4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
4.1. Conceito e espécies
O vocábulo "honorário" provém do latim, e seus primeiros registros remontam à Roma Antiga, derivando do latim honorarius, cujo radical honor também dá origem à palavra honra. O termo tem sua acepção clássica como sendo toda a coisa ou valor dado em contraprestação e que é recebida em nome da honra, sem conotação pecuniária, porque, nos primórdios, o recebimento de honorários como forma de pagamento não fazia parte dos objetivos do indivíduo que exercia a função de advocatus.
Atualmente, podemos conceituar, de forma breve, os honorários como sendo a contraprestação econômica paga em favor do profissional liberal, pelos serviços técnicos por ele prestados, abarcando-se em tal conceito não apenas o profissional da advocacia, mas todo e qualquer profissional liberal que possa assim ser remunerado. Dessa forma, verifica-se que a verba honorífica assumiu contornos diferenciados com o advento de uma nova forma de sociedade, consequência natural do transcurso do tempo e da evolução social.
A Lei 8.906/94, mais conhecida como Estatuto da Advocacia, em seu artigo 22, consagra esta atual concepção acerca da verba honorária, ante a natureza especial do munus que o advogado exerce, acrescendo a necessidade de sustento e manutenção do profissional. Fora isso, podemos sinalizar que o termo “honorário” possui, também, uma função didática, já que está claro que entre profissional e cliente não há vínculo de emprego, posto que nítido é o liame da prestação de serviços. A utilização do termo honorário colabora nesta distinção, posto que distingue, semanticamente, as diferentes formas de remuneração: salário (além de suas outras denominações: ordenado, vencimento, soldo, subsídio, etc) e honorário.
Como consequência disso, sabe-se que a prestação de qualquer serviço profissional do advogado não pode ser presumida como gratuita. Nesse sentido, a norma insculpida no artigo 658 do Código Civil estabelece, no tocante ao contrato de "mandato", presunção de onerosidade quando o mandatário exerce o objeto do contrato como ofício ou profissão lucrativa.
Há muito tempo resta claro ao legislador que o profissional da advocacia em se obrigando a prestar serviços faz jus à percepção de honorários, posto que esta é a verba, por excelência, remuneratória dos serviços prestados pelo advogado, dela retirando o advogado a fonte de seu sustento.
Dessa forma, não há como afastar do conceito de honorário sua natureza remuneratória e alimentar, sendo diversos os precedentes jurisprudenciais que corroboram o entendimento de que os honorários possuem natureza alimentar, conforme será pormenorizado analisado adiante. Neste sentido, vale reproduzir:
CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. PAGAMENTO NA FORMA DO ART. 33 DO ADCT. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS: CARÁTER ALIMENTAR. ART 33, ADCT.I – Os honorários advocatícios e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de pagamento preconizada no art. 33 do ADCT; II – R. E. não conhecido. [...] Os honorários advocatícios e periciais remuneram serviços prestados por profissionais liberais e são, por isso, equivalentes a salários. Deles depende o profissional para alimentar-se e aos seus, porque têm a mesma finalidade destes. Ora, se vencimentos e salários têm a natureza alimentar, o mesmo deve ser dito em relação aos honorários. Não conheço do recurso. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 1997)
PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CARATER ALIMENTAR. I – Os honorários advocatícios constituem verba de caráter alimentar, achando-se incluída na ressalva do art 100, caput, da Constituição. II – Recurso ordinário improvido. (BRASIL, Superior tribunal de Justiça, 1995)
Por último, dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), que existem três espécies de honorários advocatícios: os convencionais ou contratuais, os de sucumbência e os honorários arbitrados judicialmente, os que passaremos a analisar individualmente a seguir.
4.2. Honorários contratuais ou convencionais
A primeira hipótese de recebimento de honorários pelo advogado decorre da própria contratação dos seus serviços enquanto profissional liberal, o que assegura não só a estabilidade de sua relação com a clientela, como também cumpre o dever ético previsto como um todo no Código de Ética e Disciplina da OAB.
Assim, pode-se dizer que é dever ético do advogado, para reduzir o potencial de risco e desgaste com o cliente – o que repercute mal na profissão - contratar seus honorários por escrito, conforme preceitua o art. 35 do aludido Código de Ética. Desta forma, os honorários convencionados tornam-se inquestionáveis e permitem, em situação extrema, a execução judicial, “devendo ser utilizados parâmetros seguros, tais como: valor fixo na moeda de curso forçado; atualização mediante indexador determinado, quando for o caso; percentual sobre o valor da causa, desde já determinado” (LÔBO, 1994, P. 96).
São considerados convencionais, também, aqueles honorários pactuados verbalmente e na presença de testemunhas, todavia, em caso de execução, estes tomarão uma feição muito semelhante aos honorários por arbitramento, posto que a figura do magistrado e sua valoração serão determinantes para a sua fixação.
Não obstante o dever ético de formalização contratual dos honorários, a forma do contrato é livre, e em não havendo pactuação expressa quanto à forma de pagamento, observar-se-á o que dispõe o § 3º do artigo 22 da lei 8.906/94, que determina o pagamento em três parcelas, a primeira no início da demanda, a segunda quando da decisão de primeira instância sobre o litígio, e a última ao término da contenda.
Cumpre salientar que, como decorrência do próprio reconhecimento da natureza alimentar e remuneratória dos honorários de advogado, não mais se discute, no direito brasileiro, necessidade de fixação de honorários através da chamada cláusula de quota litis, a qual vincula a remuneração do advogado ao sucesso de sua propositura.
Essa conclusão se extrai da Lei 8.906/94, que não faz qualquer objeção ou obrigatoriedade a esta forma de pactuação, havendo apenas uma pequena restrição incrustada no Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu artigo 38, que determina que a cláusula quota litis só pode ser estipulada em pecúnia e que o proveito financeiro do profissional nunca poderá ser superior ao de seu cliente.
Ainda, quando da fixação dos honorários contratuais, e mesmo sendo o caso de estipulação de uma cláusula de quota litis, o advogado deverá observar certos parâmetros (subjetivos e objetivos), diretrizes básicas estas que estão elencadas no art. 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB, entre elas a relevância, complexidade e a dificuldade das questões versadas, o trabalho e o tempo necessário, o valor da causa e a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante do serviço profissional.
4.3. Honorários arbitrados judicialmente
Segundo Antônio José Xavier Oliveira, conceitua-se honorários arbitrados judicialmente como sendo aqueles “que, ante a ausência de contratação por escrito com o cliente, necessitam da intervenção judicial e da mensuração do magistrado, para serem fixados.”. Acrescenta, ainda, que “apesar da indispensável provocação judicial, não se confundem com os honorários de sucumbência pois não possuem natureza processual e independem do resultado da demanda proposta pelo profissional na defesa do interesse de seu cliente.”
Assim, o arbitramento diante da ausência de contratação é determinação legal extraída do art. 22, §2º, da Lei 8.906/94, destacando-se que, apesar da intervenção do Estado, o arbitramento do valor a ser pago ao profissional não ficará ao arbítrio do magistrado, devendo este levar em conta os critérios inscritos no art. 20, § 3º do CPC e observar as tabelas das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil como parâmetros mínimos para a fixação dos honorários.
4.4. Honorários sucumbenciais
Honorários de sucumbência, na definição de Paulo Luiz Neto Lôbo (1994, p, 96) “são os que decorrem do êxito que seu trabalho propiciou ao cliente na demanda judicial. São fixados de acordo com a regra definida no art. 20, do CPC, entre um mínimo de 10% (dez por cento) e um máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (§3º), ou consoante apreciação eqüitativa do juiz, nas causas de pequeno valor ou de valor inestimável (§4º).
Atualmente, podemos conceituar a sucumbência como sendo nada mais que o ônus imposto ao vencido para o pagamento das custas e despesas processuais, dos honorários e de outras cominações como juros e correção monetária, sendo a aplicação do princípio da sucumbência um efeito de ordem secundária da derrota da parte em juízo.
Em termos históricos, podemos perceber que o pagamento de verbas devidas pela sucumbência do perdedor do processo justificava-se no fato de o vencido ter demandado (ou resistido à pretensão) em juízo sem ter direito à proteção jurisdicional. A busca do aparelho estatal de distribuição da jurisdição de forma ilegítima equivaleria a um ato ilícito, o que implicava, necessariamente, na aplicação de uma pena ao sucumbente, o que denominou-se Teoria da Pena.
Todavia, com o passar do tempo e com o aprimoramento do Direito Processual, pautado no desenvolvimento de ideais liberais, passou-se a interpretar a aplicação da sucumbência como forma de ressarcimento ao vencedor pelos gastos com a demanda (ou a resistência) ante a culpa presumida do vencido. Assim, passou-se a enxergar a sucumbência não mais como punição ao vencido que supostamente agira de má-fé ao opor-se ao vencedor em juízo, mas sim como forma de ressarcir os gastos deste. Tratava-se da Teoria do Ressarcimento, que perdurou por séculos e dava ensejo a uma aplicação desajustada do princípio no tocante aos honorários.
Sob a égide da Teoria do Ressarcimento, estabeleceu-se o entendimento, hoje afastado pela própria legislação, de que estes honorários pertenceriam não ao causídico, mas sim à própria parte vencedora. (OLIVEIRA, Antônio José Xavier; 2007, p. 02)
Por evidente que a concepção de sucumbência estava equivocada, uma vez que se compare com a definição que temos hoje. Nesse sentido, preciosa foi a lição do ilustre doutrinador Giuseppe Chiovenda, que desenvolveu a ideia hoje consagrada nos artigos 20 do Código de Processo Civil e 23 da Lei 8.906/94, no sentido de que a sucumbência não se relaciona com o dolo ou a culpa do vencido, mas apenas com o resultado da demanda. Assim, ainda que o vencido tenha agido de boa-fé, realmente acreditando que sua pretensão ou resistência fossem legítimas, arcará com o ônus decorrente da sucumbência.
[...] Giuseppe Chiovenda afastou-se das teorias do dano e da culpa, criando uma terceira que hoje é dominante. Afastada a culpa e o dano, Chiovenda leciona que o vencido, ainda que tenha agido com manifesta boa-fé, responde pelas despesas porque foi vencido, desimportando as razões de sua derrota. (CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 38.)
Abordada a questão histórica, cumpre dar destaque ao que dispõe o artigo 23 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94), o qual deixa claro que não se discute a quem pertence os honorários oriundos da aplicação do princípio da sucumbência, pertencendo os mesmos ao advogado, tendo, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
Fora isso, vale ressaltar que, apesar da natureza processual, os honorários decorrentes da sucumbência não perdem sua natureza alimentar, conforme abordado em item anterior e consoante será melhor trabalhado a seguir, já que mesmo sendo incerta a sua obtenção pelo profissional, a natureza alimentar não pode ser afastada ante a finalidade do instituto.
Ainda, é necessário abordar os casos de sucumbência recíproca e sucumbência parcial, de maneira que quanto a estas se aplica a chamada proporcionalidade na repartição (sucumbência recíproca) e na aferição (sucumbência parcial) do ônus. A exceção se encontra no § único do artigo 21 do CPC, nos casos em que a parte for vencida apenas em parte diminuta de sua pretensão, aplicando-se o princípio da proporcionalidade também nos casos em que vários litigantes ocupem o mesmo polo, ativo ou passivo, na demanda.
A sistemática do CPC prevê, ainda, a possibilidade de perda, pelo vencedor, dos honorários decorrentes do princípio da sucumbência, quando dilatar sem motivo justo o andamento da lide, não arguindo, no momento propício, fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor (art. 22, CPC).