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Acordo de leniência no âmbito do direito administrativo

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10/01/2017 às 12:30
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A Lei 12.846/2013 passou a ser vista como peça chave no sistema anticorrupção brasileiro, fazendo parte desse sistema a lei do conflito de interesses e a lei do acesso à informação, dentre outras, além dos institutos do controle interno, da prevenção da corrupção e da correição.

RESUMO: Após a notável operação nacional e federal denominada “Lava Jato”, os institutos da Colaboração Premiada, Acordo de Leniência, Compliance, dentre outros, se tornaram de conhecimento público, devido a constante e intensa veiculação midiática do andamento das investigações em inúmeros casos de corrupção. O presente trabalho visa esclarecer a eficácia de tais institutos supracitados, trazendo à tona as novidades da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013) criada no clamor das manifestações contra a corrupção de junho de 2013. Por fim, será objetivo identificar na referida lei a efetividade de seus institutos e ainda se esta será realmente respeitada, ou se será mais uma lei inútil em nosso ordenamento jurídico, de modo até mesmo a colaborar com práticas ilícitas.

PALAVRAS-CHAVE: Acordo de Leniência; Colaboração Premiada; Compliance; Constituição Federal de 1988; LEI Nº 12.846/2013; Lei Anticorrupção; Impunidade; Convenção Interamericana contra a Corrupção; DECRETO Nº 8.420/2015; CADE; SDE; CGU.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1. Acordo de Leniência; 2.2. Da Efetividade do Acordo de Leniência; 2.3. Das Benesses Concedidas e a Sensação de Impunidade; 2.4. A Importância da Constituição no Combate à Corrupção; 2.5. Da Responsabilidade Civil do Estado; 2.6. Do Programa de Integridade; 3. Conclusão; 4. Referências.


1. INTRODUÇÃO

A corrupção no Brasil sempre funcionou como uma cultura, sendo muitas vezes aceita pelo Povo, pois quem nunca ouviu aquele velho jargão popular: “ele rouba, mas faz”? Porém, com as manifestações de junho de 2013, foi dado um recado aos políticos em geral, tal qual não seriam mais tolerados tantos casos de prejuízos ao patrimônio público.

Ato contínuo ao clamor popular imposto pelas manifestações supracitadas, a então Presidente sancionou a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013), sendo esta regulamentada em 2015, através do Decreto Presidencial nº 8.420.

Tal lei visa responsabilizar as empresas contratadas pelo Poder Público em casos de corrupção. Devemos dar ênfase então às famosas “empreiteiras", consideradas pela doutrina atual como um “mal necessário”, uma vez que, não obstante ao fato de estarem sempre envolvidas em escândalos de ilícitos contra a Administração Pública, são as únicas tecnicamente capazes de realizar obras de grande vulto.

Por este motivo foram criados os institutos do Acordo de Leniência e do Compliance, onde a empresa envolvida em ilícitos contra o erário tem a chance de manter seus contratos com o Estado, desde que cumpridas as exigências da lei.

Com isso se busca dar atenção ao Princípio da Continuidade do Serviço Público, previsto no artigo 37, II, de nossa Carta Magna, bem como preservar empregos e manter o recolhimento de tributos.

Ainda em nosso Estatuto Maior, em seu artigo 37, caput, encontramos os Princípios da Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Publicidade e Eficiência, que são de suma importância para se controlar os Atos Administrativos que venham a desvirtuar a boa Administração Pública.

Ocorre que a Lei Anticorrupção e sua regulamentação são bastante recentes, não tendo ainda tempo suficiente para uma avaliação acerca de sua efetividade, surgindo então a seguinte questão: “seria o instituto do Acordo de Leniência capaz de inibir ou impedir as empresas envolvidas em casos de corrupção de praticar novos ilícitos contra a Administração Pública? Ou será que essas empresas tornariam inócua a Lei Anticorrupção, contrabalanceando os prós e os contras de se comprometerem com o instituto do Compliance?”.

Por fim, esta pesquisa se desenvolverá através consultas a livros, artigos científicos, sites de órgãos oficiais, jurisprudência e legislação pertinentes.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1. ACORDO DE LENIÊNCIA

A palavra “leniência”, do latim “lenitate”, significa brandura, suavidade, mansidão. Logo, podemos entender o “acordo de leniência” como algo que venha a abrandar as consequências para uma pessoa jurídica que tenha praticado atos ilícitos contra a Administração Pública.

Tal instituto surgiu nos EUA em 1978, porém sua aplicação era bastante burocrática, pois sua concessão se dava de forma discricionária, ficando a cargo de o governante conceder ou não tal benesse.

Ainda nos EUA, em 1993, surgiu um novo programa, uma espécie de revisão do programa anterior, chamado “Amnesty Program”, prevendo acordos de leniência com critérios objetivos e aplicabilidade automática, uma vez preenchidos seus requisitos. Este novo programa conseguiu multiplicar a participação das empresas integrantes de cartéis, se tornando bastante efetivo no tocante à aplicação de multas em prol do Poder Público Americano.

No Brasil, essa ferramenta anticorrupção é relativamente nova, sendo utilizada pela primeira vez no país em 2003, com um acordo realizado perante o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

A partir de então, os acordos de leniência passaram a ser realizados de forma bastante tímida, no intuito de combater as práticas de cartéis pelas grandes empresas.

Somente o CADE e a SDE (Secretaria de Desenvolvimento Econômico), conforme a Lei 8884/1994, detinham a competência para promover acordos de leniência, o que dificultava sua aplicação.

LEI Nº 8.884, DE 11 DE JUNHO DE 1994.

Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências.

Com a criação da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), o acordo de leniência ganhou novas possibilidades de aplicação, podendo ser celebrado, pelo lado da Administração Pública, por qualquer autoridade máxima de seus órgãos ou entidades públicas.

Porém, a competência para celebrar acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal e nos casos de atos lesivos contra a Administração Pública Estrangeira é, conforme a lei supracitada, exclusiva da Controladoria Geral da União (CGU), órgão absorvido pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. 

LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013

Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.

Art. 16.  A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

§ 1o  O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;

II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;

III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

§ 2o  A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.

§ 3o  O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.

§ 4o  O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.

§ 5o  Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.

§ 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.

§ 7o  Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.

§ 8o  Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

§ 9o  A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.

§ 10.  A Controladoria Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

Conforme a supracitada Lei Anticorrupção prevê, a pessoa jurídica passível de acordo deverá atender a cinco critérios:

1) ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante;

2) ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo;

3) admitir sua participação na infração administrativa;

4) cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento; 

5) fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

2.2. DA EFETIVIDADE DO ACORDO DE LENIÊNCIA

A efetividade nas investigações e no processo administrativo é essencial para a elaboração de um acordo de leniência, sendo certo que no caso de as empresas não colaborarem para tanto, não deverão obter as benesses desse instituto. Ocorre que o que se busca é a máxima reparação dos danos causados aos cofres públicos.

O Decreto 8.420 de 18 de março de 2015, que vem regulamentar a Lei Anticorrupção, prevê quais seriam essas benesses concedidas às pessoas jurídicas participantes do acordo.

DECRETO Nº 8.420, DE 18 DE MARÇO DE 2015

Regulamenta a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências.

Art. 40.  Uma vez cumprido o acordo de leniência pela pessoa jurídica colaboradora, serão declarados em favor da pessoa jurídica signatária, nos termos previamente firmados no acordo, um ou mais dos seguintes efeitos:

I - isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora;

II - isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público;

III - redução do valor final da multa aplicável, observado o disposto no art. 23; ou

IV - isenção ou atenuação das sanções administrativas previstas nos art. 86 a art. 88 da Lei no 8.666, de 1993, ou de outras normas de licitações e contratos.

Parágrafo único.  Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.

Neste caso as vantagens não ocorrem simultaneamente, ao menos não necessariamente, ficando claro que essas benesses serão concedidas à medida da efetividade no êxito do acordo de leniência.

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Uma importante ferramenta que a Lei Anticorrupção traz para facilitar sua aplicação é a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, independentemente da verificação de sucesso em suas empreitadas ilícitas.

Nesse diapasão, para se chegar à efetividade em um acordo de leniência, deve se observar o quanto de vantagens foi necessário conceder a uma empresa que praticou atos ilícitos contra a Administração Pública, para que se obtivesse o resultado pretendido, qual seja, a máxima ou total reparação dos danos causados aos cofres públicos.

Surge então uma questão a ser respondida com as futuras aplicações do Acordo de Leniência: a sanção da idoneidade da pessoa jurídica perante um determinado ente da federação repercutiria nos demais? Ou deveria ser respeitado o Princípio Federativo e a Autonomia dos Entes Federados constante no artigo 18 da nossa Constituição da República, e ainda o Princípio da Função Social da Empresa?

2.3. DAS BENESSES CONCEDIDAS E A SENSAÇÃO DE IMPUNIDADE

As punições às pessoas jurídicas que venham a ser responsabilizadas pela Lei Anticorrupção são tão impactantes, que podem refletir até mesmo no próprio Poder Público, uma vez que pode ocorrer deste não ter opções para contratar empresas capazes de prestar serviços de grande vulto, pois as únicas tecnicamente competentes para tanto, uma vez responsabilizadas por ilícitos contra o patrimônio público, provavelmente estarão impedidas de contratar com a Administração Pública.

Por isso a Lei Anticorrupção prevê a possibilidade de que as empresas realizem acordo de leniência de forma a continuar participando de licitações.

LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013

Art. 16.  A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

(...)

§ 2o  A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.

Art. 19.  Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

(...)

IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

Em dezembro de 2015 foi editada a MP 703 com o fim de facilitar a contratação de empresas participantes de acordos de leniência, essa Medida Provisória acabou perdendo sua vigência, não sendo convertida em lei pelo Congresso Nacional.

Uma vez que cabe aos órgãos de controle interno dos entes da federação instaurar e julgar processos administrativos para apurar a participação de pessoas jurídicas em atos lesivos à Administração Pública, a Lei Anticorrupção dá mais autonomia a esses entes públicos, que podem agir, inclusive, de ofício, ou ainda aplicar as sanções administrativas previstas na referida lei.

Por conseguinte, se tornou possível que a Administração Pública deixe de ser engessada quando forem objetivos o controle e o zelo com o erário, uma vez que há uma série de mecanismos para que entes públicos, seus órgãos e suas entidades públicas ajam de forma independente na busca da responsabilização por danos causados aos cofres públicos.

O problema é que, na ocasião de um acordo de leniência no âmbito administrativo, é gerada uma dúvida que somente será respondida após a maturação da Lei Anticorrupção, qual seja, se ficaria uma sensação de impunidade ao se constatar que foi realizado um acordo concedente de perdão a uma pessoa jurídica acusada de corrupção ativa perante a Administração na qual figurava como corruptora de seus administradores.

O grande empresariado brasileiro pode começar a contrabalancear os lucros advindos com a corrupção, e as sanções que lhes seriam aplicadas em caso de responsabilização. Tal ocorrência faria da Lei Anticorrupção um instrumento ineficaz, pois seu cunho sancionatório estaria perdido.

2.4. A IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NO COMBATE À CORRUPÇÃO 

Nosso ordenamento constitucional prevê uma série de mecanismos para o combate e a prevenção da corrupção.

Dentre essas ferramentas estão aquelas que a Carta Magna denominou de “Funções Essenciais à Justiça”, onde no tocante ao combate à corrupção, devemos dar ênfase ao Ministério Público e à Advocacia Pública.

Não menos importante, temos os Tribunais de Contas, que auxiliam o Poder Legislativo de seus respectivos entes a exercer controle externo sobre qualquer pessoa, física ou jurídica, que tenha quaisquer tipos de gerência ou administração sobre bens ou valores públicos.

Segue abaixo o artigo constitucional que explicita algumas das competências do Tribunal de Contas da União, que por analogia, se aproveitam aos demais Tribunais de Contas existentes no Brasil:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;

VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.

§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.

Ao Ministério Público foram atribuídas inúmeras funções não existentes no Ordenamento Pátrio anterior, bem como legitimidade para atuar na promoção de ações de proteção aos interesses difusos e da coletividade. Tais atribuições se desdobraram em leis infraconstitucionais, por exemplo: Lei dos Investidores no Mercado de Valores Mobiliários (Lei nº 7.913/89), do Patrimônio Público (Leis nº 8.429/92 e 8.884/93), da Ordem Econômica e da Livre Concorrência (Lei nº 8.884/94) e até mesmo a Lei 7.347/85, denominada Lei da Ação Civil Pública, que entrou em vigor ainda durante a transição do poder constituinte.

Já o papel da Advocacia Pública se destina à defesa judicial e extrajudicial dos Entes da Federação, como nos explica José Afonso Da Silva, grande nome da nossa doutrina constitucional:

“A Advocacia Pública assume, no Estado Democrático de Direito, mais do que uma função jurídica de defesa dos direitos patrimoniais da Fazenda Pública, mais até mesmo do que a defesa do princípio da legalidade, porque lhe incumbe igualmente, e veementemente, a defesa da moralidade pública que se tornou um valor autônomo constitucionalmente garantido. Não é que essa defesa lhe espaçasse antes do regime constitucional vigente. Mas, então, o princípio da moralidade tinha uma dimensão estritamente administrativa, quase como simples dimensão da legalidade, ligada aos problemas dos desvios de finalidade. Agora não, porque a Constituição lhe deu sentido próprio e extensivo, e abrangente da ética pública. O exercício de uma tal missão requer garantias específicas contra ingerências e contra atitudes mesquinhas de congelamento de remuneração”. (Silva, José Afonso. 2006, p. 45).

Podemos concluir que, sob a ótica do ilustre doutrinador supracitado, o Princípio da Moralidade, previsto no artigo 37, caput, da nossa Lei Maior, deve ser respeitado de forma ampla por toda a Administração Pública, e até por seus administrados.

Conforme nos ensina Pedro Lenza em seu manual de Direito Constitucional, são princípios intrínsecos ao Princípio da Moralidade Administrativa a boa-fé, a sinceridade, a lealdade, a ética. Ora, esses princípios devem ser inerentes a todo ser humano, independentemente de estar no exercício de agente público.

Logo, podemos observar que não se trata de um trabalho fácil por parte dessas instituições controlar e fiscalizar os servidores públicos para que não pratiquem, em proveito próprio e de forma lesiva ao erário, atos imbuídos de caráter público.

Para Edwin H. Sutherland, criador da expressão “crimes de colarinho branco”, os agentes corruptos do alto escalão das grandes empresas não se consideram “foras da lei”, sentindo desprezo e indiferença para com esta. Tais corruptores conseguem dessa forma manter seus prestígios perante seus pares, preservando seus negócios, mesmo violando flagrantemente as leis.

Nossa Constituição Cidadã elegeu ainda o povo, bastando o indivíduo gozar de direitos políticos, como parte legítima para propor a Ação Popular, instrumento capaz de anular atos lesivos ao patrimônio público. Tal remédio constitucional é de tamanha importância, que foi inserida como cláusula pétrea em nosso Ordenamento Pátrio.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

O parágrafo 4º do artigo 37 do nosso Estatuto Maior impõe, em casos de enriquecimento ilícito no exercício de função administrativa, sanções administrativas e cíveis. Tal dispositivo está em consonância com a Convenção Interamericana Contra a Corrupção, internalizada através do Decreto 4.410 de 2002, que nos exemplifica alguns casos de improbidade administrativa:

Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 29 de março de 1996.

l. Esta Convenção é aplicável aos seguintes atos de corrupção:

a. a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

b. a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens a esse funcionário público ou outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

c. a realização, por parte de um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de suas funções, a fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para um terceiro;

d. o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes de qualquer dos atos a que se refere este artigo; e

e. a participação, como autor, co-autor, instigador, cúmplice, acobertador ou mediante qualquer outro modo na perpetração, na tentativa de perpetração ou na associação ou confabulação para perpetrar qualquer dos atos a que se refere este artigo.

2.5. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Nossa Constituição da República determina que as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos respondam de forma objetiva pelos danos causados a terceiros.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Cabe observar que para identificarmos um agente público, podemos ter uma interpretação bem ampla, conforme preceitua a lei abaixo.

LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Podemos concluir então que, uma pessoa jurídica privada imbuída de “Múnus Público”, que pratique ato lesivo ao erário, responde de forma objetiva, seja por força da Lei Anticorrupção, seja por força da Constituição da República, nas esferas administrativa e cível.

LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013

Art. 2º  As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Desta feita podemos entender o Princípio do Formalismo Moderado, onde o processo administrativo sancionador dispensa formas rígidas, bastando respeitar regras necessárias para que o procedimento do ato praticado tenha certeza e segurança jurídica.

2.6. DO PROGRAMA DE INTEGRIDADE        

O Programa de Integridade, ou “Compliance”, inovação prevista na Lei Anticorrupção, traz normas que visam a prevenção e a remediação de atos lesivos contra a Administração Pública, sendo que o cumprimento desse instituto tem um peso considerável no momento da aplicação das sanções às pessoas jurídicas praticantes de atos ilícitos.

LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013

Art. 7o  Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

I - a gravidade da infração;

II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

III - a consumação ou não da infração;

IV - o grau de lesão ou perigo de lesão;

V - o efeito negativo produzido pela infração;

VI - a situação econômica do infrator;

VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e

X - (VETADO).

Parágrafo único.  Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

Somente no âmbito da notável operação “Lava Jato”, dezenas de empresas negociam com a CGU (Controladoria Geral da União), órgão absorvido pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, acordos de leniência tendo como condição o compromisso dessas pessoas jurídicas com o Programa de Integridade.

A ideia é que essas pessoas jurídicas não somente sejam penalizadas ao cumprir este programa, mas também que através deste, implantem boas práticas em suas organizações, de modo a ser bom aos seus próprios negócios e para toda a sociedade.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Ricardo. Acordo de leniência no âmbito do direito administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4941, 10 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54682. Acesso em: 28 mar. 2024.

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