3. O Código de Ética e Disciplina das empresas e seu alcance interno
Quando se refere neste estudo ao "alcance interno", pretende-se dizer que se trata das relações entre a empresa e seus funcionários, nas relações dos funcionários entre si e nas relações dos funcionários com os clientes da empresa.
Um importante tema da atualidade diz respeito à Cidadania Empresarial. Marisa Eboli, citada por Schneider e Conte [21], ensina que, "(...) no mundo corporativo, cada vez mais a preocupação com o tema cidadania empresarial está ganhando espaço na agenda das empresas, as quais se sentem estimuladas a adotar posturas firmes e inovadoras diante de questões relacionadas à ética e responsabilidade social, imprimindo assim qualidade superior na relação empresas-sociedades.". Com isso, há o surgimento dos seguintes resultados: estímulo do orgulho do funcionário e fortalecimento de seus vínculos com a empresa que o contratou; edificação de relação diária saudável e produtiva entre gestores e funcionários e com outras empresas; atrai e mantém empregados de altos funcionários [22].
Como já se mencionou neste estudo, o objetivo do aumento da riqueza das empresas não pode se restringir ao mero alcance do lucro. O investimento no fator humano torna-se fundamental para um bom resultado na política econômica empresarial. A elaboração participativa dos Códigos de Ética e Disciplina, bem como a constante revisão e reestudo do conteúdo tratado nestes documentos se trata de um importante instrumento para o alcance destes resultados. A participação na elaboração deste documento também busca conscientizar o funcionário do seu direito à Cidadania, a ter voz e vez em um Estado Democrático de Direito.
Referindo-se os Códigos de Ética e Disciplina Empresarial aos comportamentos de ordem moral destinados à conduta profissional dos funcionários de uma determinada empresa, os valores e princípios a ele direcionados devem estar em consonância com o principal deles, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
Segundo Sarlet [23], é difícil conceituar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois este conceito está em constante processo de construção e desenvolvimento, não havendo um conceito fechado em razão dos diversos valores manifestados pelas Sociedades democráticas contemporâneas. Propõe o autor, no entanto, o seguinte conceito operacional [24] para Dignidade da Pessoa Humana:
"(...) a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.".
Trata-se de um princípio de ordem constitucional (artigo 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), impondo ao Estado o dever de respeito, proteção e promoção das condições que tornem viável e possibilitem a remoção dos obstáculos que possam impedir a vida das pessoas com dignidade [25]. E como os Códigos de Ética e Disciplina tratam-se de instrumentos normativos, não podem afrontar qualquer dispositivo ou princípio que esteja acima deles.
Em se tratando, portanto, de Código de Ética e Disciplina Empresarial, os valores de respeito e consideração recíprocos devem ser constantemente lembrados, discutidos e intrínsecos às disposições normativas deste instrumento. Com isso, o respeito do funcionário com seu colega de trabalho passará a reduzir rixas internas, tornando o trabalho mais cooperativo; a hierarquia à qual o empregado está subordinado não será determinada por uma ordem imposta, mas por respeito ao seu superior, que tratará seu subordinado também com respeito; o trato com o cliente passará a ser realizado com maior respeito e com boa educação, fazendo com que o ambiente se torne mais agradável a futuras negociações. Tudo isso, no entanto, deve ser retratado não de uma forma imposta, mas de uma forma participativa, conscientizando-se os funcionários que serão conduzidos pelos Códigos de Ética e Disciplina que o bom andamento das atividades da empresa se dá, também, pelo bom trato, respeito e educação na condução de seus afazeres. Reitera-se: há necessidade de que haja conscientização, ou seja, que seja interiorizada a idéia de respeito e consideração no ambiente de trabalho, principalmente respeitando-se os limites do próximo, e a imposição não é a melhor forma de tornar isso eficaz.
O funcionário consciente das normas de conduta de sua profissão pode ser um importante aliado para a empresa, alertando seu colega de trabalho para a necessidade de cumprimento das regras estabelecidas no meio ambiente de trabalho. Este funcionário consciente também estará ciente de que a empresa depende de seu comportamento correto, de sua conduta exemplar, pois seu emprego também depende da boa condução das atividades empresariais.
Importa dizer, ainda, que a elaboração participativa de um Código de Ética e Disciplina Empresarial, bem como a disponibilização de meios de conhecimento e reflexão aos funcionários tem sido um reflexo importante na atribuição do chamado "capital intelectual" das empresas, correspondente, segundo Sewart, apud Karsten e Berhart [26], ao "(...) conjunto de conhecimentos e de informações, encontrado nas organizações, que agrega valor ao produto e/ou serviços mediante a aplicação da inteligência e não do capital monetário ao empreendimento." Conforme Karsten e Bernhardt [27]:
"Os ativos intelectuais tornaram-se elementos importantes no mundo dos negócios. A necessidade de extrair o máximo valor do conhecimento organizacional é maior agora do que no passado. Cada vez mais, líderes e consultores de empresas falam do conhecimento como o principal ativo das organizações e como a chave da vantagem competitiva sustentável. A competitividade passou a ser determinada pelas idéias, experiências, descobertas e especialização que conseguem gerar e difundir.".
No contexto evolutivo do Capital Intelectual das empresas, Geus [28] explica o momento em que tal concepção de capital passou a se expandir:
"Em algum momento do século 20, (...) as nações ocidentais passaram da era do capital para a era do conhecimento. Poucos gestores perceberam naquele momento, mas o capital estava sendo deixado de ser escasso. (...) Ao poder contar mais facilmente com o capital disponível, o fator crítico para a produção passou então a ser as pessoas – mas já não mais o simples trabalhador. (...) A crescente complexidade das tarefas criou a necessidade de que as pessoas fossem em si uma fonte de iniciativas e se transformassem em distribuidoras e avaliadoras das invenções e do conhecimento. (...)".
Trocou-s, portanto, e a era do capital para a era do conhecimento. O estímulo à participação dos funcionários na elaboração de Códigos de Ética e Disciplina, os constantes aperfeiçoamentos trazidos pelas empresas aos seus funcionários e a constante revisão das metas, objetivos e valores, buscando alcançar a conscientização dos empregados para tal fim, beneficia não só a própria empresa, mas auxilia na formação de um funcionário, melhor cidadão, que pode colaborar para o desenvolvimento deste "capital intelectual".
4. O Código de Ética e Disciplina das empresas e seu alcance externo: a Sociedade como beneficiária do conteúdo dos Códigos de Ética e Disciplina das Empresas
Ao se referir ao "alcance externo", pretende-se extrapolar os limites da empresa, direcionando-se à Sociedade, de forma geral. Um dos primeiros impactos na elaboração e na consolidação de um Código de Ética e Disciplina Empresarial consiste no fato de que será um importante indicador nas atitudes comportamentais do funcionário. O funcionário, passando por oito ou mais horas em seu trabalho, consciente do respeito e consideração com seus demais colegas e da necessidade de cumprir com afinco e presteza sua atividade para o alcance da qualidade do serviço ou do produto, terá consolidado tal comportamento não só no seu cotidiano profissional, mas também no seu ambiente privado.
Estes comportamentos estarão também direcionados ao respeito e consideração que o funcionário deverá ter com seus vizinhos e familiares, fortalecendo suas virtudes. Estará mais consciente da necessidade de se respeitar os limites do próximo, assim como gostaria que o próximo respeitasse seus limites. Esses ensinamentos não ficarão estanques: serão repassados aos seus filhos na forma de regras de convivência familiar, buscando alcançar a paz e felicidade neste ambiente. Neste sentido, importante salientar a lição de Villaseñor no sentido que: "Entre otras cosas, implantar un CE (Código de Ética) beneficia a la empresa porque auxilia a las personas ante solicitudes en contra de las reglas establecidas, ayuda a obtener mejores resultados financieros, diagnostica problemas, fija las metas de la empresa, fortalece los vínculos internos de la organización, promueve el reclutamiento de gente selecta y de buen comportamiento y da claridad en las relaciones con los miembros de la firma, clientes, proveedores, etcétera. (...)" [29].
Nos relacionamentos com os clientes da empresa, o funcionário consciente dos deveres impostos no Código de Ética e Disciplina Empresarial, estará atuando com um comportamento exemplar, assegurando a prestação de serviços ou oferecimento de produtos com qualidade aos clientes em condições amistosas e de respeito ao consumidor. Evita-se, desta forma, atitudes cometidas por funcionários quem venham a atingir a integridade física ou moral dos consumidores, cuja responsabilidade civil por eventual crime contra tais direitos poderá ser direcionada à empresa, além da perda deste cliente e de outros diante da repercussão do caso.
A atitude da participação dos funcionários na elaboração de Códigos de Ética e Disciplina das empresas poderia parecer inócua, vez que, em princípio, deveria partir de regras dispostas da própria empresa, a qual pretende atribuir seus valores e princípios de forma obrigatória aos seus funcionários. Porém, a imposição pode não surtir o efeito desejado, mas a participação no processo de elaboração e discussão das regras de conduta da profissão podem se tornar um importante aliado à eficácia de um Código deste porte. A conscientização do funcionário a respeito da utilidade e necessidade de cumprimento de tais regras se torna muito mais útil à empresa. Aliás, não só à empresa. Como observado, trazendo um comportamento baseado em valores de respeito e consideração com o próximo e na busca de qualidade das tarefas realizadas, estas condutas serão direcionadas à família, aos vizinhos, enfim, a todo aquele que o funcionário for tratar.
O objetivo do Estado é o alcance do bem estar social, da paz e felicidade da Sociedade, e tal documento pode ser um importante aliado para que o alcance desta finalidade possa ser atingido.
5. A participação e importância das universidades nos estudos dos Códigos de Ética e Disciplina Empresariais
As universidades têm participado com importantes contribuições às comunidades que as cercam, principalmente pela divulgação do conhecimento e ampliação dos horizontes do pensamento e das oportunidades pessoais e profissionais. Além disso, despertam a prática da cidadania, possibilitando não somente aos estudantes, mas à comunidade que estes participam, a descoberta de direitos e valores desconhecidos.
Observa-se que muitos cursos universitários, preocupados com a conduta dos profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, têm em suas cadeiras o estudo da Ética, matéria esta que não se resume, simplesmente, aos ambientes de graduação, mas chegando aos cursos de pós-graduação com uma grande atenção dirigida não só por parte dos professores, mas pelo grande interesse dos alunos.
A participação das universidades na elaboração e implantação dos Códigos de Ética e Disciplina pode ser um importante elo dos cursos de extensão universitários, ou seja, da interação entre os cursos universitários (Comércio Exterior, Ciências Social, Jurídica, Política, Econômica, Contábeis, Médicas, Administração etc.), entre as empresas que buscam implantar estes instrumentos em seu ambiente e destas entre a própria Sociedade que participam, havendo possibilidade de divulgação dos conhecimentos verificados na comunidade acadêmica.
Neste sentido, a participação social das universidades na ampliação da Cidadania Empresarial se torna fundamental, pois os estudos sobre Ética desenvolvidos nos ambientes universitários terão aplicação prática e serão direcionados à comunidade, beneficiando todos aqueles que estiverem envolvidos com a atividade de desenvolvimento dos Códigos de Ética e Disciplina Empresarial.
É de se destacar o fato de que a Cidadania Empresarial se insere num importante contexto e que esta participação das universidades nesta direção pode se tornar um ponto de equilíbrio social. O estabelecimento de regras de comportamento, da consciência do bem e do mau, do certo e do errado, busca alcançar um mundo mais justo, em que a justiça social esteja incutida na consciência de cada cidadão. Trata-se de um instrumento de educação para a cidadania, que começa no ambiente de trabalho e se reflete nos demais ambientes sociais em que o funcionário participa, inclusive conscientizando-o da necessidade de sua participação nos rumos políticos e sócio-econômicos de seu município, sua região e seu país.
Conclusão
O estudo ora realizado abordou sobre os Códigos de Ética e Disciplina Empresariais como instrumento de equalização social, cujos reflexos de um Código desta proporção pode influenciar diretamente a dinâmica social, pois, se estiver imbuído de valores e princípios adequados a assegurar a dignidade da pessoa humana, refletirão nos comportamentos e relações dos indivíduos que integram esta Sociedade.
Para tanto, abordou-se o seguinte:
a) participação dos funcionários na elaboração dos Códigos de Ética e Disciplina Empresariais, observando-se a necessidade dessa participação para que a realidade (cultural, econômica, social) em que o funcionário, ao qual o Código será aplicado, também seja levada em consideração na elaboração do mesmo;
b) a necessidade da implantação dos Códigos de Ética para desenvolvimento da Cidadania Empresarial: com a discussão dos elementos que integrarão o Código e as informações dos valores imbuídos, há fortalecimento e valorização pessoal do funcionário, despertando-o para uma realidade existente além da empresa, da qual deve participar, conscientizando-se do seu potencial e condição de cidadão para mudar a realidade social para a melhor. Neste sentido, também a intenção de se criar certificado de qualidade ética das empresas, os "ISO-Ética";
c) a contribuição que os Códigos de Ética podem trazer para o desenvolvimento do capital intelectual das empresas: no sentido de que as empresas enriquecem não somente com o lucro, mas também com o desenvolvimento das capacidades intelectuais de seus funcionários. A constante revisão e estudo dos valores envolvidos em um Código de Ética pode ser um importante instrumento para o desenvolvimento da capacidade intelectiva dos funcionários, beneficiando as empresas;
d) a participação das universidades, através de projetos de extensão, para desenvolvimento e implantação de Códigos de Ética Empresariais, aliando a teoria à prática nas empresas interessadas;
e) os efeitos positivos que os Códigos de Ética possuem na dinâmica social, nos diversos grupos que permeiam a Sociedade, como reflexo de condutas corretas e que devem ser aplicadas em consideração ao respeito mútuo dos indivíduos e suas relações.
Com tais considerações, enfim, afirma-se o sentido positivo e a tendência crescente da consolidação de Códigos de Ética e Disciplina Empresariais, cujo desenvolvimento deve estar em consonância com os interesses da Sociedade em que a empresa se encontra envolvida.