Racismo disfarçado: impactos sociais

23/12/2016 às 00:31
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Analisa-se a discriminação disfarçada nas relações diárias e os impactos dela decorrentes.

Já não é de hoje que se discutem questões ligadas ao racismo, em especial, no que envolve o aspecto preconceito de cor. Basta observar a quantidade considerável de movimentos sociais lançados a nível mundial, cuja finalidade é o combate ao racismo, visando ampliar cada vez mais a isonomia entre a raça humana.

Nesta mesma sorte, criam-se políticas institucionais repudiando a discriminação em qualquer de suas formas. Todavia, tudo isto só, parece não ser suficiente para conter a desigualdade alargada que decorre das discriminações raciais.

É a partir daí que surgem as políticas de inclusão ou ações afirmativas, as quais visam corrigir erros e tratamentos diferenciados que ocorreram no passado, dando oportunidade para que as classes prejudicadas recebam tratamento isonômico, tanto na vertente formal, quanto na material, e assim gozem de condições semelhantes ofertadas as demais pessoas.

Muito embora seja de notório conhecimento de todos que a prática de racismo é crime e há mandamento constitucional para isso (artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal), esta ação vem sendo praticada ainda que sem querer pela grande massa da população.

Acerca de aproximadamente um mês foi exibido pela Rede Globo de Televisão uma reportagem nesse sentido, a qual mencionava a discriminação disfarçada e como as pessoas reagiam frente a situações que estavam intimamente ligadas a cor da pele. O resultado foi surpreendente, pois mesmo o teste sendo realizado com diferentes participantes, a resposta se mostrou equivalente, em todas as situações.

No teste citado, foi apresentado fotografias de pessoas brancas e negras, em situações idênticas. Para tanto, formaram-se dois grupos, um para analisar fotografias de pessoas brancas e outro para analisar fotografias de pessoas negras.

Na análise das fotografias o mediador começou mostrando uma fotografia de uma pessoa correndo desesperada e perguntou para o participante: “o que você vê nesta foto?” Na foto da pessoa branca o participante respondeu que era uma pessoa que estava com presa, possivelmente atrasada para o trabalho ou outro compromisso qualquer. Já na foto da pessoa negra, o participante respondeu tratar-se de uma pessoa fugindo, um ladrão!

A segunda fotografia mostrada continha a imagem de dois homens vestidos com um terno preto. Na foto com a pessoa branca o participante mencionou que o sujeito poderia ser um executivo, um empresário ou um gerente, ao passo que na foto da pessoa negra o participante mencionou tratar-se de um segurança de shopping ou de um motorista.

Foi exibida uma terceira foto, desta vez, com duas mulheres limpando a casa, sendo uma negra e outra branca. Na foto da mulher negra o participante afirmou se tratar de uma diarista ou de uma empregada doméstica, já na foto da mulher branca, o participante sustentou que seria uma mulher limpando a sua própria casa.

Por fim, mostrou-se uma quarta foto, com duas mulheres pichado um muro, sendo, também, uma branca e outra negra. Na análise da foto da mulher branca o participante respondeu: “Eu acho que é uma grafiteira. Tem jeito de grafiteira. O grafite é uma arte, não é vândalo não. Não é um vândalo.” Já o participante do outro grupo, fazendo análise da foto com a mulher negra aduziu que: “era alguém pichando o muro. Pichadora.”

O resultado da pesquisa manteve-se semelhante entre todos os participantes. Depois, para o espanto de todos, divulgou-se o resultado e a finalidade da pesquisa. Sem resistirem, os participantes concordaram com a discriminação disfarçada que fizeram. Sustentaram ainda que mesmo sem querer a discriminação acontecia.

Ante o exposto, nota-se o impacto que a discriminação disfarçada pode causar e vem causando na sociedade, em especial, nas relações de empregos, mas não para por aí.

Segundo dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população negra ganha 42% menos que a branca. A diferença salarial por causa da cor da pele parece não ter sentido, mas os dados são concisos em afirmar a desigualdade na renda, apenas levando em consideração a etnia racial.

Registram-se ainda que 75% da população negra pertence à classe brasileira mais pobre. Este é um fator que com certeza contribui para que a mão de obra se torne mais barata, uma vez que a oferta, neste caso, é maior do que a demanda.

Com relação ao aspecto desemprego, os índices apontam para 63%, nível bastante alto, já que ultrapassa mais da metade da população trabalhadora. Assim, não dá para negar que a população negra apresenta muito mais dificuldade para ingressar no mercado de trabalho, e um destes motivos, sem dúvida, está associado à cor da pele, o que é lamentável.

No ramo empresarial também não é diferente, pois é corriqueira a prática de racismo institucional, aquele em que a pessoa é barrada no momento de preencher uma ficha ou em uma entrevista de emprego, pelo simples fato de ser negra.

Considerando esta situação, a Associação Brasileira de Recursos Humanos reconheceu que o preconceito ainda é uma realidade dentro das organizações brasileiras, assim, recomendou que os departamentos de recursos humanos empresariais, estimulem imediatamente a mudança desta cultura, uma vez que a pessoa não é melhor ou pior por ser negra.

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Assim, não há como tapar os olhos para esta prática repudiável que vem afastando oportunidades e recalcitrando o caráter isonômico da raça humana. Logo, seguindo o princípio geral do direito de cunho constitucional, que nos diz que “todos devem ser tratados como iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, percebe-se que as diferenças devem ser deixadas de lado, para que só assim a discriminação seja combatida.   

Por fim, encerra-se este breve artigo com uma belíssima frase de reflexão do ator negro norte americano Morgan Freeman: “o dia em que pararem de pensar em consciência negra, branca ou amarela e começarem a pensar em consciência humana, aí o racismo acaba.’’ 

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Sobre o autor
Willion Matheus Poltronieri

Delegado de Polícia. ex-Analista Judiciário. ex-Advogado. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós-graduado em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direitos Humanos Internacionais. Bacharel em Direito. Bacharel em Administração.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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