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A liberdade da Teoria de Robert Alexy e a colisão entre os direitos à informação e à privacidade

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dentro da teoria alexyana de colisão entre princípios e no conceito de condicionante, que diz respeito aos pressupostos fáticos da lei de colisão entre o direito à informação e o direito à privacidade.

RESUMO: A composição do presente artigo objetiva explicitar a colisão de princípios, notadamente entre o direito à informação e o direito à privacidade, ambos elevados ao patamar de direitos fundamentais pelo texto constitucional pátrio, tendo como base a teoria da liberdade e da lei de colisão de Robert Alexy. Para tal, foi utilizado o método dedutivo analítico, bem como a pesquisa bibliográfica e revisão teórica com exploração de autores que versam sobre o tema ora proposto. Como fundamentação teórica, busca-se abrigo na teoria alexyana de colisão entre princípios e no conceito de condicionante, que diz respeito aos pressupostos fáticos da lei de colisão. Os condicionantes compõem a base material dos chamados juízos de ponderação. A partir destes juízos são formadas as relações de preferência em cada colisão.

Palavras Chave: Direitos Fundamentais, Lei de colisão, Robert Alexy, Filosofia do Direito


1 Introdução

A relevância de se proceder à leitura da teoria de Alexy no contexto contemporâneo se justifica na forma como o jurista alemão tece seu pensamento a respeito da colisão de princípios, da resolução de embates entre direitos fundamentais e da relativização dos princípios. A questão da liberdade jurídica em Alexy é, sem dúvida, um tema que merece especial atenção, combinada à análise do tratamento que o jurista concede à norma jurídica, bem como sua conceituação.

Com o intuito de proceder da melhor maneira possível com a exposição do tema, o método utilizado para a realização da pesquisa foi o analítico, fazendo uso da pesquisa bibliográfica e revisão teórica com explanação de autores que versam sobre o pensamento de Alexy.

Considerado um dos mais influentes e respeitados pensadores contemporâneos do Direito, Robert Alexy, nascido na cidade de Oldenburg, Alemanha, em 9 de setembro de 1945, graduou-se em Direito e Filosofia pela Universidade de Göttingen. Recebeu o título de PhD no ano de 1976, com a dissertação Uma Teoria da Argumentação Jurídica, e a posterior habilitação oito anos depois, com a obra Teoria dos Direitos Fundamentais, duas importantes obra da Filosofia e Teoria do Direito.

Professor catedrático na Universidade de Kiel, Alemanha, os estudos de Alexy são voltados para os direitos fundamentais, em especial às questões filosóficas e temáticas relacionadas à teoria geral do Direito. Como base para suas análises, Alexy adota a Constituição e a interpretação do Tribunal Constitucional Alemão, chamado por ele de Tribunal Constitucional Federal, de onde busca subsídios para suas reflexões e conclusões próprias.

Antes de iniciarmos a abordagem do tema proposto, faz-se necessário expor, ainda que resumidamente, as ideias de Alexy no tocante ao direito e a metodologia que adota.

A teoria dos direitos fundamentais proposto pelo jurista alemão tem como base a tipologia das normas jurídicas, em que as espécies se dividem em regras e princípios, de extrema relevância para a construção de sua teoria. Alexy supera a divisão entre direito positivo e direito natural, apontando três importantes caraterísticas para não se cair no positivo ou jusnaturalismo, quais sejam, a legalidade conforme o ordenamento, a eficácia social e a correção material.

Quando se tem um conceito de direito descrito somente com a legalidade ou eficácia social, sem a ideia de correção material, estar-se-á diante de um conceito positivista. Já o conceito de direito natural é baseado justamente nessa correção material. O conceito de direito que Alexy adota abrange a legalidade, a eficácia e a correção. A junção destes três elementos caracteriza a superação do positivismo jurídico, no qual o reconhecimento da valoração na ciência jurídica, aliada à sua racionalidade exerce importante papel.

A respeito da igualdade, uma temática relevante no pensamento de Alexy, o mesmo esclarece que o legislador se encontra atrelado a três vedações, quais sejam, a de tratar o igual de modo desigual; tratar o substancialmente igual desigualmente e tratar o substancialmente igual arbitrariamente de modo desigual. Essas conclusões derivam da interpretação que o Tribunal Constitucional Alemão deu ao tema.

Esta última representa a colocação de maior problema, vez que significa aceitar que, mesmo em termos substanciais, é preciso que haja tratamento desigual entre iguais. O fim do último enunciado, entretanto, traz uma ressalva: o enunciado é completado pela expressão “arbitrariamente”, é dizer, trata-se de uma qualificação do tratamento, que é desprovido do sentido de razoabilidade e justiça.

A despeito do tratamento desigual entre igual, o próprio Tribunal Constitucional Alemão fornece um conceito que seja, formal e substancialmente, uma diferenciação arbitrária, ao declarar que esta acontece quando “não é possível encontrar um fundamento razoável, que decorra da natureza das coisas, ou uma razão objetivamente evidente para a diferenciação ou para o tratamento igual feitos pela lei”. Para o jurista, diante da situação exposta, é preciso que haja razão suficiente que justifique uma diferenciação. Ainda para ele, a qualificação dessa razão como suficiente é um problema de valoração. Nesse sentido, Alexy assinala que o campo valorativo é o real ponto de interesse.           


2. Conceito de norma e sua estrutura: conflitos de regras e colisão de princípios           

No período pós Segunda Guerra, as Constituições passaram a incluir em seus textos valores e direitos inerentes à pessoa que antes não existia. Alexy percebendo essa tendência e tendo em vista a importância de um conceito de norma que abarcasse a compreensão dos direitos fundamentais, desvinculou seu conceito ao modelo tradicional. Assim, o jurista desenvolveu um conceito de norma, chamado de conceito semântico, de modo a suplantar as dúvidas a respeito da distinção entre regras e princípios.

O conceito de norma de Alexy parte do entendimento de que a norma é o significado de um enunciado normativo. E essa diferenciação se faz necessária, vez que uma única norma pode ser expressa por meio de inúmeros enunciados. Normas também podem ser expressas sem a necessidade de haver um enunciado, como as normas produzidas por placas de trânsito, por exemplo, que não possuem um enunciado explícito, mas possuem um significado atrelado a elas.

Nesse sentido, a partir da análise da própria norma, e não da análise do enunciado expresso, é possível sua identificação. Assim, o critério utilizado para definir a norma está nos modais deônticos, ao qual as diferentes espécies se resumem no dever ser. Como orienta Paulo de Barros Carvalho, o modal deôntico é o que diferencia o dever ser interproposicional e o dever ser intraproposicional. O primeiro representa o liame entre a hipótese presente na norma e a consequência jurídica, enquanto que o segundo liga o sujeito pretensor ao devedor. Essa relação existe nas regras de comportamento. Segundo o jurista alemão, o dever-ser intraproposicional se divide nos modais obrigatório, permitido e proibido.

Enquanto Paulo de Barros Carvalho entende que o modal deôntico se apresenta somente nas regras que descrevem um comportamento, Alexy defende que o modal está presente em qualquer tipo de norma, nos princípios inclusive.

Alexy adota um conceito semântico que não se confunde com a validade, é dizer, mesmo que seja possível conciliar o conceito semântico com diferentes teorias de validade da norma, o conceito semântico não é capaz de estabelecer critérios para se saber quando uma norma é ou não válida. O jurista alemão aponta três teorias, quais sejam: sociológica, jurídica e ética. Na teoria sociológica, são examinados fatos sociais para se reconhecer as normas válidas, como, por exemplo, o sentimento de obrigatoriedade ou a obrigatoriedade habitual das mesmas. Na teoria jurídica, é válida somente a norma que é produzida por uma autoridade competente; competência que é estabelecida por uma norma superior. Já na teoria ética, o fundamento da validade da norma se fundamenta na moral.

O conceito semântico de Alexy não contesta essas teorias, porém não as toma como fundamento, vez que para que essas teorias possam dizer que uma norma é ou não válida elas precisam, antes, dizer o que seria uma norma. Por isso que Alexy entende ser mais apropriado o conceito semântico. Tal conceituação encontra guarida na percepção de Kelsen sobre norma, vez que o filósofo realizava separação entre ser e dever ser. Alexy aceita a semelhança com a teoria kelseniana desde que feita uma ressalva em relação ao elemento volitivo kelseniano, não incluído no modelo de jurista alemão, qual seja, norma como produto de um ato de vontade.

No tocante às normas de direito fundamental, Alexy leciona que podem ser de dois tipos, as que são estatuídas pela Constituição e as que a elas são adscritas. As primeiras são as normas que se encontram no texto constitucional, e as segundas são resultado de interpretação, que enseja tornar uma norma textualmente presente mais precisa, é dizer, é resultado da interpretação que tem por objetivo tornar o dispositivo constitucional mais claro.

Um ponto importante em relação às normas adstritas é justamente descobrir o critério que permita reconhecê-las dentro do texto constitucional. Para Alexy, a validade da norma adstrita tem guarida quando é capaz de oferecer uma fundamentação jurídica fundamental correta, é dizer, tudo depende da argumentação que for utilizada, não estando definido um procedimento específico que leve a um resultado único.

Para Alexy, as normas se estruturam sob duas formas, a saber, regras ou princípios, contrariando totalmente a antiga diferenciação entre normas e princípios. O que seria regra ou princípio, no entanto, é motivo de discussão. José Gomes Canotilho enumera cinco critérios para diferenciar as duas formas, sendo: 1) O grau de abstração, em que os princípios possuem maior grau que as regras; 2) grau de determinabilidade, é dizer, é necessário haver mediação para que os princípios sejam aplicados, já as regras possuem aplicabilidade direta; 3) fundamentabilidade no sistema das fontes do direito, em que os princípios estão localizados num patamar mais elevado ou possui função estruturante dentro do sistema jurídico; 4) proximidade da ideia de direito, ou seja, os princípios estão atrelados à ideia da justiça, segundo Ronald Dworking, ou enquanto as regras podem ser normas com caráter tão somente funcional, para Karl Larenz.

Para Alexy, princípios e regras são normas, pois ambos expressam um dever ser, podendo ambos ter como fundamento um modal deôntico. Nesse sentido, regras e princípios seriam espécies do gênero norma. A diferença entre os dois não teria cunho hierárquico, mas qualitativo.

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O diferencial da teoria do jurista alemão, quando diferencia regras e princípios, está no conceito de princípio, que se refere a uma norma que ordena que algo seja realizado na maior medida possível, atendendo às possibilidades fáticas e jurídicas. Alexy chama os princípios de mandados (ou mandamentos) de otimização, referindo-se tanto à permissão quando à proibição. Os limites devem ser cumpridos no maior grau possível, limitados apenas pelas possibilidades fáticas e jurídicas, que dizem respeito aos princípios e regras opostas.

Alexy esclarece, ainda, que é preciso distinguir os mandados que são otimizados com os mandados de otimização. Para o jurista alemão, aqueles significam um dever ser ideal, é dizer, deve ser otimizado e por meio da otimização transforma-se em um dever ser real. Em contrapartida, os mandados de otimização definem que os mandados que são otimizados devem ser realizados na maior medida possível. O mandado de otimização, assim como as regras, devem ser cumpridos e não otimizados, sem se confundir com o princípio, que deve ser otimizado.

Sob este prisma, convém tratar os princípios como mandados de otimização, pois é dizer que estes possuem dois aspectos, o prático, envolvido na ponderação, e o teórico, que envolve sua conceituação. Assim, tem-se que o conceito de princípio pode ser comparado com as duas faces de uma mesma moeda, em que de um lado tem-se o objeto que deve ser otimizado e de outro, a determinação de otimizar.

Por outro lado, para Alexy, as regras são normas que devem ser cumpridas ou não, não havendo meio termo. O seu cumprimento não pode ser realizado parcialmente, mas apenas de forma integral. O modo descrito por Ronald Dworkin (ou tudo ou nada) foi utilizado por Robert Alexy em sua teoria, agregando o conceito de princípios como mandados de otimização.

A diferenciação é importante quando se tem por pauta a análise dos embates recorrentes entre regras e entre princípios, que ao se chocarem conduzem a diferentes respostas. Por se tratarem de espécies diferentes, a solução também é distinta. Para embates entre regras temos o que Alexy chama de conflito e, no caso de princípios, temos uma colisão.

Como já analisado, quando estamos diante de um conflito, ou uma das regras é declarada inválida e expulsa do ordenamento jurídica ou é introduzida uma cláusula de exceção numa delas. Com essa última condição não é preciso que a regra seja declarada inválida, permitindo que, de modo excepcional, ela deixe de ser aplicada.

Alexy concede um simples exemplo para facilitar tal entendimento. O jurista se refere a duas normas escolares, uma que proíbe os alunos de saírem da sala antes do sinal ser tocado e uma outra que ordena que os alunos abandonem a sala de aula caso o alarme de incêndio toque. Neste caso onde há conflito, é inserida uma cláusula de exceção, em que quando soa o alarme de incêndio a primeira regra não deve ser cumprida. Se qualquer das duas normas for invalidada teremos uma situação em que os alunos estariam autorizados a sair da sala a qualquer momento ou deveriam permanecer nelas no caso de um incêndio[18].

Assim, a invalidação da regra é realizada expulsando do ordenamento a regra invalidada, vez que a validade jurídica não comporta gradação, pois uma norma é válida ou não, não admitindo meio termo. Essa invalidação segue os critérios clássicos para o caso de solução de antinomias, quais sejam, norma posterior derroga norma anterior ou norma superior derroga norma inferior. Sendo possível, será introduzida uma cláusula de exceção.

Em se tratando de princípios, entretanto, no caso de colisão um deles deve ceder frente ao outro, não podendo se falar em invalidação ou introdução de cláusula de exceção. No caso concreto, pode acontecer de um princípio ter maior peso que outro, tendo, assim, preferência. Assim, temos que os conflitos são resolvidos na dimensão de validade, já as colisões, na dimensão de peso[19].

Como no caso de colisões, cada princípio aponta uma diferente solução, não há como declarar um princípio inválido, pois princípios consagram direitos fundamentais presentes no texto constitucional. A solução proposta por Alexy é analisar a realidade do caso, estabelecendo uma relação de precedência condicionada, é dizer, ao examinar-se o caso são encontradas condições sob as quais um princípio precede o outro[20]. Para Alexy, a colisão de dois princípios representa juízos contraditórios, como “está autorizado” e “está proibido”. A solução seria estabelecer uma relação de precedência entre ambos e havendo precedência absoluta, existiriam quatro soluções possíveis. No caso a seguir, P está indicando a relação de precedência e C as condições sob as quais um princípio precede ao outro[21]:

 

(1)  P1 P P2

(2)  P2 P P1

(3) (P1 P P2) C

(4) (P2 P P1) C

 

Nas situações (1) e (2) existe precedência absoluta de um princípio sobre o outro, situação essa não aceita pelo Tribunal Constitucional da Alemanha nos casos de princípios de Direito Constitucional. Já nos casos (3) e (4), há relações de precedência condicionada, vez que ela existe desde que verificadas algumas condições. Ao fixar tais condições, o Tribunal avalia o peso de cada princípio para saber qual se sobressai sobre o outro e, assim, resolver o caso.

Assim, num caso concreto, terá prioridade o princípio que mais satisfaz a condição C, ou seja, se verificadas as circunstâncias de preferencias que estão descritas em C, deve ser realizada a consequência jurídica prevista no princípio que foi priorizado.

A essa resolução, Alexy deu o nome de “lei de colisão”, representando um dos principais fundamentos de sua teoria, sendo um reflexo da otimização dos princípios e da falta de prioridades absolutas entre eles. Com a ponderação é possível solucionar o embate entre princípios, chamados também de valores pelo Tribunal Constitucional Alemão.

 

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Sobre o autor
Francisco Renato Silva Collyer

Professor nas áreas de Legislação, Logística, Ética e Sociologia. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Especialista em Filosofia, Direito Público, Ciência Política e Direito Ambiental. Graduado em Direito e Ciências Sociais. Possui cursos de formação complementar nas áreas de Direito, Filosofia, Sociologia, Ética, Meio Ambiente e Gestão Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLLYER, Francisco Renato Silva. A liberdade da Teoria de Robert Alexy e a colisão entre os direitos à informação e à privacidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4942, 11 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54736. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Artigo escrito sob orientação da Profª Dr.ª Cláudia Mansani Queda de Toledo.

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