Aplicabilidade do Decreto 46.906/15 (MG) no âmbito das instituições militares estaduais

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O objetivo do trabalho é demonstrar a possibilidade da adoção de mecanismos disciplinares para o exercício do Poder Disciplinar do Estado no âmbito das Instituições Militares Estaduais de MG, sem desrespeito aos princípios basilares da hierarquia e disciplina.

Introdução

As instituições militares possuem princípios basilares que as vinculam a criação de normas e de toda uma estrutura organizada de modo muito específico para priorizar a disciplina e a segurança das instituições. No final de 2015, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais inovou ao aprovar o Decreto 46.906 de 16 de dezembro de 2016, que institui o Ajustamento Disciplinar no âmbito da Administração Pública do Poder Executivo Estadual. Entretanto, a Lei 14.310/02, que trata do Código de Ética e Disciplina dos militares Estaduais de Minas Gerais já possuía um dispositivo semelhante ao criado pela norma legisladora. Dessa forma, este trabalho possui o objetivo de analisar a possibilidade de adaptação da norma existente ou da própria substituição pelo instrumento legal criado em 2015.


1-PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NAS INSTITUIÇÕES MILITARES ESTADUAIS

A Administração Pública tem o dever de punir seus servidores quando esses cometem alguma infração funcional, tal afirmação traduz de forma clara a situação em que um servidor toma conhecimento da prática de alguma infração administrativa por parte de um subordinado e deixa de tomar providências, configurando, em tese, crime capitulado no art. 320, do Código Penal (Condescendência Criminosa). O Poder Disciplinar da Administração refere-se exatamente a essa capacidade de punir seus agentes e as pessoas sujeitas à disciplina administrativa. Segundo MEIRELLES (2002), é uma supremacia especial que o Estado exerce sobre aqueles que se vinculam à Administração Pública por relações de qualquer natureza. Ressalta-se que, aqui, busca-se referir a situação exclusiva das pessoas sujeitas à disciplina administrativa, ou seja, não podemos considerar que os cidadãos que não possuem vínculo com a Administração Pública estão sujeitos ao exercício do Poder Disciplinar, tais cidadãos estarão, sim, sujeitos a ação do Poder de Polícia e das possíveis consequências advindas da aplicação das sanções relacionadas a atuação dos agentes estatais quando da exteriorização deste último Poder Administrativo.

Quanto à aplicação do Poder Disciplinar da Administração em relação as pessoas submetidas a ela, vale lembrar que o Estado possui vários servidores submetidos, cada qual, a um regime jurídico. A partir de tal regime, o Estado acompanha por meio de seus órgãos específicos (em quase todas as grandes instituições estatais existe a criação de estruturas específicas para realização de fiscalização e acompanhamento da conduta funcional de servidores, como corregedorias e ouvidorias) o desempenho dos servidores, e busca aferir a regularidade de suas condutas funcionais. Dessa forma,  a Administração Pública tem a possibilidade de estabelecer certo equilíbrio na atuação dos servidores, punindo aqueles que cometerem eventuais infrações funcionais que afetem diretamente o desempenho da função, bem como alguns órgãos também contam com a possibilidade de atribuir formas de recompensas para aqueles que se destacarem no desempenho da função.

Em que pese o dever de punir da Administração Pública, em face de uma infração Administrativa do servidor, a doutrina considera o Poder Disciplinar como sendo um poder discricionário da Administração, tal discricionariedade embora não esteja presente na opção de punir ou não o servidor, transparece no momento da escolha da punição a ser aplicada. Dessa forma, existe o dever de punir o servidor que comete uma infração funcional, contudo, a escolha da punição adequada a cada caso passará pelo crivo da Administração. Obviamente, como toda decisão discricionária, o servidor responsável pela aplicação da sanção administrativa deverá observar todos os princípios que regem a atuação da Administração pública, mesmo porque, conforme ressaltado por Júnior (2006), discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, sendo o poder discricionário vinculado aos limites da lei, mesmo porque não se exclui a possibilidade de avaliação do judiciário sobre sanções administrativas eventualmente impostas a qualquer servidor. Sendo assim, quando da aplicação da sanção, deve a Administração Pública observar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal.

Conforme menciona Gomes (2013) o exercício do Poder Disciplinar está intimamente ligado ao exercício do Poder Hierárquico da Administração Pública, a maioria dos órgãos públicos vinculados ao Poder Executivo necessita de uma organização de padrões rigorosos para funcionarem harmonicamente. Dessa forma, diferente do que ocorre no exercício das funções legislativa e judiciária, a administrativa requer a existência de uma relação de hierarquia para que viabilize a organização das atividades administrativas. Assim, além da capacidade de organizar, coordenar, controlar o administrador, também terá a capacidade de corrigir seu subordinado.

Importante lembrar que, para os servidores públicos estatutários, os próprios estatutos são responsáveis por estabelecer todas as formalidades do processo que possibilitará a análise da necessidade, ou não, de punir o servidor, além disso, os estatutos também tratarão das sanções possíveis de aplicação.

Em Minas Gerais, a lei 5.301, de 16/10/1969, foi a responsável por instituir o estatuto dos militares do estado. Além dela, a Lei 14.310, de 2002 (Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado) foi a responsável por regular pormenorizadamente as sanções a que se sujeitam os militares estaduais, além de outros detalhes procedimentais que devem ser observados.


2- CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DOS MILITARES ESTADUAIS - LEI 14.310, de 19 DE JUNHO DE 2002

Uma das normas de maior relevância para as instituições militares estaduais, o Código de Ética e Disciplina, representou uma verdadeira revolução na regulamentação das punições e procedimentalização dos processos e procedimentos administrativos. O antigo regulamento possuía disposições arcaicas, mesmo porque havia sido confeccionado ainda no período do regime militar. O Decreto Estadual de Minas Gerais nº 23.085, de 10 de dezembro de 1983, famoso “RDPM”, tinha por finalidade:

(...) definir, especificar e classificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento policial-militar das praças, recursos, recompensas e Conselho de Disciplina. (Minas Gerais, Dec. Nº 23.085 /1983)

Tal documento, quando se referia aos “policiais militares”, tratava também aos Bombeiros Militares que eram vinculados a PMMG[1], formando uma única instituição.

Exemplo da desatualização deste Regulamento para o período pós Constituição de 1988 era a possibilidade de exclusão "ex-officio" e as sanções privativas de liberdade para transgressões disciplinares, ademais, havia algumas transgressões que não possuíam um texto bem delimitado e claro. Em outros casos, transgressões que invadiam rigorosamente a intimidade e a vida particular dos militares. Dessa forma, abria-se margem para um leque de arbitrariedades cometidas pelos superiores hierárquicos em face de seus subordinados.

Quando da instituição do novo Código de Ética de 2002, houve uma revisão das caracterizações das transgressões disciplinares, além de um enorme avanço em termos processuais e organizacionais. Obviamente, ainda existem alguns dispositivos que necessitam de revisão e ajustes, entretanto, quando comparados a regulamentação anterior, percebe-se grande avanço.

O Novo Código de Ética estipulou as seguintes sanções disciplinares:

Art. 24 – Conforme a natureza, a gradação e as circunstâncias da transgressão, serão aplicáveis as seguintes sanções disciplinares:

I – advertência;

II – repreensão;

III – prestação de serviços de natureza preferencialmente operacional, correspondente a um turno de serviço semanal, que não exceda a oito horas;

IV – suspensão, de até dez dias;

V – reforma disciplinar compulsória;

VI – demissão;

VII – perda do posto, patente ou graduação do militar da reserva.

Art. 25 – Poderão ser aplicadas, independentemente das demais sanções ou cumulativamente com elas, as seguintes medidas:

I – cancelamento de matrícula, com desligamento de curso, estágio ou exame;

II – destituição de cargo, função ou comissão;

III – movimentação de unidade ou fração. (Minas Gerais, Minas Gerais, Lei-14.310/2002)

Dessa forma, a aplicação de cada sanção dependerá de um critério objetivo, que é a pontuação a ser debitada do conceito do servidor militar após o somatório de pontos da transgressão e análise de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Como pontuação base observa-se:

CLASSIFICAÇÃO DA TRANSGRESSÃO

PONTUAÇÃO BASE

EMBASAMENTO LEGAL

TRANGRESSÃO DISCIPLINAR GRAVE

25 PONTOS

Art. 13, Lei 14.310/02

TRANGRESSÃO DISCIPLINAR MÉDIA

15 PONTOS

Art. 14, Lei 14.310/02

TRANGRESSÃO DISCIPLINAR LEVE

05 PONTOS

Art. 15, Lei 14.310/02

Dessa forma, após classificar a conduta do militar transgressor em uma das tipificações contidas nos artigos 13, 14 ou 15, do Código de Ética, será analisado se aquele militar possui alguma circunstância agravante ou atenuante, e só após o somatório final é que será atribuída a sanção administrativa. Logicamente, a aplicação da sanção é precedida de um procedimento apuratório com total observância do Contraditório e da Ampla Defesa.

Entretanto, existe um dispositivo previsto no Art.10 da Lei 14.310/02, não raras vezes utilizado, que será alvo de análise neste trabalho. Eis o Art. 10:

Art. 10 – Sempre que possível, a autoridade competente para aplicar a sanção disciplinar verificará a conveniência e a oportunidade de substituí-la por aconselhamento ou advertência verbal pessoal, ouvido o CEDMU[2]. (Minas Gerais, Minas Gerais, Lei-14.310/2002)

Além disso, observa-se o conteúdo da Decisão Administrativa nº 21/CG -20/09/02:

A medida prevista no art. 10, do CEDM é possível, desde que haja aquiescência do CEDMU. Ainda que os argumentos de defesa não consigam justificar a falta, havendo consenso entre o CEDMU e a autoridade competente para aplicar a sanção, esta pode ser substituída por aconselhamento ou advertência verbal pessoal. (Minas Gerais, Decisão Administrativa nº 21/CG – 20/09/02)

Dessa forma, a autoridade militar responsável por aplicar a sanção pode, após verificar a oportunidade e a conveniência, substituir uma das sanções previstas no art. 24 pelo “aconselhamento ou advertência verbal pessoal”. Interessante que tal dispositivo não é tratado como uma sanção disciplinar na própria publicação em Boletim Interno, costumeiramente observa-se expressões do tipo “deixa de punir o militar”. Entretanto, analisando do ponto de vista instrumental, considerando o Poder Disciplinar da Administração Pública e a obrigatoriedade de sancionar o servidor, quando da existência de uma infração administrativa, o dispositivo previsto no art. 10 deve ser visto como uma sanção administrativa que, por sua natureza, possui menor gravidade para a ficha funcional do militar estadual, mesmo porque, conforme observado no texto da Decisão Administrativa, “Ainda que os argumentos de defesa não consigam justificar a falta”, existe a possibilidade da aplicação deste dispositivo, sendo obrigatoriamente, portanto, uma espécie de sanção administrativa mais branda.

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3- termo de ajustamento disciplinar, decreto nº 46.906 de 16 de dezembro de 2015

Com o grande acúmulo de Processos e Procedimentos Disciplinares no âmbito estadual, e, consequentemente, uma sobrecarga aos órgãos responsáveis pela correição dos servidores, o Governador do Estado de Minas Gerais publicou o Decreto 46.906, em 16 de dezembro de 2015, que institui o Termo de Ajustamento Disciplinar.

Em observância a princípios norteadores da Administração Pública, como a efetividade, sobretudo aqueles voltados ao processo, como a economicidade e celeridade, o Termo de Ajustamento Disciplinar surge como uma ferramenta para que se atinja a máxima efetividade na atividade correcional do Estado, proporcionando uma redução na burocracia dos trâmites processuais, e, consequentemente, reduzindo gastos dos entes públicos. É o “produzir mais com menos.”

Para se entender melhor, o Termo de Ajustamento Disciplinar, analogicamente, seria semelhante a uma Transação Penal, porém, no âmbito administrativo. Tal dispositivo legal faz com que o servidor tenha a oportunidade de reconhecer a irregularidade cometida, e, ao mesmo tempo, poder ajustar a sua conduta sem responder a um processo disciplinar, e, por consequência, sofrer uma sanção disciplinar, interferindo em sua carreira. É cabível em infrações que tenham como sanção as penas de repreensão ou suspensão e prazo de um a dois anos, de acordo com a irregularidade cometida. Decorrido tal prazo é declarada a extinção da punibilidade, desde que não se tenha cometido nova falta. Dessa forma, o dispositivo faz com que o servidor se eduque eticamente para evitar novas infrações administrativas.

Para que seja proposto o Ajustamento Disciplinar, há que se observar certos requisitos, como, por exemplo, a inexistência de dolo ou má fé do agente público. Assim, busca-se, de certo modo, promover uma proporcionalidade do Poder Disciplinar do Estado, pois se evita punir o servidor que cometeu a infração por culpa, dando-lhe a oportunidade de se adequar ao serviço público sem maiores prejuízos a progressão de sua carreira pública.

Em contrapartida, depois de celebrado o Termo de Ajustamento Disciplinar, interrompe-se o prazo de prescrição e o servidor não poderá celebrar novo termo pelo dobro do prazo nele previsto após a declaração de extinção da punibilidade e também não poderá o servidor ficar à disposição de outro órgão, solicitar licença para tratar de interesses particulares ou afastamento voluntário incentivado, o que reforça e também infere a necessidade do servidor público se adequar ao serviço por ele desempenhado e a necessidade de atuar com probidade, ética e licitude, pois, apesar de não sancionar o agente público, há quesitos que inibem o animus em cometer novas faltas.

Outro aspecto importante do Ajustamento Disciplinar é a economia processual e financeira que proporcionará ao Estado, uma vez que instaurado menos processos/procedimentos administrativos, movimenta-se menos a estrutura estatal para processamento de tais atos administrativos, e, por consequência, há menos burocracia. Ou seja, com menor carga para os órgãos correcionais, há maior oportunidade de prestar serviços melhores e disponibilizar mais servidores para a prestação de serviço a população, finalidade do Estado.

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Sobre os autores
Douglas Luis de Oliveira

Mestre e graduado pela Universidade Federal de Viçosa, coordenador do programa de pós-graduação em Direito e Gestão Pública, professor a área de Direito Público, nas Faculdades Univiçosa e Dinâmica.

Vinícius Alcântara

Graduando em Direito pela Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, Tecnólo em Segurança Pública, 3º Sgt da Polícia Militar de Minas Gerais.

Weliton

Graduando em Direito pela FADIP, 3º Sargento da Policia Militar de Minas Gerais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo referente ao Decreto 46906, de 16/12/2015, que institui o Ajustamento Disciplinar no âmbito da Administração Pública do Poder Executivo Estadual.

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