7. O TRABALHO DO ADVOGADO E A NECESSIDADE DE REMUNERÁ-LO
Para além da fundamentação jurídica que justifica a aplicação do principio da sucumbência com a condenação do vencido ao pagamento dos honorários advocatícios, é necessário abordar o tema sob a ótica do profissional e sua subsistência.
Nesse sentido, vale dizer, que o trabalho do advogado deve ser sempre remunerado, não sendo possível no ordenamento jurídico a realização de trabalho sem a devida contraprestação, o que, sem se tratando da Justiça Laboral, nos apresenta o caso de um perfeito paradoxo, já que o judiciário especializado trabalhista, encarregado de zelar e jurisdicionar buscando a proteção do trabalhador, seja ele empregado, autônomo ou prestador de serviços, por meio das súmulas e orientações jurisprudenciais de seu tribunal superior, acaba por afastar essa prerrogativa do profissional advogado, que pode acabar por trabalhar até mesmo por anos frente a uma reclamatória trabalhista e ao final não ser recompensado.
Essa sistemática nada mais é do que aquilo que mais repudia o Direito do Trabalho, sendo necessária uma urgente reforma jurisprudencial quanto ao tópico, a qual deve partir do próprio TST, sob pena de se estar coadunando com verdadeira perpetuação de práticas há muito ultrapassadas em qualquer ordenamento moderno, sobretudo tendo em vista o caráter protetivo da legislação celetista e os preceitos constitucionais que regem as relações de trabalho.
7.1. A natureza alimentar dos honorários
Independentemente da espécie dos honorários advocatícios, estes representam a renumeração dos profissionais da advocacia, e possuem caráter alimentar, significando, assim, a fonte de sustento do advogado e de sua família. Tanto é, que são impenhoráveis, de acordo com o disposto no artigo 649, inciso IV do Código de Processo Civil.
Conforme já abordado anteriormente, a prestação do serviço profissional do advogado não é presumida como gratuita, mas, do contrário, existe presunção legal de onerosidade insculpida no artigo 658 do Código Civil, que a estabelece no tocante ao contrato de "mandato" quando o mandatário exerce o objeto do contrato como ofício ou profissão lucrativa.
Assim, embora conceitualmente distintas as concepções de salário e honorário, o mesmo não ocorre com suas finalidades que, em princípio, possuem idêntico objetivo, representando um dos direitos constitucionais do trabalhador, devendo ser capaz de atender as necessidades suas, e de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, etc.
O que importa para o presente estudo são as regras dos arts. 22, caput, e 23 da Lei 8.096/94, onde, de acordo com os dispositivos, o trabalho do advogado é remunerado cumulativamente pelos honorários contratados com o seu constituinte e pelos honorários da sucumbência, deixando claro, ainda, que esses honorários pertencem ao advogado, não a seu constituinte, e, portanto, integram sua remuneração pelo serviço prestado. Quando não houver prévia estipulação ou acordo entre o advogado e seu constituinte, os honorários serão arbitrados judicialmente, observando-se o disposto no § 2o do art. 22 da Lei n. 8.906/1994, também de percepção cumulável.
Conforme nos conta Cassio Scarpinella Bueno, em seu estudo “A natureza alimentar dos honorários advocatícios sucumbenciais”, p. 04, “Houve tempo em que se entendeu pela restrição da natureza alimentar dos honorários advocatícios limitando-a aos honorários contratuais. Somente esses representariam a verba necessária para subsistência e provento do advogado; não, contudo, os sucumbenciais. Isto porque nem sempre se poderia contar com a verba decorrente da sucumbência e, consequentemente, restaria afetado o caráter de sua imprescindibilidade para o sustento do profissional da advocacia.”
A questão de terem ou não natureza alimentar os honorários advocatícios já recebeu amplo enfrentamento pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente no RE 141.639/SP, 1ªTurma, Rel. Min. Moreira Alves, j.un. 10.5.1996, DJ 13.12.1996, p. 50179; RE 146.318, 2ª Turma, rel. Min. Carlos Velloso, j.un. 13.12.1996, DJ 4.4.1997, p. 10.537; e RE 143.802/SP, 1ª Turma, rel. Min. Sydney Sanches, j.un. 3.11.1998, DJ 9.4.1999, p. 34, onde vinha se reconhecendo, até então, a natureza alimentar apenas aos honorários contratuais.
Todavia, no RE 141.639/SP, o Relator Min. Moreira Alves reconheceu o caráter alimentar aos honorários, fazendo, porém, uma distinção entre as possíveis origens dos honorários advocatícios. Segundo o decidido:
“Quando a Constituição excepciona do precatório para a execução de créditos de natureza outra que não a alimentícia os créditos que tenham tal natureza, a exceção só abarca a execução da condenação em ação que tenha por objeto cobrança específica desses créditos, inclusive, portanto, dos honorários de advogado, e não a execução de condenação a pagamentos que não decorrem de créditos alimentares, ainda que nessa condenação haja uma parcela de honorários de advogado a título de sucumbência, e, portanto, a título de acessório da condenação principal”. (…) “Sucede porém”, prosseguiu Sua Excelência, “que a execução com relação a créditos dessa natureza ou se faz por serem eles o objeto da ação de cobrança específica (ação de cobrança de honorários de advogado) por parte do advogado a que eles são devidos, ou como acessório de condenação (e isso ocorre em se tratando de honorários advocatícios resultantes da sucumbência) que dá margem a execução por precatório relativo a créditos sem natureza alimentícia (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 1996)”.
Conforme o entendimento do Ministro à época, a exceção do art. 33 do ADCT, que trata da ordem dos créditos alimentares constituídos através de precatório, só abarcaria a execução da condenação em ação que tivesse por objeto a cobrança específica do crédito alimentar, inclusive honorários de advogado. Não se aplicaria à execução de condenação a pagamentos que não decorrem de créditos alimentares, ainda que nessa condenação haja uma parcela de honorários de advogado “a título de sucumbência”.
Nota-se, assim, que o Min. Moreira Alves, no citado julgado, não negou o caráter alimentar aos honorários advocatícios generalizadamente. Apenas entendeu que a verba devida pela sucumbência é que não tinha esse caráter.
Aberto o precedente pelo Pretório Excelso, com o passar o tempo o entendimento foi se modificando, ao ponto de, na atualidade, a questão receber percepção pacífica diversa daquela que prevaleceu no julgamento do RE 141.639/SP.
Foi o que aconteceu em 2006 no julgamento do RE 470.407/DF, relator o Ministro Marco Aurélio, que, ampliando a interpretação anteriormente fixada por aquele mesmo Tribunal recusou, com unanimidade de votos, a distinção entre os honorários advocatícios contratuais e os honorários advocatícios sucumbenciais, que merecem, em qualquer caso, tratamento de verba alimentar por representarem a contraprestação de um serviço prestado e, como tal, têm como finalidade primeira a de prover a subsistência do profissional que o prestou e de sua família.Assim, é correto sustentar que o entendimento solidificado do Col. Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os honorários advocatícios, sejam eles os contratuais, sejam eles os sucumbenciais, têm natureza alimentar, do que se extrai que está absolutamente ultrapassado o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, ao insistir na manutenção das suas Súmulas de nº. 219 e 329, privando o advogado particular constituído de verba essencial à sua subsistência e à de sua família, sendo este outro importante motivo para que se conceba como devida a condenação do sucumbente ao pagamento de honorários em caso de reclamação trabalhista.
8. Conclusão
De todo o exposto, após terem sido contextualizados os conceitos de parte e de capacidade postulatória no processo do trabalho, com destaque à figura do jus postulandi, consagrado nos artigos 791 e 839 da CLT, entende-se que são devidos os honorários de sucumbência ao advogado da parte vencida na reclamatória trabalhista, independentemente de estar este vinculado ao sindicato da categoria econômica, desde que atendidos os preceitos da lei 1.060/50 (situação de hipossuficiência econômica que a impeça parte de litigar sem prejuízo de sua subsistência ou de sua família).
Tal conclusão só foi possível uma vez que foi estudado acerca da conceituação e da natureza jurídica dessa contraprestação denominada “honorário, que representa o retorno econômico recebido pelo profissional liberal, no caso o advogado, pelos serviços técnicos por ele prestados.
Conforme foi visto, prescinde distinguir acerca da origem do crédito honorário, já que a jurisprudência e a doutrina se solidificaram no sentido de considerar esta parcela como de natureza alimentar indistintamente, o que é preponderante para a construção jurídica do entendimento ora defendido, eis que, dados os princípios constitucionais que norteiam as relações de trabalho, e aqui falamos em trabalho em sentido amplo, não é possível admitir que haja a prestação sem a devida contraprestação.
De acordo com o que foi abordado, muito embora a jurisprudência do Egr. TST, consubstanciada nas Súmulas 219 e 329, mantenha posicionamento diverso, tal merece ser imediatamente revisto, já que mantido sob a ultrajada justificativa de que a Lei 5.584/70 vedaria a percepção da parcela honorária a qualquer profissional que não estivesse credenciado ao sindicato da categoria. Do contrário, restou demonstrado que na verdade nenhum dos dispositivos legais contidos em tal diploma trazem consigo óbice ao recebimento de honorários de sucumbência por parte do causídico da parte vencedora quando houver contratação particular.
Aliás, é justamente neste sentido que entende o Supremo Tribunal Federal, o qual mantém em plena vigência, e sem admissão de qualquer exceção, a Súmula de nº 450, a qual preconiza que são devidos honorários de advogado sempre que o vencedor for beneficiário de justiça gratuita, rechaçando-se também a formação de monopólio entre as entidades sindicais no que tange à assistência judiciária no pleito trabalhista.
Consoante se sabe, o artigo 20, § 3º do CPC é taxativo em definir que a sentença deve condenar o vencido ao pagamento, entre outros, da parcela honorária, em percentuais entre 10 e 20% sobre o valor da condenação, o que aliado ao disposto nos artigos 22 e 23 da Lei 8.096/94, permite que tranquilamente se conclua que, sem exceções, a parcela é direito em absoluto do patrono, cumprindo destacar, neste tópico, que sequer se vislumbra qualquer hipótese de incompatibilidade entre estes dispositivos legais e o quanto disposto na anterior lei 5.584/70.
Como forma de argumentação, foi colocado, ainda, que acaso se pudesse cogitar acerca de hipotético e eventual conflito entre o que dispõe o Código de Processo Civil e o Estatuto da Advocacia e aquilo que determina a lei 5.584/70, ainda assim, por força do art. 2º, § 1º da LICC, este diploma estaria, de maneira tácita, parcialmente revogado, já que em vigência leis posteriores em sentido contrário.
Ademais, conforme já mencionado, foi analisada a natureza alimentar sobre a qual repousa a parcela em comento, do que se extraiu que, dados os preceitos constitucionais que a delimitam, bem assim a sua importância no que se refere ao sustento e à subsistência do profissional, é indubitavelmente devida a condenação do vencido aos honorários do patrono constituído particularmente.
Em suma, uma vez abordados todos os tópicos acima mencionados, chegou-se à conclusão de que a pacificação da controvérsia amplamente instalada nas pautas de nossos tribunais se daria pela simples revisão da jurisprudência adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, de maneira que, uma vez canceladas as aludidas Súmulas 219 e 329, se estaria pacificando a matéria no sentido que melhor beneficia tanto o trabalhador quanto o advogado, já que, conforme exaustivamente alertado, o óbice ao recebimento dos honorários por parte destes não existe no plano legal, mas tão somente no plano jurisprudencial.
Por último, ressalva-se, apenas como medida de clareza acadêmica e didátic, que não se defende a exclusão da figura do jus postulandi do ordenamento jurídico, visto que em raras exceções o mesmo pode se mostrar benéfico ao trabalhador, mas sim sua mera dissociação como elemento que proíba a condenação do vencido em honorários de sucumbência no processo do trabalho quando a parte não estiver litigando em causa própria e tampouco assistida por advogado credenciado, destacado, por último, que a participação do advogado, ao lado do litigante, além de favorecê-lo, também atua de forma decisiva no funcionamento pleno e eficaz da justiça, observado que a realização de uma justiça efetiva e célere possui relevante função social.