhecimento acerca dos inúmeros problemas sociais existentes nos EUA. O que se visa é ressaltar como a organização institucional dos Estados, observando-se uma racionalidade, pode influenciar na vida das pessoas, a depender da Forma de Estado e Sistema de Governo com os quais se alinha determinado país.
Além disso, tais considerações servem de alerta para os problemas advindos da centralização de poderes na União, em contraposição ao Estado Federal, bem como da concentração das funções de Chefe de Estado e Governo no mesmo órgão ou pessoa. Se os efeitos da eleição de Trump nos EUA são minimizados em razão da estrutura federativa na qual se formou tal país, no Brasil esses efeitos poderiam ser gravíssimos, em razão do fraco (ou inexistente) federalismo implementado no país e da concentração nas mãos da Presidência das funções de Chefe de Estado e de Governo.
REFERÊNCIAS
HAMILTON; MADISON; JAY. O Federalista. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003.