Dever de motivação das decisões judiciais no novo CPC

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15/12/2016 às 12:58
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2. MOTIVAÇÃO E O ARTIGO 489 DO NCPC

Uma das novidades no Novo Código de Processo Civil é a disciplina explícita e detalhada do dever de motivação das decisões judiciais. O novo artigo 489, em especial os seus parágrafos primeiro e segundo, traz um rol exemplificativo daquilo que deve constar numa decisão para que ela seja considerada suficientemente motivada.

As hipóteses descritas nos incisos do art. 489, § 1°, do NCPC são exemplificativas[2], vez que elas visam a concretizar um direito fundamental, qual seja o direito à motivação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, da CF/88), assim, o rol não poderia, por isso, ser considerado taxativo.

Isso significa que há outras situações em que a decisão, a despeito de conter motivação, considera-se não fundamentada.

Dessa forma, superado a importância de se ter o dever de motivar as decisões como uma regra jurídica e não um princípio, em seguida, será apresentado um rol exemplificativo, de hipóteses que levam a uma decisão não fundamentada.

2.1. Indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo sem explicar a sua relação com a causa ou com a questão decidida.

Defendeu-se no segundo capítulo deste trabalho, com base nas ideias apresentadas por Humberto Ávila (2010) que, um dos critérios a se utilizar para distinção entre princípios e regras é a “natureza da justificação exigida”.

Quer dizer que, a tomada de decisões com fundamento em regras limita-se a demostrar “a correspondência da construção factual à descrição normativa e à finalidade que lhe dá suporte”, o que provoca um reduzido ônus argumentativo.

Por outro lado, para a aplicação dos princípios, Humberto Ávila (2010) afirma que, deve-se “argumentar de modo a fundamentar uma avaliação de correlação entre os efeitos da conduta a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido”.

De fato, a aplicação de uma regra independe de qualquer justificação material quanto ao seu conteúdo ou ao resultado por ela estabelecida, vez que ambos foram escolhas democraticamente realizadas pelos legisladores.

Podemos tomar como exemplo o artigo 903, § 4º, do Novo Código de Processo Civil, o qual preconiza que, uma vez expedida carta de arrematação, a invalidade da arrematação somente poderá ser objeto de discussão em ação autônoma, assim o Juiz não precisa justificar a justiça da decisão que indefere o pedido de invalidade quando formulado nos próprios autos de execução.

Importante salientar que, a desnecessidade de justificação do conteúdo do ato normativo, não pode ser confundido com a falta de demonstração de que os fatos alegados e provados nos autos estão correlacionados ao suporte fático estabelecido pelo legislador.

Ainda que o juiz não precise defender a justiça da regra, este deve necessariamente justificar a sua incidência ao caso concreto. Como no exemplo acima apresentado, não basta que o juiz indefira o pedido utilizando-se da expressão “nos termos do artigo 903, § 4º, do Novo Código de Processo Civil”.

A motivação da decisão deve demostrar que, no caso em que está sendo analisado deve incidir a regra estabelecida no artigo 903, § 4º, do NCPC, pois houve um pedido de invalidação da arrematação formulado na própria execução e não em autos apartados como se exige o norma jurídica acima citada.

A finalidade do artigo 489, §1º, do Novo Código de Processo Civil é bastante simples, porém de grande valia, pois trata-se de um desdobramento inequívoco do dever de concretude[3], submetendo o magistrado a apresentar razões jurídicas efetivamente relacionadas ao caso concreto.

2.2. Emprego de conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência ao caso

O inciso I do artigo 489, §1º do Novo Código de Processo Civil impõe que o magistrado demonstre a correlação dos fatos com suporte fático do ato normativo, já o inciso II, exige a justificação da utilização de conceitos jurídicos indeterminados[4].

Com o mesmo propósito específico de realização da concretude, o mencionado dispositivo procura eliminar decisões baseadas em razões lacônicas e genéricas, sem que haja relação específica com o caso concreto.

Tem-se que a utilização de conceitos jurídicos indeterminados proliferou-se nas últimas décadas, podendo tomar, por exemplo, dois diplomas jurídicos (Código Civil e o Novo Código de Processo Civil), que contêm diversos conceitos jurídicos indeterminados, senão, vejamos: “boa-fé” (artigo 113do CC); “falta grave no cumprimento de suas obrigações” (artigo 1.030 do CC); “perigo de dano” (artigo 300 do NCPC; “risco ao resultado útil do processo” (artigo 300 do NCPC); “preço vil” (artigo 891 do NCPC); “repercussão geral” (artigo 979, §3º, do NCPC, dentre outros); “dúvida razoável” (artigo 311 do NCPC); “má-fé” (artigo 79 e artigo 80, ambos do NCPC); “proceder de modo temerário” (artigo 80, inciso V, do NCPC); “tempo razoável” (artigo 6º e artigo 866, §1º, ambos no NCPC); “prazo razoável” (artigos 4º, 76 e 567, todos do NCPC).

Se por um lado os conceitos jurídicos indeterminados proporcionam decisões mais adequadas e efetivas, de outro exige do juiz o ônus argumentativo de explicar as razões da incidência daquela expressão ou palavra aberta no caso concreto, justificando racionalmente a decisão proferida.

Por isso não basta, por exemplo, que o magistrado fundamente o indeferimento do pedido de tutela de urgência, porque “não restou demonstrado o perigo de dano” (artigo 300 do NCPC). A decisão interlocutória deve demostrar de forma clara, coerente e concreta o motivo de que os fatos alegados pela parte não configuram “perigo de dano”.

2.3. Apresentação de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão

O inciso III, do § 1º, do art. 489 do Novo Código de Processo Civil, traz vedação à simples utilização de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, buscando reprimir a utilização de fundamentação-padrão, que pode ser empregada em diversas situações.

A utilização de motivos genéricos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão era prática corriqueira na vigência do Código de Processo Civil de 1973.

As decisões relativas a pedidos de tutela antecipada que, após várias citações doutrinárias desnecessárias e considerações vagas sobre o conceito de fumus boni iures e periculum in mora, concluíam a “motivação” com um lacônico “não estão preenchidos, porém, os requisitos legais para concessão da medida pugnada nos presentes autos” ou “não restou demostrada a verossimilhança das alegações do autor”.

O julgador tem necessariamente que expor os motivos que o levou a entender que estão presentes ou ausentes os pressupostos para a concessão ou denegação da tutela provisória, tem que dizer de que modo as provas confirmam os fatos alegados pelo autor e também porque as provas produzidas pela parte contrária não o convenceram.

Para Daniel Amorim (2016, p.281) “Essa forma de decidir não permite sequer que as partes tenham a segurança de que o juiz leu o pedido, porque ela simplesmente não responde a seus argumentos”.

Com isso, para erradicar à utilização indiscriminada dessas decisões “modelo” que nitidamente deixavam de enfrentar as alegações fáticas e jurídicas específicas do caso em julgamento, o legislador incluiu o inciso III ao artigo 489, §1º, novo diploma processual civil.

Entende o doutrinador Daniel Amorim (2016) que, quanto às demandas repetitivas, não seria racional exigir que o magistrado utilize de diversas fundamentações para decidir a exata mesma questão de direito. Nesse caso, não há de se falar em ofensa ao artigo 489, §1º, inciso III, do Novo Código de Processo Civil.

2.4. Ausência de enfrentamento de todos os argumentos capazes de, em tese, infirmar a conclusão obtida

Considerado como o mais importante de todos os incisos do artigo 489, §1, do NCPC que dispõe: “não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acordão, que: IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

O dever de motivação só tem razão de ser se o Estado-Juiz for forçado a tratar de todos os pontos e questões arguidas no curso do processo, afastando todas as alegações fáticas e jurídicas da parte vencida no provimento jurisdicional.

O juiz tem o dever de enfrentar as alegações das partes e contrastá-las com o caso concreto e a legislação, essencialmente aquelas que levariam a uma conclusão diversa

Segundo Rodrigo Ramina (2016, p. 240), a motivação deve ser completa, e somente será considerada completa quando: “(a) forem apresentadas as razões fáticas e jurídicas que justificam o dispositivo e (b) forem expressamente afastadas todas as alegações fáticas e jurídicas da parte sucumbente.”

O referido inciso tem por fim retirar do juiz o poder de escolher os argumentos que quer enfrentar, deixando de ser relevante no processo apenas aquilo que o magistrado arbitrariamente julga ser digno de consideração. É o ocorre quando o magistrado se limita a reportar-se as provas que confirmam sua conclusão, desconsiderando as demais, como se fosse possível uma espécie de seleção artificial e caprichosa em matéria probatória[5].

Para NEVES (2016, p. 283) nos termos do dispositivo: “é possível concluir que a partir do advento do Novo Código de Processo Civil não bastará ao juiz enfrentar as causas de pedir e fundamentos de defesa, mas todos os argumentos que os embasam”.

Vislumbra-se que o dispositivo traz uma consequência prática de grande valia, pois sai de um sistema de motivações de decisões judiciais de fundamentação suficiente para um sistema de fundamentação exauriente.

Segundo NEVES (2016), atualmente existe duas técnicas dessemelhantes de fundamentações das decisões judiciais, quais sejam: exauriente/completa e suficiente. Senão, vejamos:

Há duas técnicas distintas de fundamentação das decisões judiciais: exauriente (ou completa) e suficiente. Na fundamentação exauriente, o juiz é obrigado a enfrentar todas as alegações das partes, enquanto na fundamentação suficiente basta que enfrente e decida todas as causas de pedir do autor e todos os fundamentos de defesa do réu. Como cada causa de pedir e cada fundamento de defesa podem ser baseados em várias alegações, na fundamentação suficiente o juiz não é obrigado a enfrentar todas elas, desde que justifique o acolhimento ou a rejeição da causa de pedir ou do fundamento de defesa. (NEVES, 2016, p. 282).

A jurisprudência pacífica no Superior Tribunal de Justiça (STJ)[6] entende que o direito brasileiro adota a técnica da fundamentação suficiente, afirmando que não é obrigação do magistrado afastar todas as alegações apresentadas pelas partes, bastando ter motivos suficientes para embasar sua fundamentação.

No entanto, tal entendimento já está superado, vez que contraria expressamente o inciso ora analisado, tendo em vista que passa a ser relevante tudo o que poderia levar a um resultado diferente daquele que foi obtido.

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2.5. Invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar sua ratio decidendi nem demostrar que o caso em julgamento se ajusta aos mesmos fundamentos

O inciso V, do artigo 489, §1º, exige racionalidade no uso de precedentes pelo julgador, buscando impedir a citação indiscriminada de emendas de julgados que muitas vezes são impertinentes ao caso concreto.

Não basta que o decisor mencione precedente ou enunciado de súmula, pois este deve justificar sua aplicação ao caso que está julgando, demostrando assim a correlação entre os fundamentos do julgado consagrado e as circunstância do caso concreto.

Para DIDIER:

A simples referência a precedentes ou a enunciados de súmula, ou a mera transcrição do seu conteúdo ou da ementa do julgado, não é suficiente para que se diga justificada uma decisão. É preciso - e exigível - que, ao aplicar ou deixar de aplicar um precedente, o órgão jurisdicional avalie, de modo explícito, a pertinência da sua aplicação ao caso concreto, contrapondo as circunstâncias de fato envolvi das aqui e ali e verifique se a tese jurídica adotada outrora é adequada para o caso em julgamento. (DIDIER, 2015, p. 338).

O método de contraposição entre o caso concreto e o caso em que ensejou o precedente, foi nomeado como distinção, distinguishing ou distinguish, o qual deve ser realizado expressamente na fundamentação[7].

Sendo assim, a invocação de precedentes não poderá ser feita sem que esteja acompanhada de um juízo analítico quanto à confrontação da sua ratio decidendi ao caso concreto.

Ademais, verifica-se que o inciso V é muito parecido com o inciso I, pois enquanto este impõe concretude na invocação de enunciados normativos, o outro exige concretude na invocação de precedentes judiciais.

Ora, de nada adianta o julgador proferir uma decisão abarrotada de supostos precedentes judiciais, sem que este demostre que as razões jurídicas apresentadas naquele caso refletem igualmente no caso em julgamento.

Cumpre ao decisor interpretar o precedente para verificar a adequação do caso concreto à sua ratio decidendi.

A não realização da distinção por meio do método de contraposição em casos tais implica ausência de motivação e por consequência a invalidade da decisão, tornando-a uma decisão imotivada.

2.6. Inobservância de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento jurisprudencial

Este dispositivo faz uma complementação do anterior, tendo em vista que, se para aplicar um precedente ou uma súmula, o julgador deve demostrar que os fatos sobre os quais se construiu sua ratio decidendi são equivalentes àqueles que animam o paradigma, para deixar de aplicá-los (súmula, jurisprudência ou precedente) também lhe é exigível que faça a distinção, expondo as diferenças fáticas que, no seu entendimento, justificam a não aplicação no caso concreto, ou que informe a superação (overruling ou overriding) do precedente invocado.

Cumpre mencionar que o inciso VI, do artigo 489, §1º do NCPC recebe críticas de grande parte da doutrina, pois a utilização do termo jurisprudência adjunto a súmula e precedente não deveria ocorrer, pois não se pode confundir a abstração e generalidade da jurisprudência com a especificidade e individualização da súmula e do precedente.

Outra crítica, trazida pelo doutrinador DE LUCCA (2016) é que, a redação do dispositivo aparentemente atribui eficácia vinculante a todos os precedentes judiciais, o que não se compatibiliza com o sistema processual do NCPC.

Entretanto, trata-se de um importante complemento ao inciso IV, do artigo 489, §1º, vez que contribui para efetivação do dever de completude.

Segundo o Enunciado 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), “O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa”.

Assim, se o julgador demonstrar a distinção ou superação da súmula, “jurisprudência” ou precedente invocado por um dos sujeitos processuais, não há de se falar em nulidade da decisão.

Será demostrado a distinção (distinguishing) quando o juiz justificar a dissemelhança do caso concreto com aqueles que levaram os tribunais a editarem as súmulas ou criarem os precedentes, impondo ao magistrado a necessidade de fazer uma comparação analítica entre o caso concreto e o precedente ou súmula, em razão de uma determinada situação.

Lado outro, será demostrado a superação (overruling) quando o julgador evidenciar que o entendimento consagrado na súmula e no precedente está superado.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Medeiros

Cursando o décimo período do curso de Direito pela Faculdade Santa Rita de Cássia; Aprovado no XIX Exame de Ordem dos Advogados;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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