Notas sobre intervenção e liquidação extrajudicial em entidades fechadas de previdência complementar (EFPC)

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30/11/2016 às 10:23
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12. JUROS NAS DÍVIDAS TRABALHISTAS

No plano das dívidas trabalhistas, o Tribunal Superior do Trabalho editou, em 1992, o enunciado 304 sobre o tema, pacificando o entendimento de que cabe correção monetária mas não juros, nos débitos trabalhistas de entidades sob intervenção ou liquidação judicial:

Enunciado do TST Nº 304 (Correção monetária. Empresas em liquidação. Art. 46. do ADCT/CF - Revisão do Enunciado nº 284 - Res. 17/1988, DJ 18.03.1988)

Os débitos trabalhistas das entidades submetidas aos regimes de intervenção ou liquidação extrajudicial estão sujeitos a correção monetária desde o respectivo vencimento até seu efetivo pagamento, sem interrupção ou suspensão, não incidindo, entretanto, sobre tais débitos, juros de mora.

(Res. 2/1992, DJ 05.11.1992)

Ressalte-se que o Enunciado 304 do TST foi aplicado recentemente pelo STJ, no RESP 491.132/SC26, reafirmando que, nas dívidas trabalhistas, incidem correção monetária, mas não juros de mora.


13. JUROS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Em matéria fiscal, o STJ entende que cabe cobrança de juros de mora anteriores à decretação da liquidação extrajudicial. Após a liquidação, os juros somente serão devidos se a massa for superavitária27.


14. CRÉDITOS FISCAIS

O STJ considerou que não cabe multa fiscal moratória, pois esta tem característica de pena administrativa, vedada pelo art. 34. da Lei 6.024/74, que determina a aplicação subsidiária da Lei de Falências28. Tais decisões se escudam em duas súmulas do STF, abaixo transcritas:

"Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa."(Súmula 192/STF)

"A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência."(Súmula 565/STF)

No RESP 532.539/MG29, o STJ também decidiu que, em matéria fiscal, incidem juros de mora anteriores à decretação da liquidação da entidade, e também os posteriores, “que somente serão excluídos se o ativo apurado for insuficiente para pagamento do passivo”.

O Superior Tribunal de Justiça entende, ainda, que os créditos fiscais não estão sujeitos a concurso de credores (art. 29. da Lei de Execuções Fiscais c/c art. 187. do CTN) e, caso a execução fiscal já tenha sido ajuizada antes da liquidação, a penhora se fará no rosto dos autos:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS. POSSIBILIDADE. ARTS. 186, DO CNT, 29, DA LEI 6.830/80, E 34 DA LEI 6.024/74. SÚMULA 44/TFR. PRECEDENTES.” 30


15. OS CRÉDITOS DE PARTICIPANTES

A LC 109/01, em seu art. 50, afirma que os participantes e assistidos não precisam se habilitar na liquidação, e seus créditos têm privilégio especial, menos sobre os de natureza trabalhista e tributária. Os elegíveis e os assistidos têm preferência sobre os demais participantes. Disposições idênticas constavam do art. 67. da revogada lei 6.435/77.

A esse respeito, o STJ já se pronunciou confirmando o teor da lei no tocante aos elegíveis:

“CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DIREITO ADQUIRIDO. PREFERÊNCIA.

Tem direito adquirido a participar, com preferência, do rateio realizado pela entidade de previdência privada em liquidação extrajudicial, aquele que, nas peculiaridades da espécie, implementou todas as condições necessárias para perceber a aposentadoria antecipada proporcional, embora não tivesse desfrutando do benefício.

Recurso conhecido e provido. 31

Quando decretada a liquidação de um plano de benefícios administrado por EFPC, diz o art. 51. da LC 109/01 que serão levantados o balanço geral da entidade e as demonstrações contábeis e atuariais necessárias à determinação do valor das “reservas individuais”, para fins de rateio.

Evidencia-se que a atual lei básica da previdência complementar não esgota a matéria e respeita a característica contratual do sistema de previdência complementar. Assim, para o deslinde do que venha a ser “reserva individual” será necessário analisar o regulamento para a verificação sobre a classificação nele contida sobre essa matéria.

A Lei 6.435/77 era mais precisa nesse ponto, dispondo, no art. 67, § 5.º, que

O rateio do montante de crédito dos participantes, não considerados no parágrafo anterior [que tratava dos assistidos], terá por base o critério previsto para os casos de resgate do valor saldado de contribuições”.

Note-se que o referido dispositivo da Lei 6.435/77, embora mais específico, interagia com as normas internas da entidade e do plano de benefícios, pois dizia que o resgate teria por base “o critério previsto”. Previsto onde? Nos normativos que formam a base contratual do plano de benefícios (Regulamento, Estatuto, Convênio de Adesão).


16. CRÉDITO ORIUNDO DE DECISÃO TRABALHISTA

Infelizmente, a Justiça do Trabalho não têm levado em conta o disposto no art. 202. da Constituição Federal, absorvendo para si questões de previdência complementar que, evidentemente, fogem da alçada das relações de trabalho, eis que expressamente não integram o contrato de trabalho e estão vinculadas ao Direito Civil.

Este movimento, pacificado na Justiça Trabalhista em inúmeros julgados, inclusive do TST, tem como pressuposto o contido no art. 114. da Constituição Federal. Os juízes trabalhistas têm interpretando que a previdência complementar nasce de uma relação de trabalho e, portanto, se insere no rol de competência daquela Justiça laboral.

Assim, na prática forense, o que se tem visto é que, quando o participante aciona na Justiça do Trabalho apenas a entidade de previdência complementar, a ação é deslocada para a Justiça Comum, pois se discute contrato. Entretanto, se o participante coloca no pólo passivo também a patrocinadora, a Justiça Trabalhista absorve a demanda e se julga competente para a matéria, mesmo sabendo-se que se discute um contrato regido pelo Direito Civil.

Embora venham sendo julgados pela Justiça do Trabalho, não há como considerar que tais créditos sejam “trabalhistas”, a ponto de fazê-los preferenciais, de acordo com o que já foi mencionado. Ter-se-ia, nesta hipótese, uma afronta ao princípio da igualdade de tratamento dos credores da mesma classe: quem entrou na Justiça do Trabalho tem privilégio, quem não entrou fica atrás na fila, mesmo sendo todos participantes de idêntico plano de benefícios.

Por isso, deve-se interpretar a expressão “créditos trabalhistas” de que trata a classificação de créditos contida na Lei de Falências em seu sentido estrito, ou seja, os créditos detidos por conta única e exclusivamente de relações de trabalho. No caso específico de EFPC, entre esta e seus próprios funcionários.

Não se pode olvidar que, quem decide sobre a qualidade e a classificação dos créditos é o liquidante (Lei 6.024/74, art. 16), embora a palavra final na esfera administrativa seja do ente fiscalizador, em grau de recurso.

Na esteira do raciocínio anteriormente declinado, não há porque obrigar à habilitação de crédito “trabalhista” (apenas porque decidido na Justiça do Trabalho) que, materialmente, é crédito previdenciário. Nestes casos, por um imperativo lógico, deve-se prescindir da habilitação, pois a regra a ser aplicada é a do art. 50. da LC 109/01: trata-se de crédito especial, não sujeito à habilitação.

Com relação aos créditos trabalhistas da massa, diferentemente da Lei de Falências anterior (Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945), a atual possui dispositivo específico quanto às obrigações trabalhistas contraídas após a decretação da falência (leia-se liquidação extrajudicial, por analogia). Pelo teor do art. 84. da referida lei, os débitos trabalhistas de qualquer natureza contraídos após a liquidação são considerados créditos extraconcursais, devendo ser pagos antes mesmo dos mencionados no art. 83.

Diz o dispositivo:

“Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83. desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:

I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;

II – quantias fornecidas à massa pelos credores;

III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;

IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;

V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67. desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83. desta Lei.”

É de se observar que o inciso I retro transcrito não demarcou a quantia a ser paga em sistema de preferência, como o fez o inciso I do art. 83, que limitou o pagamento preferencial de créditos trabalhistas em 150 salários mínimos, fazendo crer que não possui nenhuma limitação.


17. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO DE EX-PARTICIPANTE COM SALDO DE EMPRÉSTIMO EM ABERTO JUNTO À ENTIDADE

No momento da decretação da liquidação, pode ocorrer que participantes e assistidos possuam dívidas para com o plano, oriundas de empréstimos ou financiamentos imobiliários. As operações com participantes constituem uma importante modalidade de aplicação financeira das EFPC, prevista no artigo 23 da Resolução CMN n.º 3.792, de 24 de setembro de 2009.

Como as contribuições para o plano ficam legalmente sustadas (LC 109/01, art. VIII32), a entidade ficaria sem poder descontar seu crédito junto àqueles que contraíram tal empréstimo?

É evidente que não. O plano deverá ser ressarcido quando da realização do ativo e liquidação do passivo de que trata o art. 50. da LC 109/01, por meio do instituto da compensação, creditando-se a EFPC no saldo devedor do ex-participante e vice-e-versa, conforme prevê o artigo 368 do Código Civil:

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.”


Notas

2 Quando o déficit for conjuntural, ou inferior a 10% do exigível atuarial ou, ainda, houver fluxo financeiro para sua cobertura, o § 1º do mesmo dispositivo possibilita que se possa aguardar o exercício subsequente.

3I – a extinção de patrocinador ou instituidor, tratando-se de entidades singulares;”

4II – a perda do objeto para o qual obteve a autorização de funcionamento; e

5Direito Bancário”. São Paulo: Saraiva, 1999, apud, TZIRULNIK, Luiz. “Intervenção e Liquidação Extrajudicial das Instituições Financeiras”, 2.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 40.

6 “Curso de Direito Falimentar”, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, apud, TZIRULNIK, Luiz. “Intervenção e Liquidação Extrajudicial das Instituições Financeiras”, 2.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 41.

7 MARTINEZ, Wladimir Novaes. “Pareceres Selecionados de Previdência Complementar”, São Paulo: LTr, 2001, p. 237. Não obstante, o autor defende a tese de que a liquidação extrajudicial, tanto quanto a intervenção, deve ter como meta a recuperação da entidade, quando possível.

8 Ob. cit. p. 238/239.

9Insolvência Bancária – Liquidação extrajudicial e falência”, Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2004, p.125. O autor menciona os seguintes julgados: RE 90.135-3; RESP 40.712-RS; Mandado de Segurança 59096952, do TJRS; e Embargos Declaratórios 40.077, do TJSP.

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10 AGRESP 615.436/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, 1.ª Turma, DJ 06.12.2004.

11 TRF 1.ª Região – Apelação Cível n.º 89.01.24102-1/DF, Rel. Desembargador Federal Leite Soares, 4.ª Turma, julgado em 28.03.1990.

12 Remessa ‘Ex-Offício” n.º 33.351-RN, Rel.: Desembargador Federal José Delgado, 2.ª Turma, julgado em 09.11.1993.

13 STJ, RESP 51.387, Rel.: Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, 4.ª Turma, DJ. 09.09.2002. Neste julgamento tratou-se de prazo assinalado à SUSEP pelo art. 104. do Dec.-Lei 73/66. Embora reconhecendo a inexeqüibilidade de termo assinalado por lei, o STJ fixou, no caso concreto desse julgamento, um prazo para o término da liquidação extrajudicial da entidade (uma seguradora), porque entendeu que o tempo transcorrido desde a decretação era mais do que suficiente: mais de três décadas haviam se passado.

14 RESP 201.882/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3.ª Turma, DJ 16.08.1999.

15 RESP 243.091/MG, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, DJ 18.10.2004.

16 MARTINEZ, Wladimir Novaes. “Pareceres selecionados de Previdência Complementar”, São Paulo: LTr, 2001, p. 237

17 RESP 241.799/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, DJ 11.06.2001.

18 RESP 601.766/PE, Relator: Ministro José Delgado, 1.ª Turma, DJ 31.05.2004.

19 RESP 7467/SP, Relator: Ministro Cláudio Santos, 3.ª Turma, DJ 17.10.1994.

20Intervenção e Liquidação Extrajudicial das Instituições Financeiras”, 2.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 58/59.

21 TZIRULNIK, Luiz. Ob. cit. p.59.

22 Disponível em: https://www.bcb.gov.br/htms/cosif

23 Disponível em: https://www5.bcb.gov.br/pg1Frame.asp?idPai=NORMABUSCA&urlPg=/ixpress/correio/correio/DETALHAMENTOCORREIO.DML?N=092178031&C=2246&ASS=CIRCULAR+2.246

24 RE 140.718/RS, Relator: Ministro Ilmar Galvão, 1.ª Turma, DJ 10.02.1995.

25 CHIACHIO, João Batista; ANGELIS, Fabiano Meireles de et al. “A questão dos juros de mora legais nos contratos em face do novo Código Civil” . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3989/a-questao-dos-juros-de-mora-legais-nos-contratos-em-face-do-novo-codigo-civil>

26 Rel.: Min. José Arnaldo da Fonseca, 5.ª Turma, DJ 28.06.2004.

27 RESP 532.539/MG, Rel. Min.: Francisco Falcão, 1.ª Turma, DJ. 06.11.2004.

28 EDcl no AgRg no RESP 419.660/RS, Rel.: Min. Luiz Fux, 1.ª Turma, DJ. 01.03.2004; RESP 263508/RS, Rel. Min.: Francisco Peçanha Martins, 2.ª Turma, DJ 25.11.2002; RESP 315912/RS, Rel. Min.: Castro Meira, 2.ª Turma, DJ 25.02.2004.

29 Rel.: Min. Francisco Falcão, 1.ª Turma, DJ 16.11.2004.

30 RESP 502.336/CE, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, DJ 02.06.2003.

31 RESP 94.329/RS, Relator: Min. Cesar Asfor Rocha, 4.ª Turma, DJ. 01.02.1999.

32 Lei 6.435/77, art. 66, IX.

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Sobre o autor
Alexandre Maimoni

Alexandre Brandão Henriques Maimoni, Advogado especializado em Direito Administrativo e previdência complementar fechada, Membro titular da Câmara de Recursos da Previdência Complementar, Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo(1993), graduação em Comunicação Social - Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília(1999), especialização em Direito da Medicina pela Universidade de Coimbra(2014), especialização em Health Strategic Management for the Executive Manager (HESTRAM) pela University of Miami(2015) e aperfeicoamento em Curso Avançado de Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público(2001). Atualmente é Sócio em escritório de advocacia da Maimoni Advogados Associados. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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