Novos Paradigmas na Segurança Pública

03/01/2017 às 12:24
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Como as medidas adotadas pelo Ministério da Justiça no final do ano de 2016 impactam o cenário da segurança no país e o que se pode esperar das próximas ações da pasta, sob a titularidade de Alexandre de Moraes.

Quando foi anunciado como possível Ministro da Justiça do Governo Michel Temer, o nome do ex-Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Alexandre de Moraes, foi recebido com bastante ceticismo pela maior parte dos especialistas em segurança pública do país. Ligado ao PSDB, partido com histórica relação com a tese da criminalidade como consequência do determinismo social, e vindo do estado que acabara de adotar medidas assaz controversas no campo dos registros criminais – como o cômputo dos homicídios pelas ocorrências, e não pelo número de vítimas -, Moraes parecia se alinhar à ideologia que predominou naquela pasta nos últimos vinte e um anos (oito de FHC e 13 do PT), período em que os indicadores criminais só pioraram. Porém, apenas parecia. 

Ao ser confirmado no cargo, logo adotou o discurso da racionalização da legislação sobre segurança, anunciando medidas que desagradaram em cheio os habituais – e verdadeiramente inexplicáveis - parceiros do Ministério da Justiça, sobretudo as ONGs que ali exerciam grande influência. Numa de suas frases mais contundentes, Moraes afirmou que, no combate ao crime, “o país precisa de mais armas e menos pesquisa”, desvelando uma crítica direta aos desarmamentistas representantes das ditas entidades, sobre os quais questionara o título de “especialistas”, por nunca terem trabalhado com segurança pública. E a postura do novel ministro não ficou apenas no discurso.

O final do ano de 2016 concretizou, no campo da segurança, medidas objetivas que suplantam, com folga, toda a retórica ideológica que imperou na pasta nas últimas décadas. O primeiro marco foi o Decreto nº 8.935, de 19 de dezembro, pelo qual foi ampliado, de três para cinco anos, o prazo de validade dos registros de arma de fogo, reivindicação antiga dos possuidores desses artefatos, que têm na necessidade de renovação do documento a maior ameaça à sua posse. Afinal, no Brasil, comprar uma arma legalmente não faz do cidadão seu dono, é preciso estar com o registro em dia, e nada garante que ele seja renovado.

Essa sistemática regulatória, aliás, é flagrantemente conflitante com a Constituição Federal, que trata o direito de propriedade como garantia fundamental do indivíduo (art. 5º), submetida, apenas, à sua “função social”, justamente o fundamento utilizado na ADIn nº 3112/04, proposta perante o Supremo Tribunal Federal, para questionar, dentre outros dispositivos do Estatuto do Desarmamento, a exigência da renovação periódica do registro de arma de fogo. No entanto, em um julgamento permeado de argumentos ideológicos, inspirações em direito comparado – sobretudo normas positivadas germânicas - e quase nada de respeito à Carta Magna brasileira, a exigência foi mantida.

A necessidade de renovação, portanto, é vigente em nosso ordenamento jurídico e constitui um dos maiores entraves à manutenção da arma pelo “proprietário”, eis que não é raro seu indeferimento, lastreado em critérios subjetivos que foram – ilegalmente¹ - remetidos à análise da autoridade policial federal concedente. Daí a significativa relevância da ampliação do prazo de validade do registro, conferindo, ao menos, um pouco mais de tranquilidade a quem tem uma arma, quanto ao prazo mínimo pelo qual com ela ficará.

As inovações oriundas do Ministério da Justiça prosseguiram. No dia seguinte ao Decreto 8935, outra norma de grande impacto: o Decreto nº 8.938/16, permitindo que as armas apreendidas com criminosos sejam usadas pelas forças de segurança pública. A possibilidade já era prevista no próprio Estatuto do Desarmamento, em seu art. 25 (abaixo), mas, por opção ideológica do Poder Executivo, jamais foi admitida, prevalecendo a regulamentação que tornou obrigatória a destruição desse material. Um grandioso desperdício, diante da realidade das polícias, envoltas em um emaranhado de entraves burocráticos e financeiros, penando para obter equipamentos minimamente eficazes no enfrentamento com criminosos.

Lei 10.826/03 | Art. 25: “As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

Decreto 5123/04 | “Art. 65.  As armas de fogo, acessórios ou munições mencionados no art. 25 da Lei no 10.826, de 2003, serão encaminhados, no prazo máximo de quarenta e oito horas, ao Comando do Exército, para destruição, após a elaboração do laudo pericial e desde que não mais interessem ao processo judicial.

§ 1º É vedada a doação, acautelamento ou qualquer outra forma de cessão para órgão, corporação ou instituição, exceto as doações de arma de fogo de valor histórico ou obsoletas para museus das Forças Armadas ou das instituições policiais. (Redação original)

Já no dia 22 de dezembro, a novidade foi o Decreto 8.940, que recrudesceu substancialmente os requisitos para a concessão do indulto natalino. Esta, aliás, uma previsão constitucional (art. 84, XII) que passou, na prática, de faculdade do Presidente da República a regra obrigatória, e que vinha colocando em liberdade, indistintamente, presos condenados a penas baixas, sem qualquer vinculação com a natureza de seus crimes, pouco importando se violentos ou não. Com a mudança, essa essencial característica passou a ser considerada, e a concessão do indulto deriva da combinação entre a pena, a personalidade do agente e a natureza do crime, deixando mais difícil a situação de criminosos reincidentes, nocivos e violentos.

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São medidas emblemáticas. Elas sinalizam, ainda que timidamente, uma ruptura na concepção do sistema jurídico-penal como destinado, prioritariamente, à recuperação dos criminosos, uma visão romântica, consagrada com a Convenção Americana de Direitos Humanos², que parece reservá-los, apenas, a quem viola a lei. As novas normas seguem uma compreensão técnica da segurança pública, na qual o essencial é a proteção da sociedade.

Diante das inovações normativas oriundas do Ministério da Justiça, cria-se grande expectativa para suas próximas medidas. Uma das demandas sociais mais recorrentes tem sido a revogação do Estatuto do Desarmamento, mas isso, em verdade, não é uma ação viável por ato unilateral do Poder Executivo, exigindo aprovação pelo Congresso – onde, nesse sentido, é avançada a tramitação do Projeto de Lei 3722/12.

Do ministro, pode vir, aí sim, a correção de uma flagrante ilegalidade imposta a quem busca adquirir uma arma para autodefesa, pois, mesmo assim não prevendo a Lei nº 10.826/03, sua regulamentação atual remete à pasta expedir “orientações” para a análise das declarações de efetiva necessidade apresentadas por quem busca a aquisição de armamento, e, até hoje, a ordem que impera é pela negativa, multiplicando indeferimentos nas delegacias do Sinarm. Se também corrigir essa verdadeira arbitrariedade, consagrando a objetividade prevista na lei em sentido formal, poder-se-á dizer que Alexandre de Moraes, independentemente dos desdobramentos de suas vindouras ações à frente da Justiça, ali já terá deixado um legado técnico primoroso para o país. É aguardar e torcer.


¹ REBELO, Fabricio. Negativa à compra de arma de fogo: ilegalidade da discricionariedade da Polícia Federal. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4033, 17 jul. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/30201>. Acesso em: 2 jan. 2017.

² Art. 5º, item 6.

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Sobre o autor
Fabricio Rebelo

Pesquisador nas áreas Jurídica e de Segurança Pública, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), Professor (cursos livres), Autor de "Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil", Assessor Jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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