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Taxa de incêndio em Minas Gerais:

mais um tributo inconstitucional

17/07/2004 às 00:00
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Os mineiros neste ano foram surpreendidos em seus lares e estabelecimentos comerciais com uma correspondência nada agradável, cujo conteúdo era a cobrança de uma tal "Taxa pela Utilização Potencial de Serviço de Extinção de Incêndio", mas que segundo os termos da mesma, poderia ser chamada de "taxa de desabamento, de afogamento, de resgate, de vistoria, de acidente doméstico...".

Criada pela lei estadual nº 14.938/03, a justificativa para a instituição desta taxa seria a aquisição e manutenção dos equipamentos necessários para uso dos bombeiros. O Governo Estadual alega que as contas públicas estão desequilibradas e devido a isto, nos Municípios que existe unidade operacional de execução do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, os proprietários ou possuidores a qualquer título de imóvel, respeitada as isenções previstas em lei, devem pagar a absurda taxa. Assim preceitua a lei, a qual transcrevemos seus principais pontos:

Art. 113 - A Taxa de Segurança Pública é devida:

IV - pela utilização potencial do serviço de extinção de incêndios.

(...)

§ 2º A receita proveniente da arrecadação da Taxa de Segurança Pública fica vinculada à Secretaria de Estado de Defesa Social, observado o disposto no § 3º deste artigo.

§ 3º O produto da arrecadação da taxa a que se refere a Tabela B anexa a esta Lei será aplicado, no percentual mínimo de 50% (cinqüenta por cento), no reequipamento da unidade operacional de execução do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais sediada no Município onde foi gerada a receita.

(...)

Art. 115. A Taxa de Segurança Pública tem por base de cálculo os valores expressos em UFEMG constantes nas Tabelas B, D e M anexas a esta Lei, vigentes na data do efetivo pagamento, observado o prazo legal.

§ 1º Para a cobrança das taxas a que se referem os subitens 1.2.1 a 1.2.4 da Tabela B, considerar-se-á a área do imóvel sob risco de incêndio e pânico, edificada ou não, excluídas as áreas destinadas a jardinagem, reflorestamento, mata nativa e as áreas consideradas impróprias por terem características geológicas ou topográficas que impossibilitem a sua exploração.

§ 2º A taxa prevista no item 2 da Tabela B terá seu valor determinado pelo Coeficiente de Risco de Incêndio, expresso em megajoules (MJ), que corresponde à quantificação do risco de incêndio na edificação, obtido pelo produto dos seguintes fatores:

I - Carga de Incêndio Específica, expressa em megajoules por metro quadrado (MJ/m2), em razão da natureza da ocupação ou uso do imóvel, respeitada a seguinte classificação:

a) residencial: 300 MJ/m2;

b) comercial ou industrial, conforme Tabela C-1 do Anexo C da NBR 14432 da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT -, observado o disposto nos §§ 3º a 6º deste artigo;

II - área de construção do imóvel, expressa em metros quadrados;

III - Fator de Graduação de Risco, em razão do grau de risco de incêndio na edificação, conforme a seguinte escala:

a) Carga de Incêndio Específica até 300 MJ/m2: 0,50 (cinqüenta centésimos) para a classe a que se refere o inciso I do § 3º deste artigo;

b) Carga de Incêndio Específica até 2.000 MJ/m2: 1,0 (um inteiro) para as classes a que se referem os incisos II e III do § 3º deste artigo;

c) Carga de Incêndio Específica acima de 2.000 MJ/m2: 1,50(um inteiro e cinqüenta centésimos) para as classes a que se referem os incisos II e III do § 3º deste artigo.

§ 3º Para os efeitos desta Lei, observado o disposto na Tabela B-1 do Anexo B da NBR 14432 da ABNT, classifica-se omo:

I - residencial a edificação com ocupação ou uso enquadrada no Grupo A;

II - comercial a edificação com ocupação ou uso enquadrada nos Grupos B, C, D, E, F, G e H, inclusive apart-hotel;

III - industrial a edificação com ocupação ou uso enquadrada nos Grupos I e J.

§ 4º Caso haja mais de uma ocupação ou uso na mesma edificação, prevalecerá aquela de maior Carga de Incêndio Específica.

§ 5º O contribuinte cujo imóvel se enquadra na classificação estabelecida na alínea "b" do inciso I do § 2º deste artigo deverá cadastrar-se no prazo e na forma estabelecidos em regulamento.

§ 6º Para efeito de determinação da Carga de Incêndio Específica, não tendo sido realizado o cadastramento voluntário a que se refere o § 5º deste artigo, considerar-se-á, para a edificação comercial, a quantidade de 400 (quatrocentos) MJ/m2 e, para a industrial, de 500 (quinhentos) MJ/m2, ressalvado ao Fisco ou ao Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, em qualquer hipótese, apurar a carga efetiva.

§ 7º As menções à NBR 14432 da ABNT entendem-se feitas a norma técnica que a substituir, naquilo que não forem incompatíveis, devendo o regulamento dispor sobre a forma de atualização da classificação prevista no § 3º deste artigo.

§ 8º Na hipótese de unidade residencial plurifamiliar ou unidade não residencial em condomínio, observar-se-á, para efeito do inciso II do § 2º deste artigo, a respectiva fração ideal.

Art. 116. Contribuinte da Taxa de Segurança Pública é a pessoa física ou jurídica que promova atividade prevista nas Tabelas B, D e M anexas a esta Lei, ou dela se beneficie.

§ 1º Contribuinte da Taxa de Segurança Pública prevista no item 2 da Tabela B é o proprietário, o titular do domínio ou o possuidor, a qualquer título, de bem imóvel por natureza ou por acessão física situado na zona urbana, assim definida na legislação do respectivo Município.

Apesar de já sermos onerados com uma alta carga tributária, o Estado em sua voracidade de arrecadar, quer que através de mais uma taxa, os cidadãos paguem por algo que deveria ser coberto pelo produto geral da arrecadação de impostos. Não demora muito, se a situação continuar como está, iremos ser cobrados também pela utilização potencial do serviço de saúde, do serviço de repressão ao crime, do serviço de fiscalização das rodovias e no fim, nem sentar na praça para namorar poderá mais ser feito, pois antes deverá ser recolhida uma taxa pela ocupação do solo público.

Como nos ensinou Schopenhauer "somente a História pode dar a um povo a consciência de si próprio", mas parece que esquecemos as lições do passado. Tiradentes foi decapitado por lutar contra a cobrança pela Coroa Portuguesa de 1/5 do ouro, hoje pagamos tributos que se somados ultrapassam tranqüilamente 1/3 daquilo que ganhamos e estamos quietos feitos ovelhas. Talvez é porque os fantasmas dos algozes de nosso mártir de alguma forma ainda se perpetuam no poder.

Desta vez, o povo também ficou indignado e se não tivesse sido suspensa a cobrança para os imóveis residenciais, a derrama teria sido promovida. Num tom de revolta, a voz foi unânime: - Não vou pagar! - Muitos rasgaram os boletos, outros menos informados, acreditando que só porque veio o valor total em branco, ele estaria isento. Mas esta atitude poderia ter gerado sérias complicações, caso os valores não tivessem sido recolhidos aos cofres públicos no prazo estipulado, a pessoa estaria sujeita às penas da lei, que não são poucas, segundo o Código Tributário do Estado de Minas Gerais, no caso de ação fiscal a multa pode chegar a 50% (cinqüenta por cento) do valor da taxa e culminar na penhora de bens, além da inscrição do débito em dívida ativa, inclusão do nome do nome do devedor no CADIN/MG (Cadastro Informativo de Inadimplência em relação à Administração Pública) e dificuldades nas transações futuras com o imóvel, pois não é possível se obter a emissão de uma certidão negativa de débitos.

Entretanto, como vivemos num Estado Democrático de Direito, a saída que tem o cidadão num caso destes é recorrer ao Poder Judiciário. Não vemos outra solução para o caso, senão a declaração de inconstitucionalidade da lei que criou a taxa de incêndio. A cobrança foi suspensa apenas para este ano e não se aplica aos imóveis comerciais e industriais, assim, no ano que vem, os mineiros que se enquadrarem na lei, se nada for feito, terão ainda mais comprometido seu orçamento familiar por uma taxa absurda.

O conceito de taxa adquiriu status constitucional com a emenda constitucional n.º 19, de 1965, art. 18, onde era previsto que o Município podia cobrar "taxas em razão do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição". (grifamos)

A redação praticamente se manteve a mesma na Constituição Federal de 1988, que quando trata dos princípios gerais do Sistema Tributário Nacional, preceitua:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - omissis;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; (grifamos)

Disposição idêntica é repetida na Constituição do Estado de Minas Gerais:

Art. 144 - Ao Estado compete instituir:

I – Omissis

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição;

E também no Código Tributário Nacional:

Art. 77 - As taxas cobradas (...) pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Portanto, desde de 1965, entende-se que para um tributo ser considerado taxa, deve ter como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou prestar serviço público, que deve ser específico e divisível, cuja utilização seja efetiva ou esteja potencialmente colocado ao dispor do cidadão. O núcleo do conceito legal de taxa, que vem repetido por toda legislação exposta, é sua divisibilidade e especificidade.

O CTN traz uma definição legal em relação ao significado das expressões específico e divisível:

Art. 79 - Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:

I - utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas;

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

As características de especificidade e divisibilidade do serviço público referem-se à condição de serem individuados, determinados, mensurados, tanto seus usuários quanto os próprios serviços prestados e sua forma de utilização, se efetiva ou potencialmente. O eminente doutrinador tributarista, Hugo Brito Machado, leciona o seguinte:

A taxa é uma espécie de tributo vinculado a uma atividade estatal específica em relação ao contribuinte, ou seja, a um serviço público. O valor pago é a contraprestação do contribuinte ao Estado, pelo serviço que este lhe presta. A atuação estatal que constitui fato gerador da taxa há de ser relativa ao sujeito passivo desta, e não à coletividade em geral. Por isto mesmo o serviço público cuja prestação enseja a cobrança de taxa há de ser específico e divisível, posto que somente assim será possível verificar-se uma relação entre estes serviços e o obrigado ao pagamento da taxa.

Não é fácil definir o que seja um serviço público específico e divisível. Diz o Código que os serviços são específicos quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas, e divisíveis quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um de seus usuários [1].

Na prática não tem sentido separar as definições de serviço público específico e divisível, não obstante estejam definidas em dispositivos separados, são indissociáveis, posto que um serviço não pode ser divisível se não for específico.

A taxa como tributo só pode ser cobrada quando o serviço é prestado a título individual, isto é, quando a contraprestação é direta, individual, também chamada uti singuli. No caso, o serviço de extinção de incêndio é prestado uti universi, ou seja, pode ser usufruído por todos indistintamente, inclusive por aqueles que eventualmente não pagarem o tributo, pois o que está em jogo é o interesse público, mas está sendo cobrado apenas de algumas pessoas por serem moradores da cidade, sem se levar em consideração que turistas ou visitantes da cidade, poderiam ser usuário do serviço.

Também deve se notar, que segundo o Código Tributário Nacional, para que a utilização possa ser considerada potencial, o uso do serviço deve ser compulsório e no caso o de extinção de incêndio não é, pois não há nada que impeça de apagarmos o fogo sozinho ou mesmo se criar uma ONG de voluntários para combate ao incêndio. Quando o serviço não é de utilização compulsória, só a sua utilização efetiva enseja a cobrança de taxa.

A hipótese é de inconstitucionalidade, precisamente por que o fato gerador, o serviço público prestado, não é específico. Neste sentido os Tribunais de nosso país têm se posicionado da seguinte forma:

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TAXA – REQUISITOS – MUNICÍPIO DE FRANCA – EXERCÍCIOS DE 1990 A 1992 – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DE ESPECIFICIDADE E DE DIVISIBILIDADE – Impossibilidade de cobrança das taxas de incêndio, iluminação, limpeza, conservação, remoção de lixo e assistência social. Serviço de caráter genérico. Ação declaratória de inexistência de obrigação tributária procedente. Recursos voluntário e oficial improvidos. (1º TACSP – AP 791.165-1 – 4ª C. – Rel. Juiz Rizzatto Nunes – J. 09.02.2000)

EMBARGOS DO DEVEDOR – EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – LEI MUNICIPAL – PUBLICAÇÃO – VALIDADE E EFICÁCIA – TAXAS AGREGADAS – CONSERVAÇÃO DE VIAS E COMBATE A INCÊNDIO – ILEGALIDADE DA COBRANÇA – COLETA DE LIXO – LEGALIDADE – SENTENÇA REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE – Válida e eficaz a publicação da lei questionada. Ilegal a cobrança dos serviços de conservação de vias e de combate a incêndio, bem como iluminação pública porque, ao contrário da taxa de coleta de lixo, não contém, na hipótese, os requisitos da divisibilidade e da especificidade, que se constituem como fato gerador de taxa. Sucumbência recíproca reconhecida. (TAPR – RN-AC 145413100 – (12819) – Londrina – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Rogério Coelho – DJPR 28.04.2000)

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – COBRANÇA DE IMPOSTO TERRITORIAL URBANO – IPTU, TAXAS DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, CONSERVAÇÃO DE VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS, COLETA DE LIXO E COMBATE A INCÊNDIO – REQUISITOS DA ESPECIFICIDADE E DIVISIBILIDADE INEXISTENTES – SUBSISTÊNCIA DO IMPOSTO, DESTACADAS AS TAXAS COBRADAS INDEVIDAMENTE – Os serviços de iluminação pública, conservação das vias públicas, coleta de lixo e combate a incêndio, por ter caráter genérico e indivisível, prestando-se a toda a coletividade, não contém os requisitos da divisibilidade e especificidade, razão pela qual, não se constituem como fato gerador de taxa. Possibilidade da cobrança do IPTU, desde que destacados os valores das taxas indevidas do valor da execução. (TAPR – AC 146573600 – (12312) – Londrina – 1ª C.Cív. – Rel. Juiz Mário Rau – DJPR 07.04.2000)

EMBARGOS À EXECUÇÃO. MUNICÍPIO – IPTU. ALÍQUOTA PROGRESSIVA, CONFIGURANDO TRIBUTAÇÃO EXTRA FISCAL. ILEGALIDADE EM FACE DE AUSÊNCIA DE LEI FEDERAL COMPLEMENTAR DEFININDO A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA. LEGALIDADE. SERVIÇO PÚBLICO EFETIVO, COLOCADO A DISPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO, SUSCETÍVEL DE DIVISÃO. CRITÉRIO DISTINTO DO UTILIZADO PARA O IPTU. TAXA DE PREVENÇÃO DE INCÊNDIO. CONFIGURA SERVIÇO DE SEGURANÇA PÚBLICA, FORA DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL. CARACTERÍSTICA DO SERVIÇO, QUE NÃO É ESPECÍFICO, TAMPOUCO PODE ESTAR SUJEITO A INDIVIDUAÇÃO. TAXA DE EXPEDIENTE. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO PELO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO DO ART. 26DA LEF. APELO PARCIALMENTE PROCEDENTE. (TARS – AC 197071962 – 2ª C.Cív. – Rel. Juiz José Aquino Flores de Camargo – J. 02.04.1998)

Arrematando a questão, o Supremo Tribunal Federal, que é o legítimo intérprete da Constituição Federal, já teve oportunidade apreciar matéria semelhante e se posicionou por unanimidade contrariamente a esta tentativa de extorsão do Estado, como por exemplo, na Representação nº 992-AL, na ADIn 2424-8/CE, cuja decisão foi publicada no D.O.U em 15.04.2004, onde foi adotada a fundamentação acolhida por esta Corte no julgamento da ADin 1942-2/PA. Nesta oportunidade o relator, Ministro Moreira Alves, aduziu em seu voto o seguinte:

Um dos fundamentos da presente argüição de inconstitucionalidade se me afigura com relevância suficientemente forte para a concessão da medida liminar requerida: o de que, segundo o disposto no artigo 144, "caput", inciso V e parágrafo 5°, da Constituição Federal, sendo a segurança pública, que é dever do Estado e direito de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através, entre outras, da polícia militar a que cabe a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, essa atividade do Estado só pode ser sustentada pelos impostos, e não por taxa, se, apesar de atendida pela polícia por entender tratar-se de caso de segurança pública, for solicitada por particular para a sua segurança, se ameaçada, ou para a segurança de terceiros, a título preventivo, inclusive se, como na hipótese aventada nas informações, essa necessidade decorra de evento aberto ao público, ainda que com participação paga.

São pertinentes também à questão exposta, os argumentos apresentados por Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas [2], no artigo intitulado "Por que não pagar a "taxa" de incêndio". Segundo o articulista:

(...) essa cobrança é flagrantemente inconstitucional, porque o serviço de prevenção e extinção de incêndios, resgate e salvamento, é inespecífico, pois favorece não apenas os proprietários ou possuidores de bens imóveis, mas a coletividade em geral, mesmo porque o sinistro pode atingir também os bens móveis e ameaçar vidas humanas e de semoventes. E o resgate e salvamento favorecem todos aqueles que eventualmente se encontrem em situação de risco no município, mesmo que não sejam proprietários ou possuidores de imóveis e sequer morem na cidade. E, ademais, essas atividades são indivisíveis, pois não se pode medir o quanto cada munícipe, proprietário ou não, é beneficiado com sua existência.

Outra questão relevante é que a base de cálculo da taxa de incêndio é idêntica a do IPTU, o que também é vedado pela Constituição Federal. O Supremo Tribunal, analisando caso semelhante acolheu esta tese, porém, isto não é pacífico, pois muitos entendem que a área de imóvel seria apenas uma das variáveis que compõe a base de cálculo e não se confundiria com esta.

TAXA DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO DO ESTADO – Sua inconstitucionalidade, por identidade de base de cálculo (valor unitário do metro quadrado) com a do Imposto Predial e Território Urbano (art. 18, § 2º, da Constituição de 1967 – Emenda nº 1-69). (STF – RE 120.954 – ES – T.P – Rel. Min. Octávio Gallotti – DJU 13.12.1996)

Bem que com a arte retórica não é muito difícil se transformar pau em pedra nem focinho de porco em tomada, mas ainda estamos confiantes que o Poder Judiciário não será conivente com mais esta ilegalidade e vai se pronunciar favoravelmente aos cidadãos que recorrerem contra este abuso. Mas infelizmente aqui em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça mandou mal e o Desembargador Roney de Oliveira, provavelmente mais afeito às questões políticas do que jurídicas, indeferiu liminar na ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido dos Trabalhadores e Partido Comunista do Brasil (processo nº 1 0000 04 404 860 1 000). Mas sua decisão foi isolada, outros desembargadores concederam liminar para suspender os efeitos da lei, como por exemplo, o Des. Kildare Carvalho na ação proposta pelo Sindicato dos Odontologistas de Minas Gerais (1 0000 04 408 661 9 000), o Des. Moreira Diniz, no mandado de segurança apresentado pela Associação Comercial e Industrial, a Câmara de Dirigentes Lojistas, ambas da cidade de Uberlândia e Associação Comercial, Industrial, Agropecuária e de Prestação de Serviços de Araguari (1 0000 04 408 534 8 000). Também a Federação do Comércio de Minas Gerais em conjunto com mais 24 entidades de Belo Horizonte e de outras cidades mineiras tiveram liminar concedida pela Des. Vanessa Verdolin em 04.05.2004 (1 0000 04 408 535 5). Outra liminar já havia sido concedida, em 23.04.2004, pelo desembargador José Domingues Ferreira Esteves, em mandado de segurança ajuizado pelo advogado Igor Lima Couy (1 0000 04 408 127 1). Por fim, temos também notícia de um mandado de segurança impetrado pela Central Única dos Trabalhadores, tendo sido a liminar deferida pelo Des. Pinheiro Lago (1 0000 04 408 599 1).

O Poder Judiciário deve ser independente e não tem compromisso algum se a suspensão da eficácia da lei pode prejudicar a arrecadação do Estado. Isto não lhe compete, sua atribuição é dizer o que é o Direito e no caso desta taxa, é manifestamente visível sua inconstitucionalidade. Data vênia, entendemos que não é questão de mera opinião jurídica, é questão de lógica, haja vista inquestionável generalidade de sua prestação, ou seja, a impossibilidade de ser divisível.

Entretanto, como a liminar na ação direta de inconstitucionalidade foi denegada, ainda teremos um longo caminho até o deslinde do feito, porém, caso eventualmente a cobrança seja mantida, aí sim, o cidadão que assina este artigo irá fazer feito alguns e rasgar a cobrança (junto com a Constituição Federal), pois se uma lei é manifestamente arbitrária e não há mais esperanças, então, que se transgrida a lei. A desobediência civil se legitima quando uma lei se transforma num instrumento para o abuso de poder e se realiza através da resistência pacífica, como, por exemplo, o não pagamento de tributos. Mas lembre-se que cada um deve ser responsável por seus próprios atos, depois não venham me acusar de nada, pois a única coisa que aqui incentivo é a luta pelo direito através dos meios legais.


Notas

1 MACHADO, Hugo Brito. Curso de Direito Tributário, 19ª edição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2001. p. 361.

2 CHAGAS, Marco Aurélio Bicalho de Abreu. Por que não pagar a "taxa" de incêndio. Disponível em

http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=1501&cat=Textos_Jurídicos
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Sobre o autor
Alex Guedes dos Anjos

Advogado em Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANJOS, Alex Guedes. Taxa de incêndio em Minas Gerais:: mais um tributo inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 375, 17 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5443. Acesso em: 25 abr. 2024.

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