5. TRABALHO REMUNERADO DE RELIGIOSOS E FIÉIS LEIGOS
Os religiosos e fiéis leigos muitas vezes não se dedicam exclusivamente a atividades de caráter espiritual, mas também a atividades de assistência e ensino. Tais atividades podem ser consideradas como extensão de sua vocação. Ou seja, fazem, na maioria das vezes, parte da própria missão do religioso. Nesse caso, há de se perquirir se o trabalho será voluntário ou haverá um contrato de trabalho. As duas hipóteses são plausíveis, ficando a critério de escolha da instituição. Optando-se pela assinatura do termo de adesão, afasta-se a existência do contrato de trabalho.
A respeito do tema, são preciosas as lições do brilhante Ives Gandra da Silva Martins:
Para essas hipóteses de serviço de caráter não estritamente espiritual, prestado por religiosos ou leigos para as próprias instituições a que pertencem ou a outras, quando se fizer com sentido de serviço abnegado ao próximo, sem busca de uma retribuição terrena, é que se reconheceu na legislação brasileira e estrangeira, a modalidade do trabalho voluntário, distinto do contrato de trabalho remunerado. No entanto, podem as congregações religiosas dispor de outro modo, no que diz respeito a essas atividades educativas, hospitalares e assistenciais. Somente nessa hipótese, de contratação e remuneração, é que se poderá falar em vínculo empregatício de religioso. Seria exemplo dessa espécie o padre de carteira assinada como professor num colégio ou Universidade Católica.22
Assim, há que se distinguirem duas hipóteses. A primeira é a dos religiosos prestando serviços não exclusivamente espirituais, com fins educacionais ou de assistência. Nesse caso, é possível admitir a modalidade de trabalho voluntário ou o reconhecimento de vínculo de emprego, com carteira assinada. Esta última hipótese é a mais comum na prática. A segunda envolve fiéis leigos prestando serviços de caráter não exclusivamente espiritual. Isto é, são profissionais que se encontram na consecução de atividades- meio indispensável para a concretização da atividade- fim. Neste caso, também é possível admitir o reconhecimento do vínculo empregatício ou a assinatura do termo de adesão, configurando trabalho voluntário.
Entretanto, existe uma diferença fundamental entre as duas hipóteses . No caso do trabalho dos religiosos, no silêncio da congregação religiosa, o trabalho é gratuito, mesmo que não haja assinatura de termo de adesão, pois já foi mencionado que o trabalho dos religiosos independe da formalidade da assinatura do termo de adesão para afastar o vínculo de emprego. Já na segunda hipótese, no silêncio, o trabalho seguirá o regime trabalhista da CLT. Ou seja, adota-se o regime trabalhista, se não for disposto em contrário, por meio da assinatura do termo de adesão do trabalho voluntário.
A respeito do tema, comenta o ilustre ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra da Silva Martins Filho:
Nesta hipótese, a instituição religiosa enquandra-se na categoria de empregador, equiparando-se a instituição beneficente ou sem fins lucrativos que assalaria e dirige prestação pessoal de serviços em caráter não eventual e remunerado ( CLT, art. 2º, §1º). Os asilos, hospitais e instituições de ensino primário, médio ou superior ligados a congregações religiosas são típicas entidades, que, inclusive para o atendimento de sua atividade – fim, contam com pessoal assalariado, caso expressamente não empreguem seu esforço em caráter voluntário, com assinatura do “termo de adesão” da Lei n. 9608/98.23.
A magnífica juíza do trabalho Vólia Bomfim Cassar também discorre sobre o tema:
A igreja pode ser considerada por alguns como intocável, ou do “outro mundo”. Mas a realidade jurídica é algo deste mundo e regida pelas leis terrenas. A igreja é considerada pessoa jurídica de direito privado pelo Código Civil – art. 44, I, CC, logo, pode ser empregadora. Aliás, a CLT não distingue entre o empregador que explora atividade lucrativa daquele que tem finalidade beneficente ou sem finalidade econômica ou lucrativa – art. 2º, CLT.24
A jurisprudência trabalhista já se pronunciou a respeito do tema:
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. COBRADORA DE DÍZIMO. Reclamante que cobrava o dízimo dos paroquianos freqüentadores da Igreja Cristo Redentor. Prova oral que evidencia a existência dos elementos caracterizadores da relação de emprego, elencadas no artigo 3º da CLT. Atividade de cobrança desenvolvida pela reclamante por 15 anos, de forma contínua, pessoal, onerosa, e subordinada. Recolhimentos que vinham beneficiar a Mitra da Arquidiocese de Porto Alegre. Recurso provido, para reconhecer a existência de vínculo de emprego entre as partes, determinando o retorno do feito à Vara de origem para apreciação dos demais pedidos articulados na petição inicial. (...)25
6. CONCLUSÃO
O Acordo Brasil – Santa Sé contemplou no art. 16 o aspecto trabalhista no âmbito das relações entre organização religiosas e religiosos, consolidando o entendimento jurisprudencial sobre o tema.
O art. 16 do tratado internacional explicita a inexistência de vínculo de emprego entre os ministros do culto ou fiel consagrado e suas instituições religiosas, dispondo sobre uma exceção: o desvirtuamento da instituição religiosa. Nessa hipótese, tornar-se-á possível o reconhecimento do vínculo empregatício.
A concorda também tratou do trabalho voluntário, reconhecendo, entretanto, que deve ser observado o disposto na legislação trabalhista brasileira. A Lei nº 9608/98 regulamenta o tema.
Enfim, o art. 16 do referido Acordo consubstancia entendimento doutrinário e jurisprudencial que já era aplicado pelos tribunais brasileiros.
Notas
1 Barros. Alice Monteiro de. Trabalho Voluntário e Religioso. Academia Paranaense de Estudos Jurídicos. Artigos de Doutrina. Acervo Eletrônico doado ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Disponível em : http://www.trt9.jus.br/apej/artigos_doutrina_amb_07.asp. Acesso em : 8 de Agosto. 2013.
2 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Art. 16. O acordo Brasil-Santa Sé e a laicidade do Estado: aspectos relevantes. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; BALDISSERI, Lorenzo (Coord.). Acordo Brasil-Santa Sé comentado. São Paulo: LTr, 2012. p. 368..
3 RIBEIRO. Roberto Victor Pereira. Considerações sobre o “trabalho” dos religiosos. Revista Âmbito Jurídico. Rio Grande, RS. Publicado em 01/04/09. Nº 63 - Ano XII - abril/2009. Disponível em : http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6060&revista_caderno=25. Acesso em 8 de Agosto. 2013.
4 TRT - PR-RO-01716/92 (Ac. 2ª T. 10.277/93) - Rel.: Juiz Ernesto Trevizan, DJPR, 17.09.93, p. 239. Julgados Trabalhistas Selecionados. v. III. Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins. São Paulo: LTr, p. 610.
5 RO 01139-2004-101-04-00-5 – TRT 4a Região – Relator Juiz João Alfredo B. A. De Miranda – Publicado no DORGS em 02/06/2006.
6 RO. 14322 – TRT 1º Região – 4º Turma – Relator Juiz Raymundo Soares de Matos – Publicado no DORJ 08/10/02.
7 TRT-14 - RO: 768 RO 0000768, Relator: DESEMBARGADORA ELANA CARDOSO LOPES, Data de Julgamento: 06/07/2011, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.124, de 07/07/2011.
8 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Art. 16. O acordo Brasil-Santa Sé e a laicidade do Estado: aspectos relevantes. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; BALDISSERI, Lorenzo (Coord.). Acordo Brasil-Santa Sé comentado. São Paulo: LTr, 2012. p. 372-373..
9 FILHO FRAGALE. Roberto , 1999, apud CARVALHO, Jorge. Relação jurídica entre religiosos e instituições religiosas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2881, 22 maio 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19169>. Acesso em: 8 de Agosto.2013.
10 BRASIL. TST - 4.ª Turma. AIRR 3652-2002-900-05-00. Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho, DO 09-05-200311BRASIL. TRT da 11.ª Região. RO – 27889/2002-002-11-00. Relator: Juiz Eduardo Barbosa Penna Ribeiro. Publicado no DJAM em 10/12/2003).
12 BRASIL. TRT da 9.ª Região. RO 6939/2001–12514/2002. Relator: Juiz Ney Jose de Freitas. €€DJ-PR 03.06.2002
13 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Art. 16. O acordo Brasil-Santa Sé e a laicidade do Estado: aspectos relevantes. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; BALDISSERI, Lorenzo (Coord.). Acordo Brasil-Santa Sé comentado. São Paulo: LTr, 2012. p. 379.
14 Barros. Alice Monteiro de. Trabalho Voluntário e Religioso. Academia Paranaense de Estudos Jurídicos. Artigos de Doutrina. Acervo Eletrônico doado ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Disponível em : http://www.trt9.jus.br/apej/artigos_doutrina_amb_07.asp. Acesso em : 8 de Agosto. 2013
15 BRASIL. Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o trabalho voluntário. Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9608.htm. Acesso em : 8 de Agosto. 2013.
16 Barros. Alice Monteiro de. Trabalho Voluntário e Religioso. Academia Paranaense de Estudos Jurídicos. Artigos de Doutrina. Acervo Eletrônico doado ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Disponível em : http://www.trt9.jus.br/apej/artigos_doutrina_amb_07.asp. Acesso em : 8 de Agosto. 2013
17 CARVALHO, Jorge. Relação jurídica entre religiosos e instituições religiosas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2881, 22 maio 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19169>. Acesso em: 8 de Agosto.2013.
18 TRT - 3ª Reg. 3ª T. RO 786/91. Rel.: Juíza Ana Etelvina Lacerda Barbato. MT 7.2.92. Revista TRT 3ª Reg., v. 22, n. 51, julho 91/92, p.
19 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Art. 16. O acordo Brasil-Santa Sé e a laicidade do Estado: aspectos relevantes. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; BALDISSERI, Lorenzo (Coord.). Acordo Brasil-Santa Sé comentado. São Paulo: LTr, 2012. p. 981.
20 Ibidem. p. 382.
21 TRT - 3ª Região. 16/67. Rel.: Juiz Cândido Gomes de Freitas). Ac. 19.5.67 - Rev. LTr 32/63.
22 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Art. 16. O acordo Brasil-Santa Sé e a laicidade do Estado: aspectos relevantes. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; BALDISSERI, Lorenzo (Coord.). Acordo Brasil-Santa Sé comentado. São Paulo: LTr, 2012. p. 384.
23 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Art. 16. O acordo Brasil-Santa Sé e a laicidade do Estado: aspectos relevantes. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; BALDISSERI, Lorenzo (Coord.). Acordo Brasil-Santa Sé comentado. São Paulo: LTr, 2012. p. 385.
24 CASSAR, Vólia Bonfim apud CARVALHO, Jorge. Relação jurídica entre religiosos e instituições religiosas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2881, 22 maio 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19169>. Acesso em: 8 de Agosto.2013.
25 TRT-4 - RO: 25000819985040023 RS 0002500-08.1998.5.04.0023, Relator: PEDRO LUIZ SERAFINI, Data de Julgamento: 12/07/2000, 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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