A redução da alíquota fiscal como condição para o alargamento da base tributária

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24/01/2017 às 08:26
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7. O Pagamento dos impostos e a cultura fiscal

Um estudo da USAID  atribui um papel decisivo as questões culturais no cumprimento das obrigações fiscais.

O referido estudo faz situar em três níveis as questões mais candentes em torno desta problemática. Em primeiro lugar, embora não comprovado, há um problema muitas vezes levantado, da falta de uma cultura de prestação de serviços ao cliente por parte de muitos funcionários das entidades tributárias, em especial fora de Maputo. Normalmente, os incidentes que envolvem situações em que os funcionários das entidades tributárias adoptam uma atitude punitiva em relação à aplicação da lei, por exemplo a aplicação de multas pesadas por erros inadvertidos e sem consequências ou por erros que resultam de informação inadequada sobre o sistema tributário, em vez de aproveitar estas oportunidades para educar os contribuintes e ajudá-los a evitar cometer erros.

O referido estudo, ancorado em entrevistas e em provas documentais sugere que a AT até está a melhorar os serviços prestados aos contribuintes e programas de educação fiscal. Porém, verificam-se ainda muitas complexidades ou requisitos em termos de procedimentos que podem complicar até mesmo os contribuintes bem intencionados. Também a estrutura de benefícios da  AT encoraja práticas severas sempre que uma repartição de finanças local não esteja a atingir a meta de arrecadação de receitas que lhe tiver sido atribuída. As metas de receitas que são demasiadamente ambiciosas em relação às condições económicas e à capacidade institucional tendem a criar problemas onerosos às pequenas e médias empresas a nível local. 

O mesmo estudo aponta que muitos entrevistados sublinharam igualmente a falta de uma “cultura de pagamento de impostos” em Moçambique. A AT tem estado a trabalhar no sentido de resolver este problema através de informação pública, sublinhando o papel da tributação no financiamento dos serviços públicos, bem como a obrigação que assiste aos cidadãos de contribuir para o desenvolvimento nacional. A AT encontra-se também na última fase de desenvolvimento do seu website cujo objectivo é permitir o acesso rápido a quaisquer empresas ou cidadãos com ligações pela Internet. Esta campanha de informação representa um passo importante na direcção certa, embora vá levar algum tempo a mudar atitudes e hábitos profundamente enraizados. É particularmente difícil mudar a cultura de pagamento de impostos se os funcionários das entidades tributárias forem muitas vezes vistos como elementos que assumem uma atitude predadora, em vez de prestação de apoio e se o público não puder ver os benefícios resultantes das despesas do governo.

Uma observação relacionada sobre a cultura fiscal que também foi amplamente mencionada é que a evasão fiscal e o contrabando continuam a ser notórios e predominantes, assim como o suborno e a corrupção. Aqui também, a AT registou avanços na adopção e divulgação de um código de conduta para os funcionários das alfândegas e das autoridades tributárias e na promoção de uma maior integridade e profissionalismo no seio da organização. Todavia, apesar de tudo, a perda de receitas resultante de práticas não éticas por parte dos contribuintes e dos funcionários continua muito grande. 


8. Desempenho da receita

Assente na publicação da USAID , o PARPA II definiu que a meta do total da receita interna atingisse 16,2 por cento do PIB em 2009, um aumento em relação aos 14,0 por cento registados em 2005. Mais a longo prazo, a meta indicativa no PARPA II era de aumentar a receita para 16,6 por cento do PIB em 2014. O PARPA também definia que estas metas deviam ser atingidas sem colocar um peso desnecessário no sector formal, através do alargamento da base tributária e da redução da evasão e das isenções fiscais. 

O mesmo estudo refere que no total das receitas, as receitas fiscais também aumentaram como percentagem do PIB de 10,8 por cento em 2004 para 13,5 por cento em 2008. A diferença entre o aumento do total da receita e o aumento das receitas fiscais deve-se às “outras receitas”, constituídas por receitas não fiscais, receitas previamente destinadas e receitas de capital, sendo o imposto sobre o combustível e as receitas de capital os principais responsáveis pelo crescimento nesta categoria.

Ainda segundo o mesmo estudo, apesar de não ter atingido a meta do PARPA II definida para 2008 e 2009, o desempenho geral da receita sugere ganhos significativos resultantes da introdução da AT, das reformas da administração tributária e dos esforços para alargar a base tributária. Este aspecto é particularmente impressionante, considerando que foram tomadas várias medidas de política fiscal, cujo resultado provável seria a redução da receita, nomeadamente a redução da tarifa máxima de importação, a implementação do protocolo comercial da SADC, o aumento do limite do IVA e a suspensão temporária do imposto sobre o combustível. Parte do aumento da receita deve-se também à elasticidade natural do sistema tributário.


9. Impacto do Sistema Tributário

A consagração do sistema fiscal face as taxas fixadas tem invariavelmente um impacto em termos gerais no investimento, na poupança e emprego, no desenvolvimento do sector privado e na justiça e equidade.

A discussão dos impactos fiscais é, em muitos aspectos, equivalente a uma revisão dos princípios básicos da tributação. O objectivo fundamental da tributação é, como se viu, aumentar o volume da receita para financiar o fornecimento de bens e serviços públicos. O princípio adveniente é, portanto, que o sistema tributário deve ser eficaz na mobilização e sustentação da receita. Porém, os impostos têm uma influência subtil nas decisões económicas das pessoas e das empresas e na equidade social. Tendo em vista estes efeitos, o sistema tributário deve conseguir atingir o nível adequado de receitas da maneira mais eficiente e justa possível.

 Segundo o estudo da USAID que temos vindo a reportar, um sistema tributário devidamente desenhado deve também obedecer a outros três princípios: 

9.1 Eficiência económica.

Um sistema tributário eficiente minimiza as distorções do comportamento económico causadas pelos impostos de modo a incentivar a produtividade e o crescimento económico. As considerações sobre a eficiência económica são particularmente importantes para os países de baixa renda, como Moçambique, os quais têm menos condições de suportar o custo da má afectação dos recursos, que pode ser evitado.

Os efeitos da eficiência também estão relacionados com a previsibilidade. Um regime fiscal que está sujeito a mudanças inesperadas ou à aplicação arbitrária da lei constitui um factor de risco importante para os investidores. 

9.2 Equidade.

Um sistema tributário justo é caracterizado pela equidade vertical (cobrando proporcionalmente mais aos que possuem mais rendimentos) e pela equidade horizontal (que concede um tratamento relativamente uniforme e não discriminatório aos contribuintes em circunstâncias económicas semelhantes). Também minimiza a carga fiscal nos pobres e evita cargas fiscais excessivas ou imposições arbitrárias. A justiça constitui um objectivo fundamental em si. Além disso, as percepções de justiça podem corroer o cumprimento da lei e minar a sustentabilidade do sistema tributário.

9.3 Eficiência administrativa.

O sistema tributário deve também ser administrado de maneira eficiente, com a devida consideração quer aos custos directos da cobrança de impostos, quer aos custos inerentes ao cumprimento suportados pelos contribuintes. Até mesmo a melhor legislação fiscal produz maus resultados se não for devidamente administrada. Em países com uma capacidade institucional limitada e uma fraca capacidade por parte dos contribuintes de lidarem com as complexidades da gestão financeira, a simplicidade constitui uma virtude.


10. O aumento da base tributária

Será que o aumento da carga fiscal constituiria uma medida de alargamento da base tributária?

Será de se justificar a concessão de benefícios fiscais, hoje em voga, principalmente no sector dos recursos minerais e nos megaprojectos?

10.1 Investimento

Segundo o estudo da USAID que fazemos referência, na vigência do PARPA II, o Investimento Interno Bruto variou entre 18 e 19 por cento do PIB, de acordo com os dados reportados pelo FMI. O ponto de dados reais mais recente (que é distinto das estimativas) é de 18,0 por cento para 2007, em que dois-terços são provenientes do investimento do Estado e apenas 6 por cento é investimento que não é do Estado. O investimento privado flutuou entre 6 e 13 por cento do PIB a partir de 2004, tendo as variações sido determinadas pelo “timing” dos mega-projectos.

As taxas de investimento são excessivamente baixas, ao ponto de serem inconsistentes com o objectivo de sustentar o rápido crescimento económico.

O mesmo estudo inquire se o baixo nível de investimento constituirá um sinal de que as taxas fiscais em Moçambique são demasiado elevadas? Vários outros estudos realizados antes do PARPA II constataram que, em termos gerais, as taxas fiscais aplicadas às empresas em Moçambique estavam em conformidade com as normas regionais e internacionais.

O estudo aponta ainda que Moçambique também está bem posicionado na estimativa do Doing Business do Banco Mundial referente ao Total da Taxa Fiscal sobre os lucros das empresas. 

Qual seria então o impacto da alteração da alíquota fiscal para mais ou para menos?

Como premissa, convém ter presente que vivemos hoje um período de globalização. As actividades económicas há muito que deixaram de se circunscrever ao âmbito territorial dos Estados. Nos tempos actuais os investidores são atraídos por boas condições para o negócio, o que exige por parte dos governos nacionais o estabelecimento de políticas gerais e abstractas que sejam para eles atractivas. O que qualquer investidor quer é um ambiente político e social favorável, baixa tributação e legislação clara, estável e transparente.

O estudo da USAID que temos estado a citar mostra como os impostos afectam o nível e a qualidade do investimento.

Assente no chamado CCU ou “custo de capital do utilizador”, que inclui o custo dos fundos, a taxa fiscal efectiva aplicada aos rendimentos do capital e o impacto dos impostos indirectos no custo de aquisição dos bens de equipamento, uma redução em qualquer das componentes dos impostos muda o CCU para baixo, isto é, estimula um aumento no investimento.

Quer isto dizer que quanto maior for a taxa fiscal menor será a aptidão para o investimento. Taxas fiscais mais baixas iriam aumentar a capacidade das empresas existentes de financiar a expansão e de aumentar a produtividade, incentivando os ganhos líquidos e o fluxo de fundos. Se bem que os cortes nos impostos têm pouco efeito nos projectos de investimento com taxas de retorno inerentemente elevadas ou taxas de retorno inerentemente baixas. As considerações de ordem fiscal afectam principalmente os projectos que são minimamente viáveis. Este impacto selectivo é relevante porque o crescimento económico depende da qualidade do investimento, assim como da quantidade.

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Segundo ainda o mesmo estudo, atrair o investimento com taxas de retorno fundamentalmente elevadas requer políticas com vista a melhorar o ambiente de negócios o que quer dizer taxas fiscais não só estáveis, mas atractivas.

Termina o referido estudo com a sugestão de que podem ser utilizadas diferentes ferramentas fiscais para estimular o investimento reduzindo o custo de capital: redução da taxa fiscal padrão aplicada às empresas: redução da dupla tributação dos rendimentos sobre os dividendos; disponibilização de incentivos fiscais especiais a investimentos seleccionados; disponibilização de deduções mais generosas ao investimento ou créditos no cálculo dos rendimentos tributáveis; ou redução dos impostos indirectos aplicados à aquisição de bens de equipamento. Muitos peritos em fiscalidade consideram as últimas duas abordagens como as mais eficazes em termos de custos para equilibrar o impacto no investimento contra a perda de receitas resultante dos incentivos especiais.

Foi, aliás, neste sentido que em 2002, o governo introduziu reformas no Código dos Benefícios Fiscais com o objectivo de atrair mais e melhor investimento, o que seria contraproducente qualquer tentativa de fazer aumentar a carga tributária.

10.2 Emprego

Assente no estudo da USAID, o sistema tributário afecta tanto o lado da oferta como o da procura do mercado laboral, assim como o desenvolvimento de habilidades da força laboral. Começando pelo lado da oferta, os impostos aplicados aos rendimentos do trabalho – o imposto sobre os rendimentos de pessoas singulares e o imposto para a segurança social (INSS) – criam uma “diferença entre o salário líquido e bruto” entre o custo do trabalho/mão-de-obra para os empregadores e os rendimentos recebidos pelos trabalhadores, pelo menos no sector informal. Os modelos económicos indicam que as interacções do mercado tendem a transferir a carga efectiva destes impostos para os trabalhadores sob a forma de dinheiro recebido mais reduzido.

Em Moçambique, a diferença entre o salário líquido e bruto é muito reduzida para a maioria dos trabalhadores não qualificados, mas pode ser suficientemente elevada ao ponto de afectar as decisões da oferta de trabalho para alguns trabalhadores no extremo mais alto da escala de rendimentos.

Passando para o lado da procura do mercado laboral, o impacto do sistema tributário é determinado por três elementos: o efeito no investimento; o efeito no desenvolvimento empresarial e na formalização; e o efeito nas actividades empresariais capital intensivas. A análise apresentada na secção sobre o Investimento sugere que o actual sistema tributário não constitui um impeditivo significativo à maior parte dos investimentos. Não obstante, a aplicação de taxas fiscais mais baixas iria provavelmente estimular a procura de investimento adicional para a mão-de-obra, aumentando os retornos e o fluxo de proventos como fonte de financiamento para a expansão dos negócios. Ao mesmo tempo, as outras deficiências verificadas no ambiente de negócios são muito mais importantes do que os impostos como barreiras ao investimento e ao crescimento dos níveis do emprego. 

10.3 Poupança

Segundo o estudo da USAID que citamos, o principal factor determinante da poupança é o nível de rendimentos. Uma vez que a aplicação de impostos mais baixos iria aumentar os rendimentos, a medida iria encorajar uma maior poupança. Todavia, a longo prazo, o aspecto crucial que deve ser tomado em consideração é se o sistema tributário promove o crescimento rápido e sustentável de modo a aumentar o rendimento e, com ele, a poupança. 

A poupança é também fortemente afectada pela distribuição dos rendimentos, que por seu turno é fortemente influenciada pelo sistema tributário. Um sistema tributário progressivo, como o existente em Moçambique, aplica, no que as famílias diz respeito, impostos mais pesados às famílias de alta renda e minimiza a carga fiscal nos pobres . Esta estrutura fiscal é justificada por questões de equidade e está totalmente de acordo com o objectivo central do PARPA de redução da pobreza. Porém, tende a reduzir a poupança familiar porque as famílias ricas revelam uma maior propensão para a poupança. 

10.4 Consumo

O sistema tributário também afecta a eficiência do consumo. Embora praticamente todos os impostos criem perdas de eficiência por distorcerem o comportamento económico, as diferenças acentuadas na taxa fiscal efectiva por sector ou por tipo de investimento, exacerbam a afectação incorrecta de recursos, em detrimento do crescimento económico.

É conhecida a teoria de Keynes segundo a qual ”maiores níveis de consumo geram riqueza”, e com ela o crescimento e consequentemente o desenvolvimento económico. Ora, a maior incidência de tributação sobre o consumo ocorre nos chamados impostos indirectos – sobre bens e serviços. É claro que maior tributação dos bens e serviços afectando o consumidor final vai ter como consequência a diminuição do giro comercial e, com ela, queda do crescimento económico.

Somos por conseguinte a favor da redução da carga tributária sobre os impostos indirectos. Este cenário não só permitirá maior circulação de bens e serviços, mas a inibição da evasão fiscal, bem assim o alargamento da própria base tributária por os valores ali incidentes serem suportáveis.

Ainda assim não nos repugna um aumento da carga tributário sobre o consumo dos chamados bens de luxo ou supérfluos. É que estes não oscilam em função da variação da tributação. Dizem respeito a um nicho muito específico.

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Sobre o autor
Carlos Pedro Mondlane

Juiz de Direito e docente universitário. Presidente do Tribunal de Polìcia da Cidade de Maputo. Presidente da União Internacional dos Juízes da CPLP. Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Pós Doutorando em Direitos Humanos, Saúde e Justiça pela Universidade de Coimbra. Doutorado em Direito Privado pela Universidade Católica de Moçambique e Universidade Nova de Lisboa. Mestrado em Direito pela Universidade Católica de Moçambique. Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane. Prelector e autor de livros e artigos jurídicos publicados em revistas de especialidade. Autor, entre outros, de:- Comentário da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Coord. Pinto de Albuquerque), Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, Anotada e Comentada- Código de Processo Civil, Anotado e Comentado- Colectânea dos 15 Anos da Lei de Terras: Venda de Terra em Moçambique: Mito ou Realidade?- Manual Prático dos Direitos Humanos - Constituição de Moçambique Anotada (no prelo)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A presente dissertação foi apresentada no dia 10 de Setembro de 2014 a estudantes do módulo de Tributação das Empresas, no mestrado em Direito Empresarial na Universidade Católica de Moçambique. Quaisquer sugestões de melhoria podem ser endereçadas ao email: [email protected]

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