Alienação de bens públicos imóveis municipais sem licitação

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O presente artigo buscou solucionar o grande problema que os municípios brasileiros vêm sofrendo sobre as ocupações irregulares de imóveis públicos municipais por particulares.

1.Introdução

Os municípios brasileiros vêm sofrendo grande problema com as ocupações irregulares de imóveis públicos municipais por particulares. Invariavelmente, essas ocupações, muitas vezes perduram por décadas. Diante disso, faz-se necessário implementar medidas que permitam estabelecer critérios e procedimentos de regularização fundiária do solo urbano, cominada com o interesse social.

A falta de regularização fundiária causa graves prejuízos diretos ou indiretos à municipalidade, dentre eles cita-se; a diminuição da arrecadação tributária, ausência de consolidação e implementação de Plano Diretor e normas de ocupação do solo. Além do mais, a falta de regularização fundiária pode causar graves prejuízos à sustentabilidade ambiental, na medida em que não são implementadas ações coordenadas pela Administração Pública.

Considerando tais informações, o presente trabalho tem como objetivo preponderante apontar bases epistemológicas para resolução do problema, juridicamente e socialmente. Em outras palavras, o trabalho visa conjugar alternativas jurídicas com a preservação do interesse público, consubstanciado na concretização do direito fundamental à moradia.

Num primeiro momento, analisar-se-á o conceito de bens, com enfoque no significado e características dos bens públicos. Concluir-se-á que os bens de uso comum e uso especial, enquanto estiverem afetados ao uso da Administração Pública não poderão ser alienados, no entanto, os bens dominicais já encontram-se inseridos no rol de bens que podem ser alienáveis, desde que devidamente desafetados.

Posteriormente, serão apresentados os conceitos sobre Licitação, os princípios que regem tal procedimento, seus casos de dispensa e inexigibilidade autorizados por Lei e todas suas modalidades. Nesse momento, evidenciará que em regra os imóveis públicos poderão ser alienados mediante prévia autorização legal e realização de processo administrativo licitatório competente.

Ocorre que, conforme será demonstrado, alguns casos excepcionais de alienação de imóveis públicos, poderão ser feitos sem que haja o processo licitatório, é o caso que se propõe para eventual implementação de programa de regularização fundiária de solo urbano.

Assim, finalmente, adentra-se ao cerne do questionamento do trabalho, que é a possibilidade da contratação direta, o direito à uma moradia digna e a importância da regularização urbano-municipal.

Nesse diapasão, a presente monografia, com respaldo na legislação, assim como na doutrina, tem como meta principal mostrar como proceder-se à contratação direta, sem prévio processo licitatório, com segurança e eficiência guiada pela Lei de Licitações e Contratos e pela jurisprudência dos órgãos de controle, a fim de que seja implementado programa de regularização fundiária do solo urbano municipal, conferindo aos particulares ocupantes de propriedade pública a garantia constitucional à moradia.


2. Bens

2.1 – Conceito de Bens

Antes da concepção mais especifica, faz-se necessário conceituar bens de uma maneira geral. Em seu artigo 98, o Código Civil os reparte inicialmente entre públicos e particulares, esclarecendo que são públicos os do domínio nacional, das pessoas jurídicas de direito público interno; e particulares todos os outros, seja qual for à pessoa que pertencerem.

César Fiuza (2008, p. 181) entende bem como tudo aquilo que é útil às pessoas.

Para que os bens possam ser considerados como objeto do direito precisam ter os seguintes pressupostos; “ser representados por um objeto capaz de satisfazer um interesse econômico, ser suscetíveis de gestão econômica autônoma, e; ter capacidade para ser objeto de uma subordinação jurídica.” (FIUZA 2008, p. 181).

Assim, bem pode ser conceituado como todo objeto de valor material ou imaterial, que é capaz de ser instrumento para uma relação jurídica.

2.2 – Bens Públicos

Continuando a construção do entendimento, analisar-se-á definição de bens públicos.

A expressão bens públicos pode ser entendida em duplo sentido, ora designando um valor material ou imaterial que pode ser objeto de direito relativamente ao seu proprietário (União, Estado, Distrito Federal ou Municípios), ora poderá ser entendida de acordo com seu usuário, ou seja, bem usado pelo povo. (GASPARINI 2012, p. 957).

Para Hely Lopes Meirelles (2004 apud GASPARINI 2012, p. 956), bens públicos são:

Todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 904), por sua vez, vai além, inserindo no rol não somente os bens que compõe o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, mas também os que estiverem afetados à prestação de serviços públicos, mesmo se pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado.

Diogenes Gasparini, (2012, p. 957) entende que bens públicos “são todas as coisas matérias ou imateriais pertencentes ou não às pessoas jurídicas de Direito Público e as pertencentes a terceiros quando vinculadas à prestação de serviço público”.

Nessa esteira torna-se fácil concluir que alguns elementos do conceito de bens públicos foram excluídos pela redação do artigo 98 do Código Civil Brasileiro. Assim, estabelece a Lei no artigo em comento:

Art. 98 - São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.       

Em síntese, bens públicos são todos aqueles bens que, pertencem às pessoas jurídicas de direito público, e os que mesmo pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado, estejam afetados à prestação de certo serviço público.

2.3 – Classificações dos Bens Públicos

Consonante com o artigo 99 do Código Civil os bens públicos possuem as seguintes classificações abordadas abaixo.

Primeiramente os Bens de uso comum, que são todos aqueles móveis e imóveis destinados ao uso de todas as pessoas.

Depois os Bens de uso especial que são os “afetados a um serviço ou estabelecimento público, como as repartições públicas, isto é, locais onde se realiza a atividade pública ou onde está à disposição dos administrados um serviço público, como teatros, universidades, museus e outros abertos à visitação pública”. (MELLO 2008, p. 904).

Por fim, os Bens dominicais que são os bens próprios do Estado que constituem o patrimônio deste como objeto de direito real. (MOTTA 2004, p. 988).

Dispõe o artigo 99 do Código Civil:

Art. 99 – São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III – os dominicais, que constitui o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal ou real, de cada uma dessas entidades;

Parágrafo Único – Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.  

Deve-se relembrar que tanto os bens de uso comum, quanto os de uso especial, são por força de Lei inalienáveis; ou seja, enquanto permanecerem afetados pelo uso da Administração Pública eles não são passíveis de alienação.

Nesse sentido, dispõe o artigo 100 do Código Civil/2002:

Art. 100 - Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Outrora, os bens dominicais já estão inseridos no rol de bens, observadas as exigências legais que podem ser alienáveis. Assim estabelece o artigo 101 do Código Civil:

Art. 101 - Os bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

De todo modo, vale frisar que, em regra, a alienação de bem público deve realizar-se conforme os mandamentos legais, ou seja, deverá ser precedida de avaliação e do devido procedimento licitatório, imposto pela Lei n. 8.666/93.

2.4 – Quanto à Disponibilidade dos Bens

Os bens públicos podem ser indisponíveis, patrimoniais indisponíveis ou patrimoniais disponíveis. 

 São Bens indisponíveis os de uso comum do povo, aqueles que não ostentam caráter patrimonial. Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 1166) bens indisponíveis são:

Os bens de uso comum do povo, porquanto se revestem de característica não patrimonial. Incluem-se, então, os mares, os rios, as estradas, as praças e lougradoros, o espaço aéreo etc., alguns deles, é óbvio, enquanto mantiverem essa destinação.      

Os Bens patrimoniais indisponíveis são aqueles que possuem caráter patrimonial, porque, mesmo sendo indisponíveis, admitem em tese uma correlação de valor, sendo, por isso, suscetíveis de avaliação pecuniária. (C. FILHO 2014, p.1166). 

Em suma são aqueles bens que estão sendo efetivamente utilizados para a atuação da Administração Pública, o que não impede, como já dito, que eles sejam avaliados de forma pecuniária, mas não estão disponíveis. Esses bens são aqueles chamados bens de uso especial.

Já os Bens patrimoniais disponíveis são os dominicais, pois nem são destinados à coletividade nem estão sendo efetivamente utilizados pela Administração Pública. Por esse motivo eles podem ser alienados de acordo com a lei e normas pré-fixadas.

2.5 – Afetação e Desafetação

A interpretação do tema exposto a seguir é determinante para verificar os fins aos quais está sendo utilizado o bem.

Se um bem está sendo utilizado para determinado fim público, seja diretamente do Estado, seja pelo uso dos indivíduos em geral, diz-se que está afetado a determinado fim público. (C. FILHO 2014, p. 1167). Ainda nesse sentido, “afetar é atribuir ao bem uma destinação; é consagrá-lo ao uso comum do povo ou ao uso especial”. (GASPARINI 2012, p. 963).

Segundo Fernanda Marinela (2013, p. 846) “o instrumento da afetação dá maior proteção aos bens públicos em razão de sua vinculação à finalidade pública, transformando-o em indisponível, inalienável”.

Por outro lado, a desafetação é o não uso do bem para qualquer fim público. É a desativação, a perda da destinação pública.

Afetação e desafetação são os fatos administrativos que indicam a modificação das finalidades do bem público. Se o bem está afetado e passa a desafetado, ocorre a desafetação; se, ao revés, um bem desativado passa a ter alguma utilização pública, poderá dizer-se que ocorreu afetação. (C. FILHO 2014, p, 1167).

Vale consignar que a desafetação de um bem público deve se dar por meio de procedimento administrativo formal que culmine com a elaboração de decreto de desafetação.

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2.6 – Regime Jurídico dos Bens

Algumas características tipificam e diferenciam os bens públicos. São elas: inalienabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade e não onerabilidade. A análise destes atributos, sobretudo a inalienabilidade, é relevante para a orientação do tema em análise, pelo que seguem considerações sucintas sobre os mesmos.

É de suma importância compreender que, como pode os bens públicos caracterizar-se como inalienáveis, enquanto a própria Lei 8.666/93 destina um capítulo no qual regula sobre as alienações de bens públicos móveis e imóveis? É a partir desta indagação que nota-se com clareza, que não há como falar de inalienabilidade, mas sim de uma possível alienabilidade condicionada as regras aludidas na referida disciplina normativa.

A alienação de um bem público está condicionada à função que o mesmo destina-se atualmente. Assim, podemos concluir que, se um bem está afetado para um fim da Administração Pública, este bem não é passível de alienação, em contra partida, não é menos certo que, na maioria das vezes, podem ser alteradas tais situações em que se encontram os bens de modo a tornar possível a alienação. Desta maneira, os bens de uso comum do povo e o de uso especial se forem desafetados podem-se tornar bens dominicais e por esse motivo passam a ser passíveis de alienação.

Anota-se, à guisa de complementação, que alienação é um fato jurídico. “Indica a transferência da propriedade de determinado bem móvel ou imóvel de uma pessoa para outra”. (CARVALHO FILHO 2014, p. 1169). Além do mais, consigna-se que a alienação pode ser gratuita (doação) ou onerosa (compra e venda).

Portanto, conectando ao tema central do presente trabalho, tem-se que os bens públicos desafetados podem ser alienados em regra por meio de processo administrativo de licitação, mas, excepcionalmente, conforme restará demonstrado, referidos bens podem inclusive serem alienados diretamente, ou seja, sem um procedimento de licitação.

A impenhorabilidade resguarda os bens públicos de serem penhorados, assim define o inciso I do artigo 649 do Código de Processo Civil Brasileiro, in verbis:

Art. 649 - São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução.

A isto, agrega-se o previsto no artigo 100 da Constituição Federal que exclui, de modo implícito, a penhora sobre qualquer bem público, ao determinar regime especial de execução em face da Fazenda Pública.

A imprescritibilidade significa que os bens públicos não podem ser suscetíveis de usucapião. Ao disciplinar tal norma, quer-se, dessarte, imunizar o bem do próprio descaso administrativo. Há entendimentos controversos sobre o tema; alguns fundamentam em face do princípio constitucional da função social da propriedade, outrora, há entendimentos no sentido de que “os bens dominicais seriam usucapivéis e que o artigo 188 da Constituição Federal, por ter se referido conjuntamente a terras públicas e terras devolutas teria criado outra categoria de bens públicos, admitindo o usucapião dessas ultimas”. (C. FILHO 2014, p. 1172).

Onerar um bem significa deixá-lo como garantia para o credor no caso de inadimplemento da obrigação. No direito público, não podem bens públicos ser gravados com esse tipo de direitos reais em favor de terceiros, daí a não onerabilidade. (C. FILHO 2014, p. 1173).

Diogenes Gasparini (2012, p. 967) informa que:

Só quem pode alienar a propriedade pode hipotecar, dar em anticrese e empenhar, conforme estatui o artigo 1.420 do Código Civil, e referidas autoridades não são, seguramente, as proprietárias desses bens.

Ademais, o regime jurídico dos bens públicos é utilizado como ferramenta de proteção ao patrimônio público, além do mais, através deles se determinam quais as regras aplicáveis a esses bens, quais os rigores e proteções que terão que ser observados.

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Sobre os autores
André Luiz Peruhype Magalhães

Advogado. Mestre em Direito Público pela FUMEC. Professor Universitário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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