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Breve notas sobre o artigo 16 do Acordo Brasil – Santa Sé: aspectos dogmáticos e jurisprudenciais

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21/05/2017 às 18:52
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Analisa-se o artigo 16 do Acordo Brasil – Santa Sé, apresentando as questões polêmicas no âmbito trabalhista e destacando a natureza jurídica peculiar do trabalho religioso e a consequente não incidência do direito do trabalho.

1. INTRODUÇÃO

A atividade religiosa apresenta o atributo da espiritualidade, fator que a torna singular. A religião tem a função de estabelecer o vínculo entre o humano e o divino. A própria origem da palavra, do latim religare, que significa religar, denota a sua finalidade.

A natureza jurídica da atividade religiosa é espiritual, não podendo ser considerada de caráter profissional, posição que foi acolhida no Acordo Brasil-Santa Sé no seu art. 16, ao se explicitar a inexistência de vínculo de emprego entre os ministros do culto ou fiel consagrado e suas instituições religiosas.

A doutrina francesa apresenta rico debate sobre a natureza jurídica da atividade religiosa desenvolvida por ministros de cultos ou fiéis consagrados. Para a maioria dos autores, a atividade religiosa não caracteriza contrato de trabalho com a organização religiosa, pois não há o caráter da profissionalidade, mas sim dedicação de cunho espiritual e em caráter comunitário, o que seria incompatível com a existência de contrato de trabalho, que pressupõe atividade suscetível de ser avaliada economicamente.

As atividades religiosas desempenhadas por padres, clérigos, monges e freiras não podem ser objeto de regulamentação pelo direito do trabalho, pois envolvem deveres religiosos e não jurídicos e estão associadas ao cumprimento dos objetivos da igreja.

Assim, inexiste relação trabalhista entre ministros eclesiásticos e a organização religiosa a qual se encontram vinculados, em face das peculiaridades das atividades por eles desempenhadas, de cunho espiritual, não dotada de caráter patrimonial, e, portanto, econômico. Logo, não há vínculo contratual, não sendo possível a incidência do direito do trabalho nessa seara. A atividade religiosa desenvolvida por eclesiásticos corresponde ao cumprimento de deveres religiosos que permitem a consecução do fim da igreja, sendo objeto de regulação pelo direito canônico.

Nesse sentido, o art. 16 da concordata contemplou aspecto que já era objeto de discussão na doutrina e na jurisprudência. Na verdade, o art. 16 consolidou o entendimento da jurisprudência trabalhista sobre o tema. Ou seja, antes mesmo do advento do Acordo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e os tribunais regionais decidiam no sentido de inexistência de vínculo, como regra geral.


2. A INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO DOS MINISTROS SAGRADOS E RELIGIOSOS

Como já foi mencionado, o art. 16 do Acordo dispõe inexistir vínculo de emprego entre religiosos e a organização religiosa, adotando como argumentos o caráter peculiar da atividade religiosa e beneficente da Igreja Católica. Ou seja, reforça-se aqui o argumento retro apresentado sobre o caráter espiritual e vocacional da atividade religiosa, insuscetível de ser avaliável economicamente, não podendo assim ser configurada como um contrato.

A respeito do tema, são pertinentes as brilhantes lições da professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Alice de Barros Monteiro:

O trabalho de cunho religioso não constitui objeto de um contrato de emprego, pois sendo destinado à assistência espiritual e à divulgação da fé, ele não é avaliável economicamente. Ademais, nos serviços religiosos prestados ao ente eclesiástico, não há interesses distintos ou opostos, capazes de configurar o contrato; as pessoas que os executam, o fazem como membros da mesma comunidade, dando um testemunho de generosidade, em nome de sua fé. Tampouco pode-se falar em obrigação das partes, pois, do ponto de vista técnico, aquela é um vínculo que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa em proveito de outrem. Esse constrangimento não existe no tocante aos deveres da religião, aos quais as pessoas aderem, espontaneamente, imbuídas do espírito de fé. Em conseqüência, quando o religioso, seja frei, padre, irmã ou freira, presta serviço por espírito de seita ou voto, ele desenvolve profissão evangélica à comunidade religiosa a que pertence, estando excluído do ordenamento jurídico-trabalhista, ou seja, não é empregado. Isto porque há uma relação causal direta com o cumprimento dos votos impostos pela ordem religiosa e uma presunção de gratuidade da prestação, que é disciplinada pelo direito canônico, no caso da Igreja Católica Apostólica Romana.1

O desempenho da atividade religiosa se faz no sentido de desempenho de uma missão, de uma vocação, de cunho desinteressado e nunca por uma retribuição terrena. Ou seja, há uma incompatibilidade entre o caráter da atividade religiosa e o reconhecimento de seu caráter profissional, pois a atividade religiosa não ocorre na dimensão material, mas sim espiritual. Assim, a atividade religiosa apresenta natureza jurídica própria de modo que não gera vínculo de emprego, não se configurando a existência de um contrato de trabalho, como regra geral.

A respeito do tema, o eminente ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva  Martins Filho , preceitua:

Todas as atividades de natureza espiritual desenvolvidas pelo clero, tais como  administração dos sacramentos (batismo, crisma, celebração de Missa, atendimento de confissão, extrema unção, ordenação sacerdotal ou celebração do matrimônio) ou pregação da Palavra Divina e divulgação da fé ( sermões, retiros, palestras , visitas pastorais, etc. ), não podem ser consideradas serviços a serem retribuídos mediante bens espirituais e materiais, e os que se dedicam às atividades de natureza espiritual o fazem com sentido de missão, atendendo a um chamado divino e nunca por uma remuneração terrena. Admitir o contrário seria negar a própria natureza da atividade realizada. 2

 Para Roberto Victor Pereira, “a jurisprudência e a doutrina atual vêm entendendo que labor de caráter religioso não se constitui em vínculo de emprego, uma vez que o ofício do religioso é prestar auxílio espiritual e assistir a comunidade nos seus anseios, além de divulgar a fé que acredita”. 3

Essa é a orientação predominante no passado como também na atualidade: sendo a atividade de natureza espiritual, relacionada aos sacramentos, não há dúvida que é regida pelo direito canônico, inexistindo contrato de trabalho. Assim, um padre que se desliga da instituição não pode, em regra, ingressar na Justiça do Trabalho pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício, pois a atividade por ele desenvolvida não se enquadra no âmbito do art. 3º da CLT. Além disso, pelo fato da atividade ser de natureza espiritual, falta o ânimo de contratar, ou melhor, de estabelecer o vínculo empregatício.   Assim, o vínculo empregatício e a aplicação da CLT estão associados a atividades não exclusivamente espirituais. Será visto a seguir que existe uma hipótese excepcional de reconhecimento do vínculo nessa seara espiritual: o desvirtuamento da instituição religiosa.

A jurisprudência trabalhista, em consonância com a doutrina e com o disposto no Acordo Brasil – Santa Sé, tem se manifestado:

RELIGIOSA. NÃO RECONHECIMENTO. Vínculo empregatício. Religiosa. A religiosa que se dedica durante 28 anos, na condição de noviça e depois de freira, às atividades próprias da Congregação das Irmãs Filhas de Caridade de São Vicente de Paula, não pode ser considerada empregada da congregação da qual também é parte. A ausência de pagamento de salário durante quase três décadas, a natureza do trabalho desenvolvido, não configura a presença dos requisitos do art. 3º da CLT. Relação de emprego não reconhecida. Recurso da reclamante a que se nega provimento. 4

VÍNCULO DE EMPREGO. ATIVIDADE RELIGIOSA. O exercício de atividade religiosa diretamente vinculada aos fins da Igreja não dá ensejo ao reconhecimento de vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º da CLT. Recurso do reclamante a que se nega provimento.5

O mesmo raciocínio se aplica para pastor e missionários no âmbito das igrejas evangélicas:

PASTOR EVANGÉLICO. RELAÇÃO DE EMPREGO. Inexiste vínculo de emprego entre o ministro de culto protestante – pastor – e a igreja, pois o mesmo como órgão se confunde com a própria igreja. 6

RECURSO ORDINÁRIO. TRABALHO RELIGIOSO. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A atividade de pastor decorre de vocação divina, tendo caráter tipicamente espiritual, não constituindo, portanto, objeto de contrato de emprego. Recurso não provido. Sentença mantida. 7


3.  O DESVIRTUAMENTO DO SERVIÇO RELIGIOSO: A EXCEÇÃO PREVISTA NO ACORDO BRASIL – SANTA SÉ

O art. 16 do Acordo Brasil- Santa Sé prevê como exceção à regra de inexistência  do vínculo empregatício entre religiosos e a respectiva organização religiosa o desvirtuamento do serviço religioso.

Trata- se de hipótese em que o serviço religioso é utilizado como véu para encobrir os fins lucrativos e empresariais da instituição. Ou seja, utiliza-se o serviço espiritual não como um fim em si mesmo, mas como um meio para atingir escopo econômico e lucrativo. Em outras palavras, a instituição religiosa atua como empresa, utilizando-se dos serviços espirituais como meio de obter lucro.

Com o brilhantismo que lhe é peculiar, Ives Gandra da Silva Martins Filho comenta sobre o tema:

Pode haver, mas graças a Deus são casos isolados, desvirtuamento da vocação religiosa, reduzindo-a a um mero serviço à comunidade, desvinculado de sua perspectiva sobrenatural. A partir do momento em que se perde a fé, a atividade religiosa passa a ser encarada como uma visão meramente terrena e o religioso perde suas raízes. 8

Para Ives Gandra da Silva Martins Filho, duas situações devem ser diferenciadas o desvirtuamento do religioso e o desvirtuamento da instituição. No primeiro, o religioso perdeu o sentido sobrenatural e espiritual de sua missão e ao se desligar dela busca uma remuneração pelos anos de dedicação. Nesse caso, não se permite o reconhecimento de uma relação de emprego com a Instituição à qual se filiou dada a unidade que caracteriza a instituição, isto é, os membros da ordem religiosa se confundem com a própria instituição. No segundo, é a instituição e não o religioso que se desvirtua. Ou seja, perde-se o sentido da difusão da fé como um fim em si mesmo, de modo que se estabelece um comércio de bens espirituais. Ou seja, o aspecto espiritual é um meio para obtenção de lucro.

A respeito do tema, o professor da Universidade Federal Fluminense, Roberto Fragale Filho discorre:

Verifica-se, portanto, que a expansão religiosa, em particular dos evangélicos, decorre de um processo de inserção mercadológica, o qual transforma a fé em produto a ser adquirido em velhos cinemas, agora convertidos em templos religiosos. Assim, nesta competição por nichos de mercado, nada mais natural que tais igrejas apresentem uma organização interna empresarial, exigindo de seus pastores lucro e produtividade, além de oferecerem vantagens indiretas, tais como moradia, alimentação, seguro saúde, veículo e telefone celular. A própria carreira eclesiástica, em tais igrejas, ganha ares de ascensão funcional: obreiro, presbítero, pastor, bispo. 9

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Só quando há o desvirtuamento da instituição religiosa é que se pode reconhecer  o vínculo empregatício, uma vez presentes os requisitos do mesmo: onerosidade, habitualidade, subordinação e pessoalidade.

A respeito do tema, a jurisprudência trabalhista já se manifestou:

Apenas no caso de desvirtuamento da própria instituição religiosa, buscando lucrar com a palavra de Deus, é que se poderia enquadrar a igreja evangélica como empresa e o pastor como empregado [...].10

VÍNCULO EMPREGATÍCIO – CARACTERIZAÇÃO – PASTOR EVANGÉLICO. Em princípio, a função de pastor evangélico é incompatível com a relação de emprego, pois visa a atividades de natureza espiritual e não profissional. Porém, quando desvirtuada passa a submeter-se à tipificação legal. Provado o trabalho do reclamante de forma pessoal, continua, subordinada e mediante retribuição pecuniária, tem-se por caracterizado o relacionamento empregatício nos moldes do art. 3º da CLT .11

RELAÇÃO DE EMPREGO – PASTOR EVANGÉLICO – Na atualidade, em que a expansão da religiosidade não se limita a um fim exclusivo, a função do pastor supera essa fronteira natural, pela necessidade de verdadeiro espírito empreendedor, dentro de uma organização empresarial moderna em que as igrejas pentecostais transformam-se, com exigência constante de lucro e produtividade dos pastores que ajudam a construir verdadeiros impérios, circunstância que retira, a mais não poder, o espírito de gratuidade que norteava essas relações, anteriormente. Recebendo o pastor pelos serviços prestados, inclusive aqueles que escapam aos limites da religiosidade, é razoável concluir que as relações entre pastor e igrejas às quais serve configuram, ao exato teor do art. 3º da CLT, vínculo de emprego, que resta, nesta oportunidade, reconhecido.12


4.   O TRABALHO VOLUNTÁRIO DE RELIGIOSOS E DE FIÉIS LEIGOS

O art. 16 do Acordo Brasil – Santa Sé dispõe, no inciso II, que as tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira Quanto esta última, regulamenta o tema na Lei n. 9608/1998, conhecida como Lei do Serviço Voluntário, justamente por ter por objeto de regulamentação o serviço voluntário.

A respeito do tema, comenta Ives Gandra da Silva Martins Filho:                             

Em fevereiro de 1998, foi editada a Lei n. 9608/1998, para colocar uma pá de cal nas discussões de membros ou colaboradores de confissões religiosos que, dedicando-se voluntariamente ao serviço dessas instituições, pretendiam , depois, o reconhecimento de vínculo empregatício quando deixavam de se dedicar a elas, buscando um ressarcimento pelo tempo que a elas dedicaram.13

A magnífica Alice de Barros Monteiro acrescenta:

O trabalho voluntário, objeto desse estudo, não se encontra sob o domínio do direito do trabalho; ele tem um caráter de benevolência. Entretanto, como, em regra, o direito desconfia desses atos gratuitos, porque geralmente são realizados com escopo fraudulento, o legislador veio disciplinar essa forma de trabalho, que constitui o conteúdo de um contrato de serviços gratuitos.

O trabalho voluntário existe no Brasil há cinco séculos ([5]), apontando-se como marco inicial dessa atividade a fundação da Santa Casa de Misericórdia da então vila de Santos, capitania de São Vicente, em 1543. Nos séculos XVII e XVIII, a maioria das entidades filantrópicas era ligada à Igreja Católica e a presença do Estado só se tornou significativa a partir de 1930, fortalecendo-se, em 1942, com a criação da LBA (Legião Brasileira de Assistência). Em 1995, cria-se a Comunidade Solidária para substituir a extinta LBA. Mais da metade (58%) dos voluntários são vinculados a instituições religiosas.14

Dispõem a Lei do Serviço Voluntário:

Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.

Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.

Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.

Art. 3º O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.

Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço voluntário. 15

O Brasil disciplinou o trabalho voluntário inspirando-se no direito italiano. O conceito de trabalho voluntário pressupõe todo labor realizado em caráter gratuito e com fins solidários. Ressalta-se que a qualificação do trabalhador e existência ou não de fiscalização de seu trabalho são irrelevantes para a configuração do trabalho voluntário. O importante é o caráter da gratuidade, que deve ser formalizado pela assinatura do termo de adesão.

A eminente doutrinadora Alice de Barros Monteiro apresenta brilhantes lições a respeito do tema:

Apesar da Lei 9.608/98 ter “estremecido os alicerces” do art. 2º, § 1º da CLT, que estendia o vínculo empregatício aos que prestassem serviços em entidade de beneficência, entendemos, entretanto, que à semelhança da lei italiana, o legislador brasileiro não exauriu todas as hipóteses de trabalho gratuito e voluntário que possam ocorrer, entre os quais o serviço religioso.16

A respeito do tema, comenta Jorge Carvalho em notável artigo:

Muitas atividades religiosas são exercidas por pessoas totalmente desinteressadas por qualquer contraprestação financeira, quer pelo fato de não necessitarem de fonte de renda própria, quer por possuírem fonte de renda e também tempo extra para exercer trabalho religioso em suas diversas formas. Tais atividades podem ser enquadradas como trabalho voluntário, desde que exercidas na forma determinada pela Lei n.º 9.608/98, cujos requisitos essenciais são os seguintes: prestado por pessoa física, destinado a entidades públicas de qualquer natureza ou a instituições privadas sem fins econômicos, executado mediante assinatura de termo de adesão e sem remuneração.17

A jurisprudência trabalhista já decidiu a respeito do tema:

TRABALHO VOLUNTÁRIO A COMUNIDADE RELIGIOSA. Não é empregada a pessoa que, de forma espontânea e voluntária, presta serviços à comunidade religiosa local. O fato de trabalhar sem remuneração durante o período já constitui fator relevante para se rejeitar a pretensão de ver reconhecido um vínculo empregatício. 18TRT - 3ª Reg. 3ª T. RO 786/91. Rel.: Juíza Ana Etelvina Lacerda Barbato. MT 7.2.92. Revista TRT 3ª Reg., v. 22, n. 51, julho 91/92, p. 342.

Ressalta-se que a Lei n 9608/98 exige forma específica para a caracterização do trabalho voluntário: assinatura do termo de adesão. Caso contrário, corre-se o risco de futuramente o colaborador postular o reconhecimento do vínculo de emprego na Justiça do Trabalho. Assim, o termo de adesão é o elemento caracterizador do trabalho voluntário.

A respeito do tema, preconiza Ives Gandra da Silva Martins Filho :

Para que não se possa ter a relação entre o ente público ou privado e a pessoa que presta o serviço voluntário como de emprego, é necessário que o ente ao qual se presta o serviço obtenha do seu colaborador a assinatura do termo de adesão de que cogita o art. 2º da Lei n. 9608/98. Do contrário, corre-se o risco de se ter o colaborador, futuramente, postulando o reconhecimento de vínculo de emprego e este sendo reconhecido, com base justamente na ausência de termo de adesão, quando a gratuidade da prestação dependia dessa adesão, mormente depois que editada a Lei n.9808/98.

É lógico que o “termo de adesão “ caracterizador do serviço voluntário diz respeito exclusivamente aos colaboradores das instituições religiosas. Os membros dessa instituições (padres, monges, pastores, etc) não necessitam assinar tal instrumento jurídico em relação aos serviços de natureza espiritual, assistencial ou educativa que prestam no âmbito da instituição, uma vez que a natureza própria dessa instituição é distinta de qualquer relação de trabalho a ser diferenciada explicitada com assinatura do termo.19

Em, regra a assinatura do termo de adesão tem o escopo de afastar o vínculo de emprego, sendo importante medida de precaução. Contudo, aqueles que colaboram numa paróquia ou igreja, em virtude dos votos religiosos, não são necessária a assinatura do termo de adesão, pois a peculiaridade da atividade espiritual afasta o vínculo empregatício.

Os sacristães, organistas e campanários, já que o fazem não em decorrência de votos ou qualquer vínculo especial com a instituição religiosa, se colaborarem em caráter gratuito, fundamental será a assinatura do termo de adesão. Caso contrário, será caracteriza relação de emprego a ser regida pela CLT.

Nesse sentido, discorre Ives Gandra  da Silva Martins Filho:

Assim, nos caso de sacristães, organistas e campanários, que colaboram numa paróquia ou igreja, já que o fazem não em virtude dos votos ou por qualquer vínculo especial que os torne membros da instituição religiosa para a qual laboram, necessária será a assinatura do “termo de adesão” se a sua colaboração for em caráter gratuito, pois, do contrário, o trabalho por eles desenvolvido enquadrar-se-á na relação de emprego regulada pela CLT. Aliás, para aqueles que se dedicam preponderantemente a essa atividade, esse é o seu ganha pão, sendo o trabalho remunerado pela paróquia.20

Em consonância com a doutrina, a jurisprudência já decidiu:

O sacristão, desde que não esteja ligado a ordens, confrarias e irmandades por votos religiosos, é desenganadamente empregado, sujeito, pois, ao imperium das leis sociais-trabalhistas. A enunciação da proposição deriva do texto do § 1º do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.21

O art. 3º da Lei de Serviço Voluntário prevê a possibilidade de ressarcir o colaborador pelos gastos que efetivamente teve, desde que expressamente autorizadas pela entidade. Tal previsão buscou deixar claro que eventuais pagamentos feitos ao colaborador não descaracterizam a natureza gratuita do trabalho voluntário, pois tais pagamentos não têm natureza salarial, mas sim ressarcitória.

Por último, ressalta-se que o serviço voluntário é passível de desvirtuamento, caso em que será reconhecido o vínculo empregatício e direitos e verbas salariais. Ocorre quando forem exigidos serviços que não constem no termo de adesão.

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Sobre a autora
Lívia Azeredo Miranda

Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense ( 2016) , com ênfase em Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Previdenciário. Pós- Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido do Mendes. Pós- Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Verbo Jurídico. Concursada do TRF2, atuando em gabinete de desembargador como assistente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Lívia Azeredo. Breve notas sobre o artigo 16 do Acordo Brasil – Santa Sé: aspectos dogmáticos e jurisprudenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5072, 21 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54382. Acesso em: 2 nov. 2024.

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