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As agências reguladoras no Brasil e a regulamentação no setor de saúde

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21/12/2016 às 10:45
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O direito à saúde pertence a uma das classificações mais importantes do Direito Social. É neste cenário que ganha grande importância a Agência Nacional de Saúde – ANS, sendo esta responsável por regular, normatizar e fiscalizar o setor no âmbito privado.

Resumo: O modelo de Estado empresário baseado na intervenção direta na economia foi substituído a partir dos anos 1990 pelo modelo de Estado regulador cuja intervenção ocorre por meio indireto. A função regulatória está ligada ao Poder Executivo, no exercício do poder de polícia administrativa, na intervenção do Estado na ordem econômica, e na prestação dos serviços públicos. Tem por escopo garantir a eficiência do serviço, proteger o administrado e defender a concorrência. Para tanto, optou-se por exercer a função reguladora por meio de entidades reguladoras independentes. As agências reguladoras são autarquias de natureza especial, criadas por lei, com o objetivo de regulamentar e fiscalizar a prestação de bens e serviços considerados de relevância publica. A legislação atribui às agências reguladoras poderes para regular, emitir normas, controlar e fiscalizar os serviços públicos delegados. O regime jurídico especial atribuído às agências reguladoras consiste na imputação de uma maior independência e autonomia administrativa e financeira perante o Poder Executivo. Esse regime, por sua vez tem por objetivo preservar as agências de interferências indevidas, até mesmo por parte do Estado e seus agentes. Por este motivo, procurou-se definir uma autêntica discricionariedade, com preponderância de juízos técnicos sobre as valorações políticas. Em 2000, com a criação da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, ocorreram os primeiros passos no processo de regulação das operadoras de planos de saúde. A Agência nasceu com o objetivo de efetivar todas as previsões trazidas pela Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), e de ajudar a dificultar práticas lesivas aos consumidores e, ainda, estimular comportamentos que reduzam os conflitos e promovam a estabilidade do setor.

Palavras-chave: Regulação. Agências Reguladoras. Poder Normativo. Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Sumário: Introdução. 1.As Agências reguladoras. 1.1. As agências reguladoras no Brasil. 1.1.1 Origem. 1.1.2. Natureza Jurídica. 1.1.3. Características. 1.1.4. Constitucionalidade das Agências Reguladoras no Brasil. 1.2 Poder Normativo das Agências Reguladoras 2. Regulação no Setor de Saúde. 2.1 ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. 2.1.1 Competência da ANS. 2.1.2. Fiscalização das Operadoras de Saúde Suplementar no Brasil. 2.1.2.1. Instrumentos de Fiscalização. 3.Considerações Finais. 4. Referências Bibliográficas.


Introdução

A partir da década de 90 do século XX , houve uma redefinição do papel do Estado brasileiro que se tornou menos produtor e mais regulador. Optou-se pelo modelo de regulação setorial, sob o argumento de que, em prol da eficiência, a prestação dos serviços públicos passaria a ser realizada pela iniciativa privada.

Contudo, tendo em vista o interesse público, o Estado continuaria exercendo o controle e a fiscalização desses serviços, por meio da atuação de entidades dotadas de maior celeridade na implementação de políticas públicas em razão de sua estrutura especializada.

O art. 174 da Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Coube ao Estado promover e regular o desenvolvimento e não ser o responsável direto pela produção de bens e serviços. Para tanto, fez-se imperiosa a criação de entidades que realizassem a supervisão das atividades e serviços que foram transferidos ao setor privado.

A regulação no ordenamento jurídico pátrio é realizada pelas agências reguladoras. A função é executar as políticas do Estado de orientação e planejamento da economia, com objetivo de dar maior eficiência ao mercado por meio de intervenção direta nas decisões dos setores econômicos.

As agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas por lei e dotadas de poder de fiscalização e poder regulamentar. Caracterizam-se pela independência em face do Poder Executivo, por não se submeter a controle hierárquico. Emanam normas que regulamentam a matéria de sua competência e decidem litígios.

A autonomia desses entes robustece-se com as seguintes características: (i) independência política de seus diretores, que possuem estabilidade diferenciada, mandatos não coincidentes com o mandato do Chefe do Executivo e por prazo determinado; (ii) independência técnica decisória, na qual devem predominar motivações fundamentadas em decisões técnicas; (iii) independência normativa, para o exercício da competência reguladora dos setores a seu cargo; (iv) independência orçamentária e financeira ampliada, com recursos próprios.

O foco deste trabalho é analisar, sem esgotar o tema, os principais aspectos que definem as agências reguladoras.

Especificando o tema, foi escolhida a regulação da saúde, representada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Tal autarquia regulatória, vinculada ao Ministério da Saúde, foi criada pela Lei nº 9.961, de janeiro de 2000, pela necessidade de regulamentação dos planos de saúde privados. E tem como objetivo a regulação, o controle e a fiscalização das atividades e serviços privados médico-hospitalar ou odontológico prestados por operadoras de planos de saúde.

A Agência se diferencia das outras agências reguladoras, pois o setor de saúde suplementar não foi privatizado. Não existia qualquer tipo de intervenção do Poder Público até a promulgação da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), que dispõe sobre a prestação de serviço e funcionamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde.


1. AS AGÊNCIAS REGULADORAS

1.1. - As Agências Reguladoras no Brasil

1.1.1. - Origem

A compreensão da origem das agências reguladoras implica no entendimento das modificações nas concepções quanto ao papel do Estado ocorridas no final do século XX.

A redefinição do papel do Estado acarretou intensas transformações na Administração Pública que passou a adotar os princípios da desburocratização e descentralização como balizadores de suas ações.

As experiências de desregulação nos Estados Unidos, e de desestatização na Europa transformaram-se em projetos de Reforma do Estado que se espalhou por vários países, inclusive no Brasil.

Implantou-se a administração pública gerencial, que constituiu um afugentamento do sistema burocrático tradicional, conservando-se alguns de seus princípios essenciais. O foco da administração gerencial é a satisfação do indivíduo, devendo o Poder Público assegurar a maior eficiência e qualidade dos serviços públicos.

Houve uma redefinição da função do Estado perante o cenário econômico e político. O Estado passa de intervencionista para subsidiário, aproximando-se da sociedade, uma vez que a sociedade passa a participar ativamente da realização do interesse público. Há, pois, uma delegação social.

A discussão sobre as agências reguladoras no Brasil ocorreu em 1995, por ocasião da elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. O Plano objetivava a descentralização da prestação de serviços e o fortalecimento do núcleo estratégico do Estado.

Nesse período de diminuição da intervenção do Estado na economia, efetivou-se o Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei 8.031/1990, substituída pela Lei 9.491/1997, que criou regras e diretrizes para o processo de privatização das empresas estatais.

O PND buscou maior eficiência, afastando a burocracia, com o escopo de tornar o Estado mais gerencial. Dentre seus objetivos, o artigo 1º da referida Lei, dispõe:

Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização – PND tem como objetivos fundamentais:

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;

III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;

VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.

O estabelecimento desse novo ambiente na administração pública brasileira teve como resultado a alteração na forma de desempenho do Estado que passou a atuar indiretamente no setor de infraestrutura.

A redução da participação estatal na economia ordenava, concomitantemente, o fortalecimento das instituições encarregadas de estabelecer políticas públicas e de regular os setores desestatizados.

O Estado não exerce mais certas atividades, contudo, conserva, ainda, suas titularidades. Transfere-se somente o direito de execução das atividades pelo particular. O Estado controla tais atividades e as fiscaliza para a conservação da supremacia do interesse público e das garantias fundamentais.

A ampliação do poder do Estado sobre a atividade privada exigiu instrumentos jurídicos e materiais compatíveis com necessidades que antes eram inexistentes. Desta feita, para regular esses serviços e atividades foram instituídos órgãos reguladores, conforme se pode extrair dos artigos 21, XI e 174 da CF/88 [1].

Foram criadas, assim, as agências reguladoras, entidades com função de controle, que regulam e fiscalizam um setor com eficiência e qualidade, definindo normas a serem observadas pelos agentes regulados, com respeito à livre concorrência e ao combate do abuso do poder econômico para garantir investimentos, equilíbrio dos contratos e a execução das políticas públicas.

Atualmente o governo federal conta com dez agências reguladoras, como exemplos: a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, criada pela lei 9.427/1996 e a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, Lei 9.472/1997, ANP – Agência Nacional do Petróleo, Lei 9.478/1997, ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, Lei 9.961/2000, ANA – Agência Nacional de Águas, Lei 9.984/2000.

1.1.2. – Natureza Jurídica

As agências reguladoras são pessoas jurídicas de Direito Público, parte da Administração Pública Indireta, sob a forma de autarquias de regime jurídico especial, dotadas de características próprias e caracterizadas por sua autonomia em relação ao Poder Público. São criadas por leis específicas, nos termos do artigo 37, inciso XIX da CF/88[2].

Marçal Justen Filho define as agências reguladoras como

“autarquia especial, criada por lei para intervenção estatal no domínio econômico, dotada de competência para regulação de setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflitos entre particulares e sujeita a regime jurídico que assegure autonomia em face da Administração direta” [3].

1.1.3. – Características

As agências reguladoras podem ser criadas nas esferas federal, estadual ou municipal, pois a competência para instituí-las decorre da titularidade do serviço público ou da previsão constitucional. Desta forma, as agências reguladoras podem ser classificadas em agências federais, estaduais e municipais de acordo com o ente federado instituidor.

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As agências podem adotar dois tipos de modelos, de acordo com o objeto da regulação: unissetorial (uma agência é criada para regular cada setor específico) e multissetorial (existe apenas uma agência que regula vários serviços públicos).

Mais uma característica das agências reguladoras é a sua especialidade técnica. Essas entidades foram idealizadas como entes administrativos técnicos, especializados, impenetráveis às imposições e oscilações do processo político. A expertise e a especialidade propiciam as condições de se decidir pela melhor decisão dentro das especificidades do setor regulado, legitimando, desta maneira, a função reguladora.

Outra característica das agências é a gestão colegiada. Com um órgão diretor colegiado, as decisões são tomadas pela composição dos votos dos membros, repartindo a responsabilidade e conferindo maior discussão, o que colabora para que exista maior legitimidade e imparcialidade. Assim, agências possuem imparcialidade e neutralidade no desempenho de suas funções e insubordinação hierárquica ao Governo.

As agências têm um regime jurídico especial, que passa por uma autonomia reforçada. Essa autonomia é normativa, administrativa e financeira. Essas são três características básicas de todas as agências reguladoras.

A autonomia política-administrativa se dá em relação ao Ente central, tendo em vista dois fundamentos: despolitização e necessidade de celeridade na regulação[4].

A autonomia administrativa da agência é fundamentada em duas particularidades:

  1. Estabilidade reforçada dos dirigentes das agências reguladoras;

  2. Impossibilidade do recurso hierárquico impróprio.

A estabilidade reforçada dos dirigentes está disposta na Lei nº 9.986/2000[5], que trata do regime de pessoal das agências reguladoras. A nomeação dos dirigentes não será de maneira livre ou ad nutum. O chefe do Poder Executivo indica uma pessoa de reputação ilibada e de conhecimento técnico no setor que será regulado. Após, o indicado passa por uma sabatina no Senado Federal, que aprova ou não. Se aprovado, será nomeado pelo Chefe do Executivo para o exercício de um mandato. Após a nomeação, o dirigente somente poderá ser exonerado se cometer falta grave comprovada mediante processo administrativo em que haja o devido processo legal.

A outra particularidade da autonomia administrativa das agências reguladoras é a impossibilidade de seus atos serem revistos por recurso hierárquico impróprio. Este, por sua vez, é um recurso que é interposto para conhecimento e julgamento por autoridade exógena à agência reguladora. Ou seja, a autoridade que não pertence à autarquia regulatória que proferiria a decisão recorrida.

O recurso hierárquico impróprio é uma exceção à autonomia da entidade administrativa, e somente pode ser determinado pela lei de criação da autarquia especial.

No entanto, a doutrina majoritária discorre que não é possível o recurso hierárquico impróprio contra as decisões das agências reguladoras. Na visão tradicional, só há hierarquia dentro do mesmo ente administrativo. A hierarquia é uma característica interna das entidades administrativas e, por isso, não existiria hierarquia entre entidades administrativas diversas, pois o que existe entre entes diversos é a chamada vinculação.

Portanto, não há a possibilidade da interposição do recurso hierárquico impróprio, porque este minimizaria a autonomia da entidade administrativa que profere a decisão recorrida. Ao se admitir o recurso hierárquico impróprio, admitir-se-ia que uma entidade externa reveja a decisão proferida pela agência reguladora. Haveria, neste caso, um controle externo.

Em âmbito federal não há lei criadora de agência reguladora que tenha previsto a interposição do recurso hierárquico impróprio. Por isso, não cabe recurso hierárquico impróprio para esses entes federais.

Caso algum interessado discorde de ato ou decisão proferidos no âmbito da agência reguladora, deverá se socorrer no Poder Judiciário.

Outro traço característico das agências reguladoras é a sua autonomia financeira. Entende-se que os entes regulatórios possuem recursos financeiros suficientes para exercerem suas atividades. As agências podem cobrar as chamadas taxas regulatórias do setor regulado.

Mais uma demonstração dessa autonomia financeira é a possibilidade das agências elaborarem o próprio orçamento e apresentarem ao Ministério respectivo ao qual são vinculados, para que seja incluído nos projetos de leis orçamentárias. Esta tarefa demonstra o controle com planejamento das receitas e despesas.

A característica mais importante das agências reguladoras é a sua autonomia normativa. O poder normativo se efetiva por meio dos decretos regulamentares. Os principais fundamentos dessa autonomia são: (i) a existência de uma delegação legislativa; (ii) deslegalização; (iii) princípio da eficiência; (iv) decretos autônomos; e, (v) flexibilidade obtida com a norma regulamentadora.

Sobre a autonomia normativa discorre o doutrinador Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

“Com efeito, está na atribuição de uma competência normativa reguladora a chave para operar em setores e matérias em que devem predominar as escolhas técnicas, distanciadas e isoladas das disputas partidárias e dos complexos debates congressuais, pois essas, distintamente, são métodos mais apropriados às escolhas político-administrativas, que deverão, por sua vez, se prolongar em novas escolhas administrativas, sejam elas concretas ou abstratas, para orientar a ação executiva dos órgãos burocráticos da Administração direta”[6].

Vê-se, deste modo, que a autonomia das agências reguladoras é um elemento crucial para construir a sua definição.

1.1.4. Constitucionalidade das agências reguladoras no Brasil

Com as transformações na organização do Estado e na ordem econômica introduzidas por emendas constitucionais, passou-se a ter previsão na CF/88 de entidades reguladoras para os setores de telecomunicações e petróleo[7].

Essas modificações autorizaram a criação, pelo legislador infraconstitucional, de agências reguladoras nos setores de telecomunicações e petróleo. Também ensejaram a criação de outras autarquias reguladoras independentes nas áreas de energia elétrica, transportes, saúde, meio ambiente, saneamento e cinema.

Sobre o tema existe a controvérsia quanto à constitucionalidade ou não da agência reguladora que não tem a sua instituição estabelecida diretamente na Constituição Federal.

A partir desse aspecto, parte da doutrina começou a defender a tese de que as únicas agências reguladoras admitidas seriam àquelas previstas na Constituição Federal, sendo que a criação de outras autarquias regulatórias atentaria ao preceito do princípio constitucional da legalidade e do princípio da segurança jurídica.

Todavia, há quem discorde de tal entendimento, como, por exemplo, Marçal Justen Filho, considerado um dos maiores doutrinadores em Direito Regulatório. Para este doutrinador, é irrelevante que haja a previsão constitucional explícita, pois se para se criar uma agência reguladora fosse necessária a previsão constitucional explícita, as únicas agências admitidas em nosso ordenamento seriam a ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações e a ANP – Agência Nacional do Petróleo. E, por consequência tornar-se-ia inadmissível a existência de outras. E mais, para o referido autor:

“as duas entidades previstas constitucionalmente não são meras autarquias, mas podem ser configuradas como figuras dotadas de outros caracteres. Autarquias seriam as demais figuras criadas legislativamente, sem previsão constitucional. Já aquelas com assento constitucional seriam entidades supralegais, às quais se assegurariam atributos jurídicos excepcionais” [8].

1.2. Poder normativo das agências reguladoras

O poder regulamentar é a prerrogativa dos Chefes do Poder Executivo de expedirem atos normativos com o objetivo de conferir maior exequibilidade a uma lei[9].

Há alguns casos, porém, em que a Constituição autoriza a produção de atos que emanam diretamente do mandamento constitucional e, por isso, têm natureza primária. Nessas situações, não existe outro ato legislativo que paira entre a Constituição e o ato de regulamentação como ocorre tradicionalmente com o poder regulamentar[10].

O poder normativo das autarquias regulatórias deriva da conexão existente entre a entidade que regulamenta e a atividade a ser regulamentada.

Sobre esse poder, há discussão na doutrina administrativista sobre se as agências reguladoras possuem ou não o poder normativo. Não há, contudo, consenso sobre o assunto.

Essa controvérsia pode ser demonstrada por meio de duas posições doutrinárias:

Corrente a favor do poder normativo:

· A primeira corrente admite o poder normativo das agências reguladoras, uma vez que esse poder normativo foi estabelecido pela legislação criadora das agências.

O fundamento para esse entendimento é a tese da deslegalização ou delegificação.

Pela referida técnica, o legislador transfere o tratamento de determinado assunto do domínio da lei, passando-o para a competência da agência reguladora, isto é para o domínio do regulamento.

Então, a matéria que era tratada por lei, passará a ser tratada por ato administrativo. Desta forma, a entidade administrativa pode regulamentar o setor, por meio de normas.

Para essa corrente, a deslegalização tem guarida constitucional, sendo, inclusive, contemplada na Carta. Cita-se como exemplos o art. 96, inciso I, alínea “a”, que desloca do Poder Legislativo para o Poder Judiciário o dispor sobre a competência e funcionamento de seus respectivos órgãos; o art. 207, caput, que desloca do Poder Legislativo para as universidades o dispor sobre matérias didáticos-científicas; e o art. 217, inciso I, que desloca do Poder Legislativo para entidades desportivas, dirigentes e associações, o dispor sobre suas organizações e funcionamento. [11]

A corrente ainda cita outros argumentos: (i) a deslegalização provém de lei votada e aprovada pelo Congresso Nacional; (ii) os dirigentes das agências reguladoras, são aprovados após sabatina pelo Senado Federal; e (iii) as regulações devem ser antecedidas de audiência pública, dando maior legitimidade aos atos emanados pelas agências reguladoras .[12]

Corrente contrária ao poder normativo:

A segunda corrente considera inconstitucional o poder normativo amplo às agências reguladoras. Ou seja, nega poderes normativos às agências, e, também, nega a tese da deslegalização.

Essa corrente se fundamenta nas leis que criaram as agências reguladoras. Estas trouxeram apenas princípios genéricos que devem ser observados pela agência. O legislador não transferiu sua competência para o administrador público. Não pode haver a chamada delegação legislativa em branco ou delegação legislativa inominada, pois que esta violaria dois princípios constitucionais: o princípio da legalidade e o princípio da separação de poderes.

Para a segunda corrente, o poder normativo das agências reguladoras é o mesmo poder normativo que qualquer outra entidade administrativa possui, isto é, um poder normativo limitado, que deve estar circunscrito aos seus agentes e as suas atividades internas.

Em contra-argumento a segunda corrente, a primeira corrente diz que não há a delegação legislativa em branco, pois a delegação em branco ou inominada pressupõe uma delegação sem nenhum parâmetro ou critério, e isso não teria acontecido nas leis das agências. Ocorreu o que se chama de delegation with standards, delegação com parâmetros. Existem parâmetros delineados na legislação das agências que irão nortear a confecção das normas a serem editadas pelas autarquias regulatórias.

Para corroborar o entendimento da primeira corrente, o Supremo Tribunal Federal (STF), em ação direta de inconstitucionalidade, entendeu ser constitucional o poder normativo das agências reguladoras, desde que previstos standards e mesmo que presentes genericamente na lei instituidora da autarquia regulatória[13].

Assim, entende-se que a competência das agências reguladoras de editarem normas não pode ser encarada como uma usurpação da função legislativa, pois para acompanhar os novos padrões da sociedade é preciso que exista a confecção mais ágil de normas diretas para tratar de assuntos específicos.

Apesar de o ato normativo da agência reguladora não se apresentar como lei em sentido formal, ele se afigura como lei em sentido material, porquanto disciplina situações jurídicas de forma genérica e abstrata.

Nesse aspecto, hão de existir limites ao exercício de tal poder normativo. Se o ato regulatório for perpetrado sem respeito ao procedimento previsto na lei que criou e disciplinou a agência reguladora, ou sem a observância da análise de impacto regulatório e da consulta popular, estará viciado, tendo em vista que a ele carecerá legitimidade na atuação regulatória, principalmente para estabelecer os interesses a serem ponderados.

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Sobre a autora
Juliana Viera Bernat de Souza

Advogada Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar, formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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