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Sistemas emergenciais:

breve análise de alguns pontos controvertidos

Leia nesta página:

Sumário:1 INTRODUÇÃO; 2 Limites ao sistema constitucional das crises; 3 O terrorismo e a preservação dos direitos fundamentais; 4 CONCLUSÃO.


1 INTRODUÇÃO

Os sistemas emergenciais, ou sistema constitucional das crises, são um conjunto de normas excepcionais aplicáveis em caso de instabilidade institucional, conforme estatuem os art. 136 a 141 da Constituição Federal de 1988.

Constituem-se de duas figuras jurídicas, previstas no Capítulo I do Título V da Lei Maior: o estado de defesa e o estado de sítio.

Estando presentes as hipóteses definidas na Constituição [1], e preenchidos os requisitos ali também estabelecidos, é autorizada, sempre de forma provisória, a suspensão dos direitos constitucionalmente elencados.

O estado de defesa e o de sítio são instituídos por decreto presidencial, após terem sido ouvidos os Conselhos da República e de Segurança Nacional e, no caso do estado de sítio, depois ter sido aprovado o ato pelo Congresso Nacional.

O decreto instituidor do sistema emergencial deve fixar o prazo de vigência desse, a área a ser abrangida e as medidas coercitivas que poderão ser aplicadas [2], além de conter a nomeação dos executores, quando for o caso.

Traçadas essas linhas gerais, cabe analisar outros aspectos, mais raramente discutidos, das medidas emergenciais.


2 Limites ao sistema constitucional das crises

Raramente se discutem as limitações às medidas emergenciais.

De fato, os estados de sítio e de defesa não podem ser decretados pelo Chefe do Poder Executivo Federal com total e irrestrita discricionariedade.

Nesse sentido, Canotilho ensina que "O regime das situações de excepção não significa suspensão da constituição (excepção da constituição), mas sim um regime extraordinário incorporado na Constituição e válido para situações de anormalidade constitucional." [3]

Dessa forma, deve-se obedecer a princípios materiais que emanam da própria ordem constitucional. Ângelo Fernando Facciolli [4] sugere os seguintes: a) do respeito e da dignidade à pessoa humana; b) da prevalência dos direitos humanos; c) da obediência ao princípio máxime da legalidade; d) da proporcionalidade, quando da redução dos direitos e garantias fundamentais; e) da precariedade da vigência das medidas de exceção; f) da motivação-discricionária (arbítrio X necessidade) para decretação dos institutos; g) independente do "perigo" a ser enfrentado, adotar-se-á sempre a postura defensiva (animus defendi); h) os impactos causados devem buscar, em última instância, a ordem pública e a pacificação da sociedade.

Além disso, em relação às garantias constitucionais restringíveis, Alexandre de Moraes afirma que "no sistema constitucional de crise jamais haverá, em concreto, a possibilidade de supressão de todos os direitos e garantias individuais, sob pena de total arbítrio e anarquia, pois não há como se suprimir, por exemplo, o direito à vida, à dignidade humana, à honra, ao acesso ao judiciário" [5].

Por fim, há as limitações que decorrem da própria regulamentação constitucional, como, por exemplo, a limitação territorial no caso do estado de defesa (art. 136, § 1º, CF).

Assim, o Presidente da República, ao decretar a medida de exceção, deve se ater aos parâmetros aqui elencados. Caso contrário, responderá civil, penal [6] e administrativamente. A própria Constituição Federal, aliás, prevê, no seu art. 141, a responsabilidade dos executores e dos agentes das medidas.

Ademais, o estado de defesa ou de sítio poderá ser suspenso [7] pelo Congresso Nacional, que estará necessariamente em funcionamento [8], durante toda a execução da medida. Há também previsão constitucional da criação de uma Comissão, pela Mesa do Congresso Nacional, para acompanhamento e fiscalização das medidas tomadas [9].


3 O terrorismo e a preservação dos direitos fundamentais

Vimos que a utilização dos institutos ora estudados não é ilimitada.

Surge, então, relevante questão diante dos tempos atuais: o conceito que se tem hoje das medidas de emergência permite um enfrentamento eficaz do terrorismo em suas várias formas? Ou ainda: é possível garantir a incolumidade dos direitos individuais apesar da necessidade de prevenir e combater atentados terroristas?

A resposta que apresentaremos não representa entendimento pacífico da doutrina.

De fato, toma vulto a corrente doutrinária que compreende os direitos fundamentais como relativos, que encontram seus limites nos demais direitos fundamentais postos. Alexandre de Moraes ensina que:

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas. [10]

Diante desse novo entendimento, cremos que o mais salutar, no caso, seria preservar os direitos individuais cujo exercício não impede o combate ao terrorismo, não se evitando mitigar aqueles cujo sacrifício seja necessário. Isso porque, se o direito à intimidade e ao sigilo das comunicações telefônicas, por exemplo, é direito individual garantido constitucionalmente, também o são os direitos à segurança e, sobretudo, à vida, ameaçadas constantemente naqueles locais sujeitos a atentados terroristas.

Assim sendo, no conflito entre direitos fundamentais, deve ser preservado aquele mais essencial, e que, ao menos em tese, beneficia maior número de pessoas. Eis porque cremos ser possível, na luta contra o terrorismo, mitigar direitos individuais.

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Dessa forma, as medidas de emergência aqui estudadas devem ser utilizadas, estando presentes as hipóteses legais, diante de atos de terrorismo, podendo-se restringir todos os direitos necessários, sempre nos limites do estabelecido na Constituição Federal.


4 CONCLUSÃO

Conforme afirma Facciolli, "não há no direito constitucional brasileiro, em verdade, uma tradição histórica de gerenciamento jurídico de crises". [11]

No entanto, nota-se grande diferença entre o sistema previsto na Constituição atual e aquele descrito no ordenamento jurídico anterior. Nesse, o "estado de emergência" servia para defender a ideologia dominante da época, não permitindo insurreições contra o poder estabelecido. Hoje, o que se tem em mente é proteger a soberania do Estado e, em última análise, a paz social.

Porém, nota-se que, por vezes, é necessário adotar uma das medidas ora analisadas. Assim ocorreu no presente ano, quando a (crescente) criminalidade na cidade do Rio de Janeiro levou as autoridades a considerarem a decretação do estado de defesa.

Acontece que o estado de defesa, bem como o estado de sítio e a intervenção federal, constitui uma das limitações circunstanciais ao poder constituinte derivado [12], de modo que, na sua vigência, não se pode sequer deliberar [13] sobre emendas à Constituição.

Assim sendo, a utilização das medidas de urgência ora analisadas é, no mais das vezes, reduzida devido ao interesse político em se modificar a Lei Maior, o que impede a cessação do estado de exceção.

Dessa forma, a própria concessão da norma constitucional, que visa a garantir a lisura do processo legislativo reformador, cerceia a atuação do Poder Público com a finalidade de manter a ordem pública e a paz social, finalidades últimas do Estado Democrático de Direito. Ou a mentalidade politiqueira do administrador público ou a norma constitucional: algo precisa ser reformado...


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 O estado de defesa á cabível para "preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza" (art. 136 da CF). Já o estado de sítio, para os casos de: "I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira".

2 As medidas coercitivas que podem ser tomadas durante o estado de defesa estão elencadas no § 1º do art. 136 da Constituição. No estado de sítio, de outro lado, podem ser tomadas, no caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, todas as medidas necessárias, desde que haja previsão no decreto instituidor. Entretanto, no caso de estado de sítio decretado por outro motivo somente podem ser tomadas as medidas previstas no art. 139 da Constituição Federal.

3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1146.

4 FACCIOLLI, Ângelo Fernando. O Estado extraordinário: fundamentos, legitimidade e limites aos meios operativos, lacunas e o seu perfil perante o atual modelo constitucional de crises. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3079>. Acesso em: 06 mai. 2004 p. 16.

5 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1615.

6 O art. 7º, n. 10 da Lei n. 1.079/50, por exemplo, prevê como crime de responsabilidade "tomar ou autorizar durante o estado de sítio medidas de repressão que excedam os limites da Constituição".

7 Art. 49, inciso IV, Constituição Federal.

8 Art. 136, § 6º, Constituição Federal.

9 Art. 140, Constituição Federal.

10 Id., Direitos humanos fundamentais. 2. ed. Coleção Temas Jurídicos. São Paulo: Atlas, 1998. p. 46.

11 FACCIOLLI, op. cit., p. 4.

12 Art. 60, §1º, Constituição Federal.

13 Nesse sentido comenta Roberto B. Dias da Silva: "Sendo assim, com a decretação do estado de defesa, não se obsta somente o ato formal de promulgação das emendas à Constituição, mas também se impede a tramitação dos projetos de emenda, sob pena de se configurar flagrante inconstitucionalidade, visto que é durante a discussão e votação que são concebidas as mudanças constitucionais". (DIAS DA SILVA, Roberto B. A decretação do estado de defesa e as emendas à Constituição. Ultima instância, São Paulo, mai. 2004. Seção Colunas. Disponível em: <www.ultimainstancia.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=272-15k>. Acesso em 02 de maio de 2004.)

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Sobre as autoras
Maísa Cristina Dante da Silveira

advogada em Franca (SP), mestranda em Direito Público

Sidinéa Faria Gonçalves da Silva

Bacharela em Direito, Mestranda em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Maísa Cristina Dante ; SILVA, Sidinéa Faria Gonçalves. Sistemas emergenciais:: breve análise de alguns pontos controvertidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 379, 21 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5483. Acesso em: 24 nov. 2024.

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