Sábado, depois de frustradas todas as opções de divertimentos na cidade maravilhosa, meu companheiro e eu resolvemos encerrar a noite no Arpoador. E minha primeira surpresa, antes mesmo de começar a admirar a vista, foi com a quantidade de jovens que ocupava aquela parte da praia que divide dois dos bairros nobres da zona sul carioca: Copacabana e Ipanema.
Era tarde - 2h, 3h da manhã - e em meio ao vento frio, pessoas conversavam, bebiam suas bebidas de jovens – vodca com refrigerante, vodca com energético – banhavam de mar, ouviam funk, cantavam funk, dançavam funk, jogavam “altinho”, fumavam, namoravam, jogavam futebol: ocupavam também a praia tal qual os adolescentes moradores do asfalto¹ têm o direito de ocupar livremente e sem restrição as praias da zona sul.
E ao lembrar daquela reunião juvenil em área privilegiada da “melhor cidade da América do Sul”² foi impossível não pensar na juventude que ocupa. Em tempos de uma garotada que protesta, manifesta-se, ocupa escola, fala com enorme desenvoltura e sabedoria na Câmara de Deputados, o termo "jovem" tornou-se sinônimo de contestação, aqueles não eram menos jovens. Pelo contrário, ao desafiar a lógica segregacionista da cidade e do sistema, que expulsa todos os adolescentes negros e moradores de favelas das praias ricas cariocas³, eles afirmavam em meio à algazarra e ao banho de mar que tinham o direito de estar naquele espaço e, nesse sentido, diziam tudo.
Naquela noite, percebi que tal qual o movimento dos rolezinhos, ocorrido entre 2013 e 2014, no qual a juventude paulistana pobre reivindicava o direito de frequentar os shoppings centers, ditos como não permitidos à esse espectro da sociedade, aquelas garotas e garotos no Arpoador, intencionalmente ou não, buscavam ocupar aquele espaço aberto, porém de acesso velado e restrito em dias e horários de grande movimento.
Diferente da geração de não muito tempo atrás, os jovens discriminados hoje, seja pela classe social ou pela cor da pele, passaram a ter uma postura de não aceitar que hajam espaços permitidos e não permitidos e vêm desafiando essa imposição separatista, ocupando espaços, chamando atenção, dando-se conta de que as normas sociais que impedem o acesso de alguém pelo nível de riqueza ou pobreza são ultrapassadas e devem ser contestadas.
Dias atrás fui no lançamento de um livro e, em um dado momento, ouvi o relato de uma das convidadas, no qual contava a experiência que tinha passado há pouco tempo na Lagoa Rodrigo de Freitas. Ela, mulher negra, ao questionar vários passantes sobre determinada rua, viu-os segurarem suas bolsas e a ignorarem visivelmente amedrontados. Os únicos que lhe deram atenção foram os trabalhadores fardados, negros como ela: os garis. Emendado a isso, falou sobre seu filho pequeno, igualmente negro, mas com uma percepção de mundo totalmente diferente.
A criança, de não mais que 10 anos, consegue frequentar qualquer espaço socialmente destinado aos brancos ricos e bem-nascidos sem ao menos se sentir incomodado com os olhares tortos direcionados a ele. Não que desconheça preconceito e racismo, o que ele não entende é porque pessoas se incomodam tanto com a cor da pele de outras e acima de tudo, não se considera inapropriado em lugar algum.
Esse é o tipo de juventude que vem se formando. Eu já não sou tão nova, estou quase chegando nos 30 anos e não sei se pessoas da minha idade - negras e/ou pobres - tiveram ou ainda terão a oportunidade de se sentir bem vindas em todo tipo de ambiente, mas de qualquer forma, fico contente em saber que a geração depois da minha poderá ter a consciência de que o lugar dela é onde ela quiser estar.
Notas:
¹ Denominação dada às pessoas não residentes nas favelas cariocas situadas, muitas vezes em morros, presente no livro Abusado - o dono do Morro Santa Marta, de Caco Barcellos.
² Referência à música Baby, de Caetano Veloso.
³ Referência às apreensões realizadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro de adolescentes negros em praias cariocas da Zona Sul. Ver também: Na praia, Rio se confronta com velhas divisões, em Carta Capital.