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Não confunda julgamento antecipado parcial de mérito com sentença de mérito de procedência parcial

30/01/2017 às 11:50
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Não podemos confundir a decisão prevista no art. 356, CPC, que não põe fim à fase de conhecimento, com a sentença meritória que será dada ao final, seja ela de procedência total ou parcial.

Na prática forense tenho visto a confusão promovida pelos operadores do direito em razão da inovação trazida pelo artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015. Tem sido frequentes as vezes em que são interpostos agravos em face de decisões de mérito de parcial procedência, em notória confusão com o “julgamento parcial de mérito” citado no aludido dispositivo legal.

O objetivo deste pequeno artigo não é aprofundar no estudo do julgamento antecipado parcial de mérito, mas apenas apresentar a questão essencial que o diferencia do julgamento de mérito de parcial procedência, bem como alertar para a danosa consequência que eventual incompreensão dos dispositivos legais pode gerar para o direito que se busca ver reconhecido.

Prevê o art. 356, CPC que: “O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.”. Neste caso, o recurso cabível é o agravo de instrumento, nos termos do que consta do § 5º.

Mas não se pode confundir o “julgamento parcial do mérito” previsto no artigo 356, CPC, com o “julgamento de mérito parcial”. Explico: o artigo 356 trata especificamente da hipótese em que, sem por fim ao procedimento, o juiz da causa decide um ou mais pedidos, permanecendo a demanda quanto aos demais. A segunda hipótese, o “julgamento de mérito parcial”, ocorre quando o magistrado profere sentença pondo fim à fase de conhecimento, acolhendo parte do pedido formulado pelo autor da ação.

Exemplificando: A propõe demanda em face de B requerendo sua condenação em danos morais e materiais. Após a contestação, na fase de saneamento, o juiz se convence da ocorrência do fato gerador do dever de indenizar, bem como de que o dano moral é auferível de plano, mas entende que o dano material deve ser provado. Então, promove “julgamento antecipado parcial de mérito”, nos termos do art. 356, CPC. Tal decisão é recorrível por meio de agravo de instrumento, e, após o trânsito em julgado, poderá ser executada, muito embora o processo ainda persista em relação ao dano material.

Caso clássico é o da negativação indevida que, embora gere dano moral “ipso facto”, pode ou não gerar dano material, a depender da devida comprovação. Em tal hipótese, demonstrada de plano a negativação indevida pode o juiz proferir decisão antecipada parcial de mérito reconhecendo o direito do autor e fixando o valor do dano moral, prosseguindo a demanda para que se comprove a ocorrência do dano material.

Contudo, no mesmo exemplo acima, se após a instrução probatória o magistrado profere sentença de mérito de parcial procedência, condenando o réu apenas nos danos morais e afastando a alegação de danos materiais, estaremos diante da sentença prevista no artigo 487, I, CPC, pondo fim à fase de conhecimento. Neste caso, o recurso cabível é o de apelação conforme determina o artigo 1.009 do CPC.

Comentando o art. 356 do CPC, Fredie Didier esclarece que:

“(...) admite-se o julgamento antecipado parcial (art. 356, CPC). Nesse caso, por não encerrar o procedimento, a decisão é impugnável por agravo de instrumento (art. 356, § 4º, CPC).” (Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.. P.688-689).

Portanto, não podemos confundir a decisão prevista no art. 356, CPC, que não põe fim à fase de conhecimento, com a sentença meritória que será dada ao final, seja ela de procedência total ou parcial.

Veja-se, a propósito, o comentário de Humberto Theodoro Júnior:

“Por outro lado, a admissão pelo Código de que a decisão interlocutória pode enfrentar questão representativa de parte do mérito da causa (NCPC, art. 356), desafiando agravo de instrumento (§ 5º), põe fim à velha discussão doutrinária sobre a unidade do objeto litigioso e unicidade da sentença, como instrumento de solução do litígio, com sérias repercussões sobre a formação da coisa julgada material e sua invalidação por meio da ação rescisória. Fica patente, para o novo Código, que uma decisão interlocutória nem sempre se limita a resolver questão acessória, secundária, de ocorrência anormal no curso do processo e autônoma em relação ao seu objeto. Também o próprio mérito da causa pode sofrer parcelamento e, assim, enfrentar decisão parcial por meio de decisão interlocutória, como deixa claro o referido art. 356. Melhor orientação, portanto, adotou o Código atual quando evitou limitar a decisão interlocutória à solução de questões incidentes, destinando-a a resolução de qualquer questão, desde que não ponha fim à fase cognitiva do procedimento comum ou não extinga a execução (art. 203, §§ 1º e 2º). Em outros termos, a decisão interlocutória, na dicção legal, é a que soluciona qualquer questão, sem enquadrar-se na conceituação de sentença.

(...)

Embora configure decisão interlocutória, visto que não põe fim à fase cognitiva do procedimento comum nem extingue a execução, o julgamento em causa é uma decisão de mérito, e, como tal, transita materialmente em julgado (arts. 502 e 503).32 Sendo, porém, decisão interlocutória (e não sentença), o recurso manejável em face da resolução parcial antecipada do mérito é o agravo de instrumento (e não a apelação), como expressamente determina o § 5º do art. 356.”

(Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014. P. 504 e 838).

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Resumindo: e para que o operador do direito não se equivoque quanto ao tipo de e do respectivo recurso cabível, temos:

(i) julgamento antecipado parcial de mérito: é uma decisão que implica no reconhecimento de parte do direito invocado pelo autor da demanda, mas que, por não pôr fim à fase de conhecimento pode ser questionada mediante agravo de instrumento;

(ii) julgamento de mérito parcial: neste caso, estar-se-á diante de sentença, pondo fim à fase de conhecimento, ainda que não tenha acolhido a integralidade das pretensões do autor da demanda (sentença de parcial procedência), recorrível, portanto, via recurso de apelação.

Considerando que a questão envolve singela análise dos dispositivos legais, entendo que a distinção é importante vez que a interposição de apelação no caso de julgamento antecipado parcial de mérito, ou de agravo de instrumento, quando a hipótese é claramente de sentença de mérito parcial, poderá ensejar o não conhecimento do recurso ante o erro grosseiro relativo à sua interposição.

A propósito, aliás, veja-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL – DECISÃO IMPUGNÁVEL POR APELAÇÃO – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – ERRO GROSSEIRO – RECURSO NÃO CONHECIDO.

(...)

Cuida-se de Agravo de Instrumento exprobando a R. Decisão de fls., que em feito de Indenização por Danos Morais e Materiais, deu pela parcial procedência da ação, para o fim de condenar as Requeridas a restituírem, de forma solidária, os valores pagos pelos Requerentes a título de danos materiais, no importe de R$-6.877,40, bem como o valor de R$-677,78, referente às taxas condominiais que os Requerentes foram obrigados a pagar no período de atraso da entrega do imóvel.

(...)

O recurso não pode ser conhecido. A sentença julgou parcialmente procedente a ação, devendo ser desafiada por meio do recurso de apelação. Logo, havendo expressa previsão legal sobre o recurso cabível, não há como sustentar eventual dúvida objetiva sobre o recurso a ser manejado, tratando-se de erro grosseiro, o que impede a aplicação do Princípio da Fungibilidade e dá causa ao não conhecimento do recurso. Assim, por ausência de pressuposto objetivo, NÃO SE CONHECE do recurso.”

(TJSP - Agravo de Instrumento nº 2155110-02.2016.8.26.0000, - Rel. Des. Giffoni Ferreir – j. 31.08.2016).

O presente artigo, mais do que uma conversa franca sobre o novo CPC, é um alerta aos operadores do direito. Tenho visto vários advogados incorrerem no equívoco interpretativo ora exposto e, como visto, a consequência poderá ser demasiadamente danosa aos interesses de seu constituinte.

As modificações processuais introduzidas pelo CPC de 2015 devem ser objeto de acurado estudo a fim de que questões, não obstante singelas, não sejam objeto de equívocos que uma vez cometidos trarão resultados que não poderão ser revertidos, como o não conhecimento do recurso eventualmente interposto.

Por óbvio que poderá haver interpretação diversa, ou seja, é bem possível que também sejam proferidos acórdãos reconhecendo a aplicação do princípio da fungibilidade, mas fica a questão: você vai querer arriscar? Melhor optar pela técnica e manejar o recurso adequado.

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Sobre o autor
Paulo Andreatto Bonfim

Pós graduando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura Pós graduado em Direito Constitucional pela PUC Campinas Especialista em Direito Tributário pelo IBET Campinas Escrevente Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFIM, Paulo Andreatto. Não confunda julgamento antecipado parcial de mérito com sentença de mérito de procedência parcial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4961, 30 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55439. Acesso em: 26 abr. 2024.

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