O teor inconstitucional e o retrocesso histórico da limitação do uso da internet por meio de franquia

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O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a evolução dos Direitos e Garantias Fundamentais em nosso ordenamento, assim como a evolução da Internet na sociedade.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a evolução dos Direitos e Garantias Fundamentais em nosso ordenamento, assim como a evolução da Internet na sociedade, chegando à conclusão de que nos dias de hoje o acesso a grande rede tem como uma de suas características a de Garantia Fundamental do cidadão.

Palavras-chave: Internet. Direitos e Garantias Fundamentais. Direitos Humanos. Direito Constitucional. Dignidade da Pessoa Humana. Marco Civil da Internet.


1. Introdução

Uma das características mais impactantes da internet é a disseminação de informação irrestrita, proporcionado educação e entretenimento aos cidadãos de forma isonômica e de qualidade. Com a constante evolução tecnológica do conteúdo na rede, seja na produção audiovisual seja na vastidão de informação produzida, se faz necessário cada vez mais um tráfego crescente de dados. A limitação dos dados utilizados por meio de franquia é incompatível com a própria finalidade da rede, que se trata de informar e ensinar sem limites.


2. Evolução da rede

Faz-se salutar uma breve síntese de como a grande rede surgiu e como esta evoluiu até chegar ao que temos hoje em dia nas nossas casas.

A ARPAnet como era conhecida na sua criação, se tratava de uma rede cuja finalidade era a troca de informações basicamente militares. No auge da guerra fria, os EUA com medo que sofresse algum tipo de ataque e que seus centros de comandos fossem comprometidos, criou – por meio da NSA (National Security Agency)1 – uma rede na qual todos os dados eram compartilhados. Na queda de um ponto, outro poderia assumir automaticamente a função do que fora destruído.

Gradativamente, o acesso a rede foi sendo usado pelas universidades americanas, inicialmente para trocas de e-mails um pouco depois com criação do protocolo de transferência de hipertexto (HTTP) e a linguagem de programação para hipertexto (HTML) surgiu o que hoje conhecemos por World Wide Web, ou como é popularmente chamada: rede mundial de computadores.

Fica claro quando se analisa a evolução histórica da internet que sua finalidade precípua é a disseminação de informação e o fomento da educação. Não resta duvida sobre isso.

Ainda se faz importante ressaltar que no Brasil, o advento da grande rede surgiu quase que exclusivamente voltado para a pesquisa e educação. Quando se criou a Rede Nacional de Pesquisas (RNP) sua finalidade era, basicamente, a de gerenciar o acesso das academias brasileiras à rede. Em outras palavras, desde seus primórdios, no Brasil, a internet é estruturada com fins educacionais.


3. Base legal

Hodiernamente, o acesso à internet deve ser compreendido com uma garantia fundamental, o próprio Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) versa:

“Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

IV - não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização;

V - manutenção da qualidade contratada da conexão à internet; [...]”.

Tal marco normativo é compreendido como sendo a “Constituição” da grande rede2.

Não diferente seria o entendimento que se faria analisando sob uma ótica constitucional a finalidade da rede. Hoje em dia é incontestável que o acesso à internet se trata de um direito fundamental, assim como disposto no artigo 5º, §2,3 da Constituição Federal.

Atualmente a ONU4 entende que o acesso à internet trata-se compreendido dentro do rol dos direitos humanos5.

O que se pode entender como sendo direitos fundamentais? Essa é a pergunta que responde todos os questionamentos propostos acerca deste polemico tema.

Um breve relato evolutivo-histórico destes direitos é importante para que seja entendido o que se defende neste artigo.

Inicialmente, um dos conceitos de Direitos Fundamentais é o descrito por Pérez Luño:

“un conjunto de facultades y instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional y internacional”.6

Dito isto, é relevante um relato sobre à evolução histórica7.


4. Evolução histórica dos direitos e garantias fundamentais

O marco histórico da Magna Carta em 1215, na Inglaterra, é o que se pode chamar de pedra fundamental da democracia moderna. Foi através dela que se viu pela primeira vez o poder do monarca limitar-se perante algo.

Em 1628 se editou a Petition of Rights onde o Parlamento cobrava que os direitos garantidos na Magna Carta fossem respeitados. O instituto do Habeas Corpus foi criado em 1679 pelo Habeas Corpus Act, este visava – como nos dias de hoje – preservar a liberdade individual dos súditos.

Já em 1689 foi a vez do Bill of Rights que contribuiu para uma das maiores mudanças na Inglaterra monárquica até então, a separação dos poderes. A partir dai não existia mais o Monarquismo absolutista, este estava subordinado ao Parlamento. Era o inicio do Monarquismo Constitucional.

O Act of settlement de 1707 complementa o Bill of Rights e reforça o conjunto de limitações ao poder do monarca.

É importante esclarecer que os acontecimentos até aqui relatados não são Direitos Fundamentais propriamente ditos, mas o que se poderia chamar de um preparativo histórico para o que seriam estes.

Os Direitos Fundamentais positivados surgiram após a revolução francesa. A sociedade oprimida há gerações não suportava mais tal conduta do Estado e sonhava com liberdade.

Estes foram ao longo da história classificados em gerações8.

Os de primeira geração são aqueles após a queda do Estado absoluto vieram garantir liberdade ao povo. Falando de forma sintética: são os primeiros direitos fundamentais positivados e tinham por principal função criar um dever de abstinência do Estado em relação à seara particular do indivíduo. São direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. Nestes estão contidos os direitos civis e de liberdade.

Os Direitos Fundamentais de segunda geração são os ditos Direitos Sociais. Após uma época de liberalismo extremo fez-se necessário uma participação mais positiva do Estado na sociedade, visando proporcionar isonomia entre os cidadãos. São os Direitos da coletividade, culturais e econômicos. Diversas outras garantias foram firmadas nessa “geração” de Direitos, todavia este trabalho visa elencar a evolução histórica para fundamentar a tese defendida neste artigo. De tal forma os detalhes ficarão para outro momento.

Até o presente momento se pode ver que o Direito é vivo, dinâmico, ele evolui junto com a sociedade em que está inserido. Com o passar dos anos, e os diversos acontecimentos históricos que a humanidade vivenciou novas Garantias e Direitos foram surgindo e se fazendo necessárias. Conforme sintetizado por Pérez Luño.

Voltando a evolução dos Direitos Fundamentais, agora se pode falar dos de terceira geração.

É o chamado direito transindividual. São direitos coletivos, difusos. São de caráter universal, visam proteger a paz, o desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural entre outros bens que pertencem ao homem como comunidade, não ao individuo em si.

Os que se conhece por Direitos de quarta geração são os caracterizados pela globalização política dos Direitos Fundamentais, uma universalização destes direitos no âmbito institucional. A consolidação do Estado Social encontra-se neste ponto histórico. Aqui temos definidos os direitos à Democracia, a liberdade de informação e ao pluralismo.

Por fim – ou até o momento -, se chega aos Direitos Fundamentais de quinta geração: O direito à paz é entendido com um Direito Fundamental de quinta geração.

Concluindo esta parte histórica, se faz importante saber que tais Direitos se completam e estão em constante evolução. Estes surgem ao longo da evolução humana e da sociedade. As necessidades sociais são o catalizador para seu surgimento. Particularmente, analisando sob à luz da Teoria Tridimensional9 de Reale fica fácil compreender tal evolução.

Tal pensamento ganha força com uma passagem do Min. Luís Roberto Barroso em um ensaio sobre a Dignidade da Pessoa Humana:

“[...]como intuitivo, a noção de dignidade humana varia no tempo e no espaço, sofrendo o impacto da história e da cultura de cada povo, bem como de circunstâncias políticas e ideológicas. Em razão da plasticidade e da ambiguidade do discurso da dignidade,[...]”10


5. O papel social da internet

Outro ponto em que se observa um Direito Social, explicita e simbioticamente, ligado a grande rede é sua aplicação na área médica. Dispensa explicações sobre o acesso à saúde ser Direito Fundamental.

Inúmeros são os usos. Tendo desde consultas por videoconferência, procedimentos cirúrgicos realizados remotamente, não deixando de mencionar a celeridade na troca de informações epidemiológicas. Item fundamental em um mundo globalizado onde alguns patógenos podem se disseminar em todo o globo em menos de vinte e quatro horas.

Não será diferente citando, como exemplo, o mercado financeiro. Hoje, são indispensáveis para os Bancos e demais instituições financeiras a velocidade na troca de informações e a multi-conectividade – conhecida por Cloud Computing11 – para suas operações. O que sem o acesso a internet é simplesmente impossível. Aqui se observa outro Principio Constitucional correlacionado com a Internet, o Principio da Livre Iniciativa12.

A evolução frenética que se tem hoje, na seara tecnológica, é algo que não conhece precedente histórico. A velocidade em que a informação circula, e, consequentemente, fomenta o conhecimento cresce exponencialmente a cada dia.

Se analisar no próprio judiciário, por mais tradicional que seja o meio jurídico – quando fazemos referencias aos ritos e historicidade deste – vemos um reconhecimento da necessidade de se inserir no mundo digital. O chamado PJe13 está em larga implantação, muito em breve deve se tornar uma realidade em todo o sistema. Tal tecnologia não seria viável sem o acesso a rede mundial de computadores.

Outro Direito Social que hoje em dia é seriamente comprometido com a limitação do acesso a Internet seria a educação.

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O EAD14 tornou-se uma realidade cada vez mais presente na vida dos cidadãos. São diversos os fatores que influenciam esta tendência. Um dos mais significativos é a falta de tempo e necessidade de se capacitar cada vez mais para manter-se competitivo no mercado de trabalho.

O profissional moderno não pode ser comparado com um que exercia a mesma função anos atrás.

Até mesmo quando se trata de uma primeira graduação, o que sem deixar margem para questionamentos é a porta de entrada dos cidadãos no mercado de trabalho, hoje em dia tem uma forte participação nesse modelo de ensino.

Limitar o acesso a internet seria tolher o acesso à educação de milhares de jovens e adultos. Em outras palavras: limitar ou restringir o acesso à internet é limitar sem qualquer tipo de ponderação uma Garantia Fundamental. Isso é totalmente contrario ao que vemos ao aplicar uma boa hermenêutica constitucional. Sempre que dois ou mais princípios estiverem em conflitos, deve haver ponderação entre estes. Sempre que possível usando o norteador maior em nosso ordenamento como parâmetro: A dignidade da pessoa humana15.

Dito isto, como uma legislação infraconstitucional pode pretender tal feito? É impensável.


6. Conclusão

Foi-se visto ao longo deste artigo que a internet teve sua origem histórica explanada, assim como sua evolução ao longo do tempo e das sociedades.

Não diferente foi feito com os primórdios dos Direitos e Garantias fundamentais, passando pelo seu surgimento, e posterior evolução.

O entendimento hoje é majoritário, tanto no Direito pátrio tanto no Direito comparado, sobre a real necessidade da Internet.

O acesso a grande rede nos dias modernos deixou de se tratar apenas um mero lazer ou passatempo para a juventude Geek16 e passou a ser entendido como uma realidade irrevogável. Não se pode conter o avanço, a evolução é parte intrínseca na natureza humana. Limitar o uso da Rede hoje seria, analogamente falando, como proibir o uso do televisor em detrimento ao rádio.

Este trabalho chega a conclusão defendendo o entendimento que qualquer meio de limitação, controle, bloqueio ou restrição do acesso à Internet é um retrocesso histórico sem precedentes. Além do que, tal conduta seria inconstitucional diante de todos os pontos levantados e explicados no discorres deste artigo. Assim se entende após ampla pesquisa usando como base primária a Teoria Dos Direitos e Garantias Fundamentais e a evolução histórica destes. De tal forma, é salutar compreender que hodiernamente o acesso à Internet trata-se de um Direito Fundamental e Social.

Limitar um Direito desta natureza abriria um precedente funesto em nosso ordenamento.


7. Referências

Pesquisa, janeiro. 2017. Disponível em: <https://www.din.uem.br/~tait/evolucao-internet.pdf>

Pesquisa, janeiro. 2017. Disponível em: <https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/32/L.20>

Pesquisa, BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em:< <https://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>

Reale, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva - São Paulo, 2003.

PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y constitucion. 5ª ed. Madri: Tecnos, 1995.

Marco Civil da Internet, Fabiano Del Masso / Juliana Abrusio / marco Aurélio Florêncio Filho- Revista dos Tribunais.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007.


Notas

1 Agência Nacional de Segurança

2 Marco Civil da Internet, Fabiano Del Masso / Juliana Abrusio / marco Aurélio Florêncio Filho- Revista dos Tribunais, pg: 27.

3 “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

4 Organização das Nações Unidas

5 Pesquisa, janeiro. 2017. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/resolucao-da-onu-condena-paises-que-bloquearem-acesso-a-internet/>

6 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y constitucion. 5ª ed. Madri: Tecnos, 1995, p. 48

7 Dayanne, Renata. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, 2015.

8Ibdem.

9 Reale, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva - São Paulo, 2003.

10 Pesquisa, BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Pg: 8. Disponível em: <https://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>

11 Computação na nuvem. Pesquisa, janeiro. 2017 Disponível em: <https://www.ceped.ufsc.br/wp-content/uploads/2009/01/Artigo-14.pdf>

12“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]”

13 Processo Judicial Eletrônico.

14 Educação a Distância

15 “Ao longo do tempo, consolidou-se a convicção de que nos casos difíceis, para os quais não há solução pré-pronta no direito posto, a construção da solução constitucionalmente adequada precisa recorrer a elementos extrajurídicos, como a filosofia moral e a filosofia política. E, dentre eles, avulta em importância a dignidade humana” Pesquisa, BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Pg: . Disponível em: <https://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>

16 “é um sinônimo para nerd, e ambas são uma gíria muito usada para caracterizar pessoas com um jeito peculiar, que exercem diversas atividades intelectuais e que geralmente têm muita afinidade com tecnologia, eletrônica, jogos eletrônicos ou de tabuleiro e etc.”

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Sobre o autor
Anderson Ayres Bello de Albuquerque

Acadêmico de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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