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Contratos de seguro: regras do prêmio e da indenização no Código Civil de 2002

01/02/2017 às 10:22
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Estudam-se os regulamentos gerais dos contratos de seguro, realizando uma breve análise histórica desse tipo de contrato.

INTRODUÇÃO

A história dos contratos de seguro nos remete à antiguidade, período no qual diversos povos já possuíam certo grau de desenvolvimento, a exemplo dos fenícios. Em razão desse desenvolvimento, foi notada a necessidade de proteção a riscos inerentes a algumas atividades econômicas, mais precisamente no comércio terrestre e marítimo. Por meio de acordos coletivos estabelecidos entre grupos de maneira informal, os que exploravam essas atividades começaram a obter alguma garantia, em caso de acontecimentos inesperados que lhes causassem prejuízos.

Na idade média, mais precisamente em 1347, em Gênova, surgiu o primeiro contrato com emissão de apólice que se tem notícia, atrelado ao comércio marítimo, meio em que o contrato de seguro posteriormente tornou-se comum, especialmente em decorrência das Grandes Navegações, que estimularam a implantação de contratos nesse sentido. Com a Revolução industrial, no séc. XVIII, e as sucessivas evoluções que teve a humanidade, foi se intensificando a necessidade de garantias econômicas por meio desses contratos, surgindo não só diplomas legais para regulá-los, como também uma diversificação do objeto dos mesmos, alcançando desde o patrimônio até a vida dos indivíduos.

No Brasil, a primeira legislação nesse sentido veio com a Lei n. 556, no Código Comercial de 1850 e, a partir daí foi crescendo o número de seguradoras no país, oferecendo seguros marítimos, terrestres e, posteriormente, os de vida, que antes suscitaram diversos debates a respeito de sua natureza ou não como contrato de seguro, tendo em vista que seu objeto não é economicamente apreciável, nem a morte incerta. Todo esse processo evolutivo culminou no Código Civil de 1916, que trouxe consigo um diploma legal completo e definitivo para a atividade securitária, reservando todo o décimo quarto capítulo para disciplinar o tema.

O presente trabalho tem como foco, no entanto, o que foi estabelecido pela Lei nº 10.406 em 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil atualmente em vigor, tendo por objetivo descrever o conceito, os elementos e as regras dos contratos de seguro à luz dos princípios basilares da boa-fé objetiva e da eticidade, fundamentais aos contratos de uma maneira geral, mas que possuem uma especial relevância nos contratos de seguro.


1.      Aspectos gerais dos contratos de seguro. 

O atual Código Civil reserva o capítulo XV aos contratos de seguro, dispondo uma definição implícita da seguinte maneira “Art. 757: Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou coisa contra riscos pré-determinados”. O contrato de seguro é, portanto, aquele em que uma parte, o segurador, obriga-se a garantir outra, o segurado, contra certo risco. Caso o risco ocorra, o segurado terá direito a uma contraprestação por parte da seguradora.

Para que isso seja possível, o segurado deverá pagar certa quantia, que é chamada de prêmio. É necessário ressaltar que quando se tratar de risco, objeto como insumo do segurado e, assim sendo, o segurado é empresário, seguramente não incidirá sobre ele o Código de Defesa do Consumidor. Ao contrário, quando se tratar de relação de consumo, esse contrato estará sujeito ao CDC (COELHO, 2012).

No art. 757 do Código Civil, parágrafo único, faz-se a importante ressalva de que “somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para fim legalmente autorizada”. Essa autorização legal é expedida por um conselho especial o chamado Conselho Nacional de seguros privados, criado pelo Decreto-lei nº 73/66, o qual é responsável por fixar uma série de diretrizes e normas da política dos seguros privados.

Dentro do estudo da teoria geral  dos contratos, podemos classificar os contratos de seguros como onerosos, pois criam vantagens a ambos os contratantes; bilaterais ou sinalagmáticos, porque criam obrigações para as duas partes, quais sejam, a de pagar o prêmio, não agravando o risco e a de indenizar, caso ocorra o “sinistro”, que nada mais é do que um fato possível do qual o segurado pretende se precaver; de adesão, uma vez que não é fruto de uma discussão entre segurador e segurado, na qual se poderia modificar as cláusulas já existentes no mesmo, sendo, pois, um contrato que “se aperfeiçoa com a aceitação, pelo segurado, previamente elaboradas pelo segurador” (GONÇALVES, 2010); de duração, e por fim, aleatórios, já que a contraprestação pecuniária dependerá da ocorrência do sinistro, que é eventual.

Quanto a essa última característica, frisa-se que há divergência doutrinária, optando a minoria por discordar da aleatoriedade desses contratos. Nesse sentido, comenta Coelho (2012, p.91):

O seguro deve ser considerado contrato comutativo, porque inexiste álea na obrigação contraída pela seguradora. Enquanto vigorar a cobertura, ela é obrigada a administrar os recursos pagos a título de prêmio puro por seus assegurados de modo a poder honrar os compromissos contratados com estes na hipótese de sinistro”

No entanto, a maioria da doutrina defende que a natureza desse contrato é aleatória. Como exemplo, averba Diniz (2013, p. 552):

É um contrato aleatório, por não haver equivalência entre as prestações; o segurado não poderá antever, de imediato, o que receberá da sua prestação, pois o segurador assume um risco, elemento essencial desse contrato, devendo ressarcir o dano sofrido pelo segurado, se o evento incerto e previsto no contrato ocorrer. Daí a aleatoriedade desse contrato, pois tal acontecimento pode verificar-se ou não (...) O ganho ou perda dos contraentes dependerá de fatos futuros e incertos, previstos no contrato, que constituem o risco.

A apólice de seguros, nos termos do artigo 758 do Código Civil, configura-se como prova do contrato, uma vez que poderá ser suprida por outro meio, como o comprovante de pagamento do respectivo prêmio. Dessa maneira, têm-se a forma escrita dos contratos sendo exigida apenas ad probationem (GONÇALVES, 2010), sendo possíveis outras maneiras de aperfeiçoá-lo que não seja por meio dela. Essa posição, entretanto, vai de encontro ao que menciona Maria Helena Diniz, que coloca esse meio como o único capaz de completar a sua substância. Independentemente de tal discussão, o Código coloca a apólice como um elemento de suma importância na dinâmica contratual dos seguros, já que é por meio dela que serão delimitados os riscos sobre os quais a seguradora assumirá responsabilidade, bem como o detalhamento da garantia do segurado, em concordância com a proposta escrita, a qual obrigatoriamente precederá a emissão da apólice.


2.     As obrigações do segurado

O risco, como foi explicitado, refere-se a um “acontecimento possível, futuro ou incerto, ou de data incerta, que não depende da vontade das partes” (GONÇALVES, 2010, p. 504). Ele é um elemento essencial dos contratos de seguros, uma vez que só há de se falar em seguro se houver de fato a possibilidade de um real dano à pessoa ou ao patrimônio em questão.

Tendo isso em vista, o artigo 764 do Código Civil estabelece sanção caso o risco do segurado não seja incerto para a seguradora nos seguintes termos: “O segurador que, ao mesmo tempo do contrato, sabe ter passado o risco de que o segurado pretende cobrir e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado”.

Devido a abrangência dos bens seguráveis, são diversos os riscos que poderão ser objetos de seguro, devendo tão somente se tratar de interesses legítimos, como dispõem os artigos 757 e 166 do Código Civil. A partir do risco é que será calculado o valor do prêmio o qual o segurado estará obrigado a pagar. Por meio de cálculos de probabilidade e de estatísticas, que são chamados de “cálculos atuariais”, torna-se possível estipular um valor que comporte o provável pagamento de contraprestação pecuniária pela seguradora (prêmio puro), suas despesas operacionais e seus lucros. O artigo 764 do Código Civil, por sua vez, esclarece que independentemente de esse risco ser verificado, não se eximirá o segurado de pagar o prêmio, pois existe ai uma assunção do risco pela seguradora, mesmo que esta não seja instaurada.

Um ponto importante na questão do cálculo do risco, é a especial importância da boa-fé objetiva e da eticidade nessa relação contratual. Como dito, o segurador que ocultar a inexistência do risco assumido estará sujeito a penalidades, por agir de má fé e comprometer a própria função desse contrato. Quanto a outra parte, o segurado, é também de suma importância que se comporte de maneira ética e verdadeira dentro dessa relação, pois é a partir das informações dadas por ele que se estabelece um justo valor do prêmio a ser pago.

O não cumprimento desses deveres, declarados expressamente no artigo 756 do Código Civil, acarretará em prejuízo à parte segurada, que poderá ser traduzido na perda da garantia e obrigação de pagar o prêmio vencido, ou, se essa falta da devida informação advir de má fé do segurado, este estará sujeito à resolução do contrato e à cobrança da diferença do prêmio, mesmo após o sinistro (art. 766 do CC).

Além da observância desses deveres anexos, derivados da função integrativa da boa fé objetiva, o segurado também é obrigado a agir sempre de maneira a não aumentar o risco (art. 768 do CC) objeto do seguro e, caso este já esteja implantado, minorar as consequências dos danos causados no que for possível, comunicando imediatamente o segurador (art. 771 do CC).

Trata-se de uma consequência do instituto do duty to mitigate the loss (dever de mitigar o dano), diante do qual o credor (nesse caso, aquele que tem direito a receber a indenização) deve agir de maneira a diminuir as próprias perdas que o devedor (a seguradora) está obrigado a cobrir.

     Cabe lembrar que as sanções previstas no código são direcionadas àqueles que agem de má fé ou com dolo, resguardando-se os direito daqueles que, por culpa, geram aumento do risco inicialmente previsto. Por último, faz-se óbice a preocupação do Código  em coibir o enriquecimento indevido do segurado, vetando, nos termo do art. 778 do CC, que os seguros de dano estabeleçam um valor de garantia maior que o próprio interesse segurado. Quanto aos seguros de pessoa, no entanto, não poderia se aplicar essa mesma proibição, já que a vida não possui um valor financeiro estipulável e, assim sendo, jamais configurará vantagem indevida se o beneficiário receber diversas contraprestações pecuniárias em razão da morte ou lesão do segurado.


3.      As obrigações do segurador

A seguradora, como já se abordou, assume a responsabilidade de garantir o segurado contra o risco, pagando a ele, ou a seu beneficiário uma contraprestação pecuniária (ou de outra maneira que tenha sido acordada) caso ocorra o sinistro. Atenta-se que, nos seguros de dano, nos termos do art. 781 do CC, essa indenização não poderá ultrapassar o valor que consta na apólice, a não ser em caso de mora do segurador, devido à correção monetária e aos juros, ou quando o seguro cobrir fatos contra terceiros. Essa contraprestação será de acordo com o que fora, de fato, assumido na apólice; caso o valor do seguro seja inferior ao do seu objeto, pressupõe-se que somente parte da responsabilidade sobre o sinistro é da seguradora, sendo a outra assumida pelo segurado (cláusula de rateio).

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Em alguns casos não terá o segurado direito a esse pagamento. Um deles é em caso de mora do mesmo, a não ser que haja sua purgação anteriormente ao sinistro. Quanto à interpretação dessa regra, deve-se atentar ao entendimento atual do STJ de que é necessário que, antes que essa mora seja configurada, seja o devedor notificado, bem como à teoria do adimplemento substancial, aludida no enunciado 376 do Conselho de Justiça Federal ditando que “a mora do segurado, sendo de escassa importância, não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva”. Outra ocasião em que isso ocorre, está prevista no art. 784 do CC, que exclui a responsabilidade da seguradora por sinistros decorrentes de “vícios intrínsecos” da coisa segurada, uma vez que estes não são incertos ou futuros, mas já existiam no momento do contrato.

O decreto-lei 73/66, assim como o art. 761 do CC, permite que as seguradoras diluam essa responsabilidade de pagar a indenização, por meio dos cosseguros, nos quais diversas seguradoras se reúnem para cobrir, cada uma, uma fração do risco que incide em um só objeto; e dos resseguros, que funcionam como uma garantia da seguradora. No Brasil, essa prática é feita através do chamado “Instituto de Resseguros do Brasil”, o IRB, sendo, inclusive, obrigatória, para seguradoras que efetuarem contratos que comprometam excessivamente suas reservas técnicas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após essa exposição sobre o regimento legal dos contratos de seguro, conclui-se que o código civil de 2002 teve grande preocupação em impor as diretrizes necessárias para esses contratos.

Mesmo sendo este um contrato de adesão que, na maioria dos casos, envolve uma relação de consumo, a “parte mais fraca” (segurado), precisará cumprir de maneira inequívoca seus deveres contratuais e extracontratuais, a fim de não romper com o frágil equilíbrio e mutualismo dessa espécie contratual. Não seria possível a sobrevivência das garantias oferecidas pelas seguradoras se, legalmente, a única obrigação do segurado fosse a de pagar o prêmio para receber a indenização, sem estar comprometido com a veracidade das informações e de seu comportamento, bem como seria insustentável que não houvesse uma proteção a esses segurados em relação ao pagamento da indenização, já que ela depende de um acontecimento futuro e incerto, mas necessita de uma prestação imediata.

Por fim, cabe fazer a ressalva de que o Código Civil, mais precisamente as regras que foram abordadas no presente estudo, aplicar-se-ão de maneira subsidiária, não sendo poucos os diplomas legais específicos para os mais diversos tipos de seguro, os quais não fazem parte dessa abordagem.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Ana Leticia Costa. Contratos de seguro: regras do prêmio e da indenização no Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4963, 1 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55423. Acesso em: 18 abr. 2024.

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