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União estável e suas controvérsias

01/10/1999 às 00:00
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Este artigo tem como objetivo primordial aclarar as polêmicas existentes no complicado tópico do Direito de Família que é o concubinato, cujo tema originou-se na escola francesa, onde se fundamentaram nossos tratadistas, em particular os primeiros Magistrados que se iniciavam no estudo do direito concubinário.


1. Conceito.

É o convívio mais ou menos longo de um homem com uma mulher no mesmo ou em teto diferente, sem o vínculo matrimonial.


2. Efeitos.

Em regra o concubinato produz duas espécies de efeitos: um negativo e outro positivo.

O positivo é aquele que nasce do fato gerador de direito. Já o efeito negativo é aquele que, ao contrário do positivo, extingue ou altera direito pré-existente, ou mesmo implique sanção, direta ou indireta, contra os concubinos. Portanto, enquanto no efeito positivo adquire-se direitos, no negativo perde-se direitos.


3. Indenizações.

Na sociedade de fato, resultante de concubinato de longa duração pelos ganhos ou pela natureza do trabalho concubinário, pode-se ter uma idéia da participação maior ou menor deles, levando-se em conta o serviço doméstico prestado pelo concubinário ou mesmo sua participação efetiva, via contribuição, para aumento do patrimônio comum e, por conseguinte, referencial para chegar-se ao patamar indenizatório.

3.1. Por serviços prestados.

Existem teses diametralmente opostas referentemente ao cabimento ou não de indenização por serviços prestados.

3.1.1. Admissibilidade.

A tese que defende o cabimento da indenização por serviços domésticos prestados ao companheiro, tem como fonte o contrato civil de prestação de serviços, estipulados nos artigos 1.216 e 1.218 do Código Civil, verdadeira retribuição do trabalho executado no lar, implicando em estipêndio durante o período de vida em comum.

Pois bem, afastar a pretensão indenizatória em casos tais, configurar-se-ia verdadeiro desprestígio ao princípio que veda o locupletamento indevido, pois um dos concubinos se beneficiou com os serviços prestados pelo outro durante o período da vida em comum.

Portanto, o fundamento principal do deferimento do ressarcimento é o princípio geral que coíbe o enriquecimento ilícito. O conteúdo fático se expressa através dos serviços domésticos com cuja prestação se beneficiou o outro companheiro.

Afora isso, o trabalho da mulher, nas atividades do lar, cuidando da criação e educação dos filhos e administrando as atividades domésticas, embora sem uma avaliação material, constitui fonte de retaguarda indispensável para que o homem possa exercer suas atividades profissionais em toda sua plenitude.

É exatamente a segurança e a certeza de que, no lar, tudo caminha com segurança, pela firmeza da atuação a mulher que deixa o homem com serenidade e despreocupação, para enfrentar o seu trabalho e construir o patrimônio.

3.1.2. Inadmissibilidade.

Os defensores dessa tese tem como fundamento básico o fato de ser um dever natural que, em nossa cultura, cabe à mulher e de seu desempenho colhem benefícios, além dela própria, o companheiro e a prole. Em tese, é sobremaneira arriscado afiançar-se que singelamente da atividade no lar a mulher concorra, decisivamente, para aquele efeito, na hipótese alcançada à conta exclusiva do concubinato.

No próprio regime comunitário, a comunicação do domínio e posse dos bens que o concubino venha a adquirir se faz por ministério legal, e não necessariamente pelo trabalho doméstico da mulher.

Ademais, as ocupações domésticas desempenhadas vieram não exclusivamente em benefício do concubino, mas de toda a família, inclusive da concubina, não passando, portanto, dos deveres e vantagens da vida em comum.

É um paradoxo admitir-se indenização remuneratória à concubina por simples e ordinários trabalhos caseiros, quando não a tem e nunca a ela teria direito nem mesmo a esposa legítima.

A propósito, simples prestações de serviços de mera rotina da vida em comum, na qual se pressupõe auxílio mútuo não pode encerrar indenizações por serviços domésticos, sem esquecer que da união concubinária ordinariamente os partícipes auferem proveito mútuo, auxiliando-se e socorrendo-se um ao outro.

Não há de ser, assim, a simples nuanças à prestação de algumas atividades domésticas por parte de um deles, que há de ensejar direito à indenização por serviços prestados quando da dissolução do concubinato.


4. Meação.

 4.1. Admissibilidade.

O reconhecimento da sociedade de fato pode gerar obrigações, advindo com sua constatação, direito a um dos concubinos a metade dos bens adquiridos durante a convivência "more uxoria", desde que tenha a companheira ou companheiro concorrido financeiramente para a aquisição dos bens, verdadeira sociedade de fato, não apenas de ordem afetiva e sentimental, mas também de ordem econômica.

Portanto, desenvolvendo a companheira intensa atividade doméstica, acrescida a atividade remunerada fora do lar, portanto contribuindo fundamentalmente para a existência da sociedade concubinária, tem ela direito à meação do patrimônio comum.

Pois bem, o direito da concubina advém de sua participação igualitária ou mesmo proporcional de esforços na formação do patrimônio.

Desta forma, provado que a concubina contribuiu com o capital ou trabalho para aquisição dos bens, nasce o direito a exigir a meação dos bens havidos durante a união concubinária, uma vez que o direito da concubina à participação nos bens do concubino está na dependência direta de prova da contribuição efetiva para o aumento do patrimônio.

4.2. Inadmissibilidade.

Se, para fazer jus a meação, a parte há de fazer prova da contribuição do esforço comum para a aquisição dos bens que constituem o patrimônio em nome do companheiro, fácil detectar que inocorrendo referida contribuição, a concubina carece do direito de meação, exatamente pela ausência de fato gerador - contribuição efetiva e válida - podendo ser postulado outro direito, não o de meação.


5. Partilha.

A partilha há de ser efetivada, desde que constatada a contribuição indireta da companheira na contribuição do patrimônio amealhado durante o período de convivência "more uxorio", essa contribuição consistente na realização das tarefas necessárias ao regular gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços domésticos, admissível o reconhecimento da existência de sociedade de fato e do conseguinte direito à partilha, que pode ser total ou proporcional.

Portanto, a tese da partilha, mesmo em caso de cooperação patrimonial indireta, vem sendo defendida pelos Tribunais. Para configuração de sociedade de fato, citada tese não exige a demonstração de que ambos os companheiros hajam contribuído diretamente para a constituição do patrimônio adquirido durante o convívio "more uxoria", não sendo necessário que a contribuição da concubina se dê necessariamente com a entrega de dinheiro ao concubino.

O Superior Tribunal de Justiça, desde os primórdios de suas instalações, vem sendo proclamado a admissibilidade da formação do patrimônio comum entre os concubinos, mercê da contribuição indireta da companheira, dando-se relevo, pois, à colaboração efetiva da mulher para a economia doméstica.

Isso quer dizer que, formado o patrimônio pelo esforço comum mesmo da forma indireta, ainda que eventualmente restrita ao trabalho doméstico, seja na criação e educação dos filhos e na administração do lar, a concubina tem direito a partilha do patrimônio assim formado.

Assim, somente em caso de ausência total de colaboração – direta ou indireta - pela concubina, ou mesmo ausência de patrimônio comum, estaria o outro concubino excluído da partilha dos bens, o que é perfeitamente compreensível.

Entretanto, ainda existe resistência ao argumento de que, para a partilha de bens basta a colaboração, mesmo indireta, no acréscimo patrimonial.

A referida tese tem como argumento central o fato do § 3º, do artigo 220 do Estatuto da Nacionalidade não ter autorizado a aplicação das normas relativas aos regimes do casamento ao concubinato, uma vez que a Carta da Nação apenas determina que a união estável entre o homem e a mulher é reconhecida como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado, devendo a lei facilitar a conversão de união em casamento.

Tal argumento não procede. Na verdade, a união estável reconhecida importa em direitos e obrigações entre os companheiros, envolvendo interesses econômicos que não podem ser desprezados, não justificando que, extinto a união estável, a mulher fique desamparada, quando é certo que ao longo de sua vida em comum, também contribuiu para que crescesse e se desenvolvesse o patrimônio do companheiro, sem contar a sua participação efetiva na sociedade doméstica, no relacionamento efetivo, na criação dos filhos e nos demais encargos relacionados ao lar.


6. Reintegração e Manutenção de Posse.

Da união estável pode ou não nascer o direito ao exercício da defesa ou mesmo ensejar direito a mover tais ações, seja como condição necessária a que possa exercer e defender regularmente seus direitos, sem esquecer que o concubino é usufrutuário vitalício do prédio sede da entidade familiar, fato por si só bastante para impedi-lo de promover ação de reintegração de posse ou mesmo manutenção de posse, desde que contra a concubina, porque esta é parte da sociedade e porque isso equivale a pleitear reintegração contra si mesmo, exatamente porque o prédio tem destinação "intuitu familiae".

Por isso mesmo, o fim da união estável não torna a posse injusta, não assumindo relevo, pois a posse que vinha exercendo não se transmuda em injusta em razão do fim da união estável, ainda que o título de ocupação tenha sido concedido apenas ao companheiro.

Enfim, uma vez reconhecida a posse ou composse da concubina, não se há de negar-lhe o direito a tutela possessória.


7. Alimentos

7.1. Prolegômenos.

A primeira grande indagação que se faz é a da possibilidade ou não do dever de prestar alimentos na relação concubinária.

A princípio cabe saber se houve, realmente, a união concubinária e se a concubina necessita dos alimentos do ex-companheiro ou vice-versa.

Caso a resposta seja positivo às duas indagações, evidente que presentes estão, a primeira ordem, o fato gerador dos alimentos, cuja base legal esta regulada na Lei 5.478/68, permitindo a Lei n.º 8.971/94, revogada pela Lei n.º 9.278/96 que a companheira que viva na relação more uxória tem direitos alimentícios enquanto não constituir nova união e provar a necessidade dos alimentos, exigindo, pois, a obrigação e responsabilidade alimentar.

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Assim é que, preenchidos os requisitos legais, ou seja, provada a união estável e a necessidade dos alimentos, e não havendo qualquer impedimento de ordem legal para excluir a obrigação de seu dever alimentar, se impõe o dever de alimento, com suas implicações.

 7.2. Legislação.

A propósito, o Estatuto da Nacionalidade enquadrou o concubinato como entidade familiar (art. 226, § 3.º) e sobre ele cogitando em dispositivo pertinente à família, considerou-o como uma forma de família e de família legítima (ainda que, é evidente, sem igualdade com a família advinda do casamento, tanto que o referido § 3.º prevê conversão do concubinato em casamento).

De fato, pela redação dada ao artigo 226, § 3.º, da nova CF, a família é constituída não apenas pelo casamento, mas também por uma convivência estável entre o homem e a mulher, cabendo-lhes mútua assistência.

Daí porque faz jus a alimentos provisionais o varão que se torna inválido ou teve acentuada redução de sua capacidade de trabalho, razão porque o dever de prestar alimentos pode surgir como decorrência do concubinato, preenchidos os requisitos acima expendidos.

Por outro lado, a união estável é geradora de direitos e obrigações, como a jurisprudência já reconhecida antes da promulgação da Constituição de l988, sem esquecer que com a edição das Leis 8.971/94 e 9.278/96 houve uma verdadeira consolidação destas com a nova Carta da Nação, muito embora as novas Leis, que vieram para regulamentar a situação de quem vive em concubinato, mas confundem do que explicam.

No caso, a Lei 8.971/94 é conflitante com a Lei 9.278/96, a conhecida Lei do Concubinato.

Na primeira, os direitos são estendidos a quem vive junto por mais de cinco anos, desde que solteiro ou separado judicialmente.

A segunda, que revoga todas as disposições em contrário, não traz ressalva sobre o estado civil nem estabelece prazo no relacionamento. Por isso, a questão ainda não está bem assimilada, não existindo um entendimento único, tarefa a ser desvendada pela jurisprudência.

7.3. Jurisprudência.

"ALIMENTOS. Concubinato.

O dever de prestar alimentos pode surgir como decorrência do concubinato.

Recurso conhecido e provido para afastar a sentença de extinção do processo instaurado pela concubina."(Resp. 36.040-RJ-REG. 93.168827-Rel. Min. Rey Rosado de Aguiar – julgado em 24.06.97)

"Alimentos. Provada e não contestada a união estável, desfazendo-se esta responde o ex-concubino pelo pagamento de alimentos, se a antiga companheira deles necessitar...."(Apelação Cível do Rio de Janeiro n.º 631/97 – 3.ª Câmara Cível, Rel. Des. Ferreira Pinto, julgado em 29 de abril de l997)

"Ação de alimentos. Provado o concubinato nos autos pelo prazo de nove anos e restando comprovado a necessidade da alimentanda encontra-se o pedido regulado na Lei n.º 5.478/68. Permitindo a Lei n.º 8.971/94 que a companheira que viva há mais de cinco anos na relação more uxória tem direitos alimentícios enquanto não constituir nova família e provar a necessidade dos alimentos, exurge a responsabilidade de alimentar. Recurso improvido."(Apelação Cível do Rio de Janeiro n.º 7.550/96 – Rel. Des. Roberto de Souza Côrtes – 3.ª Câmara Cível, julgado em 10 de abril de l997).

7.4. Conclusão

Nessa ordem de idéias se pode dizer sem nenhuma margem de dúvidas que da união concubinária pode gerar e determinar obrigação alimentar, pois esse dever de solidariedade decorre da realidade do laço familiar e não exclusivamente do casamento.


8. Adoção do patronímico do companheiro.

A adoção pela concubina, do patronímico de seu companheiro, ao menos exteriormente, confere foros de legalidade a uma situação de fato, fazendo que todos aqueles que com eles tenham contato, os tenham na condição de casados, dada a natureza séria e duradoura da convivência que mantém, revelando união, qual família legítima.

Esta é a finalidade própria da lei, que contribui para a prosperidade da comunidade, nada impedindo se defira o apelido do companheiro, ainda que já falecido.


9. Doação.

Na união estável é perfeitamente aplicável o instituto da doação, notadamente no caso de composse exercida por concubinos, com vida "more uxoria" desde muitos anos, possibilitando um dos concubinos renunciar à posse em favor do outro, mesmo sendo o concubino casado, pois a mulher legítima não assiste direito à meação em imóvel que o varão vem a auferir anos após a separação de fato, através de trabalho próprio e de sua companheira.


10. Separação de corpos.

10.1. Inadmissibilidade.

Na união estável existe enorme divergência no entendimento da possibilidade ou não da aplicabilidade, do instituto da separação de corpos.

Os que entendem impossível baseiam-se no fato de ser inviável a aplicação analógica da separação de corpos, prevista no artigo 885, VI, do Código de Ritos e igualmente observada no art. 7.º, § 1.º, da Lei n.º 6.515/77, à relação concubinária. Para os defensores dessa tese, o casamento e o concubinato são institutos radical e substancialmente distintos. Estado de direito contraposto a estado de fato.

          10.2. Admissibilidade.

Contrapondo-se ao entendimento que inadmite ação de separação de corpos em união estável, entende sólida corrente que é admissível por força da inteligência do art. 798 do Código de Processo Civil.

De fato, a realidade social foi a precursora no sentido do cabimento da medida cautelar de separação de corpos entre os concubinos.

Não existe nenhuma impossibilidade jurídica para a pretensão do art. 798 do CPC, que atende ainda disposição constitucional e lei específica.

          10.3. Competência.

É da competência da vara de família o julgamento de ações oriundas de união estável, porque a lei específica vincula a relação concubinária ao direito de família.

Com razão portanto a Súmula 14 da Turma de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que confere competência à Vara de Família para as ações oriundas de união estável, tanto que o C. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo perfilou idêntico entendimento.


11. Pensão.

A pensão designada em vida – até por simples justificação administrativa – da concubina como sua dependente perante a Previdência Social é válida, não podendo ser excluída, salvo nos casos previstos em lei.

Ademais, mesmos sendo casado, é possível o desdobramento da pensão, com destinação de 50% para a mulher e 50% para a companheira, conforme inteligência do artigo 16, I, da Lei n.º 8.213/91.

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Sobre o autor
Hélio Apoliano Cardoso

advogado e escritor em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Hélio Apoliano. União estável e suas controvérsias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/549. Acesso em: 17 nov. 2024.

Mais informações

Texto fundido a partir de dois artigos do autor, publicados no Repertório IOB de Jurisprudência

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