"A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal. [1]"
O presente estudo tem por objetivo demonstrar o comportamento da jurisprudência dos Tribunais Estaduais, Regionais Federais e Superiores, quando são impostas restrições administrativas aos contribuintes que se encontrem com pendências perante os órgãos arrecadadores.
Serão analisadas cinco restrições:
a)Apreensão de mercadorias;
b)Não concessão de autorização para confecção de talonários fiscais;
c)Regimes Especiais de Fiscalização;
d)Negativa de expedição de Certidão Negativa de Débitos;
e)Negativa de renovação do CNPJ.
Inicialmente, observa-se que na Idade Média, com o objetivo de auferir recursos para custear a Guerra dos Cem anos travada entre a França e a Inglaterra, o Rei João Sem Terra estabeleceu uma política arrecadatória que veio a empobrecer os súditos ingleses. A história assevera que o valor dos impostos foi excessivamente majorado, e dentre várias ações destacou-se a obrigatoriedade de todos os navios que atracavam nos portos das ilhas britânicas pagar um alto valor em impostos sob pena do confisco da mercadoria em favor da coroa inglesa. Tais medidas vieram a descontentar todos os segmentos da sociedade inglesa, principalmente a nobreza e o clero que não estavam habituados ao pagamento de impostos. A conseqüência dessa política, foi à negativa dos nobres de fornecer valores e a igreja começou a incentivar os homens em idade militar a abandonar os campos de batalha. Dessa forma, sem recursos e soldados o Rei João Sem Terra assinou a Magna Carta Inglesa, que dentre os seus dispositivos, destacou a limitação dos poderes do rei de instituir impostos, e o proibiu de restringir as práticas mercantis nos domínios ingleses, bem como a submissão aos nobres dos impostos que porventura viessem a ser instituídos.
A Constituição Federal de 1988, assegurou o direito à liberdade profissional, quando, no art. 5.º, XIII, dispôs que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício e profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" e no art. 170, parágrafo único, a livre atividade econômica quando dispõe que "é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de qualquer autorização de órgãos públicos, salvo os casos previstos em lei."
Iniciando a análise sobre a restrição das práticas mercantis, sob a ótica do Poder Judiciário, observa-se que o Supremo Tribunal Federal editou, em 1963, as Súmulas 70 e 323 com a seguinte dicção, respectivamente:
"É INADMISSIVEL A INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO MEIO COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO."
"É INADMISSIVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS."
Em 1969, foi editada a Súmula 547, que asseverou:
"NÃO É LICITO A AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DEBITO ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS ALFANDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS."
Tratando primeiramente da apreensão de mercadorias, com a edição da Súmula 323, a jurisprudência consolidou-se. O Superior Tribunal de Justiça, reiteradamente vem aplicando o seu comando, como se confere:
"A Fazenda Pública, só poderá cobrar seus créditos através de execução fiscal e na forma da Lei n.º 6.830/80, não tendo a autoridade administrativa autorização para apreender, reter e leiloar mercadorias para receber multas e taxas – Súmula 323 do STF" (2)
"É cediço, na jurisprudência que, dispondo, o fisco, de procedimento adequado e instituído em lei, para a execução de seus créditos tributários, deve-se eximir-se de efetivar medidas restritivas à liberdade do contribuinte, especialmente providências coativas que dificultem ou impeçam o desempenho da mercancia." (3)
Como exemplo prático, observamos o caso ocorrido no TRF da Primeira Região, onde a Receita Federal realizou uma grande apreensão de maquinário e insumos de uma empresa tabagista. Por unanimidade de votos, a turma acompanhou o voto do Desembargador Federal Olindo Meneses, o qual asseverou:
"Tenho que a empresa e seus empregados têm o direito de sobreviver, não sendo lícito que o fisco, através de uma apreensão gigantesca de mercadorias, insumos, documentos e equipamentos, tudo sob a alegação de infrações fiscais ainda em processo de certificação, imponha-lhe a pena de morte sem o devido processo legal. (O tamanho da apreensão, inclusive sobre insumos e equipamentos, torna impossível o exercício da sua atividade, levando-a a extinção.)
Se não há notas fiscais (a empresa diz que há); se algumas notas são tidas como não idôneas (a empresa defende o contrário); se os selos de controle têm suspeita de legitimidade (a recorrente diz que a suspeita é gratuita, posto que foram adquiridos legalmente); e se não dispõe de registro especial (dito existente), tudo isso está sob discussão na fase administrativa, não sendo sensato que, antes de uma definição, seja a sua situação jurídica de logo posta na moldura de fraude esboçada pela fiscalização, para fins de apreensão e perdimento dos itens materiais questionados.
É preciso ter critério, pois as empresas não são inimigas do Governo, e sim agentes do desenvolvimento, que pagam salários e recolhem tributos, não podendo ser destruídas por suspeitas sem a devida comprovação.
Além do mais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirma que "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos" (Súmula nº 323), e que "não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais" (Súmula nº 547)." (4) (Grifo nosso)
Dessa forma, conclui-se que mesmo sendo a operação irregular, não é lícito que haja a apreensão, devendo o Fisco nomear a empresa como fiel depositária e apurar as circunstâncias da operação, com a lavratura de auto de infração, e configurado o ilícito, propositura de execução fiscal.
Quanto à negativa de autorização para confecção de talonários fiscais, a questão encontra-se pacificada no Tribunal de Justiça de Pernambuco, por todas as Câmaras Cíveis que o compõe. Para efeito de ilustração, destacamos recente acórdão da lavra do Eminente Desembargador Frederico Neves da 6.ª Câmara Cível:
"RECURSO DE AGRAVO. CIVIL, PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. AUTORIZAÇÃO PARA IMPRESSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS (AIDF) - MANUTENÇÃO. PERICULUM IN MORA INVERSO. COMPROVAÇÃO DO ATO TAXADO DE ILEGAL - INVIÁVEL ESSA DISCUSSÃO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. - A suspensão dos efeitos da liminar deferida pelo juízo monocrático causaria periculum in mora inverso, na medida em que os agravados ficariam impedidos de desenvolver suas atividades comerciais, por falta de talonários. - O agravante não indicou de forma clara e precisa qual o obstáculo para o fornecimento da autorização pretendida, limitando-se a alegar genericamente que, se mantida a decisão guerreada, haveria eventual concorrência desleal. - A própria decisão trazida à colação pelo recorrente, do Tribunal de Rio Grande do Sul, somente considera inviável a autorização para impressão de documentos fiscais quando o pretendente é devedor contumaz e desde que não preste garantia de que adimplirá pelo menos parte das obrigações pendentes, porquanto implicaria em quebra da igualdade de tratamento relativamente ao universo de contribuintes. - O Poder Público Municipal dispõe de todos os meios legais para cobrar suposto crédito fiscal do contribuinte, não sendo justificável o método utilizado. - É inviável em se de agravo regimental, a discussão sobre a alegada falta de comprovação do ato taxado de ilegal, por se tratar de questão entrelaçada ao mérito do mandamus. - Consta nos autos do agravo de instrumento em apenso, documentos juntados pelo próprio agravante, alusivos ao pedido de emissão de AIDF perante a Prefeitura Municipal do Recife, cuja autenticidade não pode ser aferida no presente recurso." (AG 88.836-6. Rel. Desembargador Frederico Neves. DOE n.º 138 de 25/07/03)
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça se manifestou recentemente:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE AIDF. RECUSA. ABUSO DE PODER. VIOLAÇÃO AO ART. 1.º DA LEI 1533/51. INOCORRÊNCIA.
Constitui abuso de poder a negativa de autorização para impressão de documentos fiscais indispensáveis à atividade do contribuinte, utilizada como meio coercitivo para o pagamento do tributo.
Recurso Especial improvido." (5)
Trata-se de ato descabido, que prejudica o próprio fisco, uma vez que sem a emissão da nota fiscal, não poderá haver o recolhimento do imposto. Perde o contribuinte que deixa de vender e o fisco que deixa de arrecadar.
No que diz respeito ao Regime Especial de Fiscalização, o Plenário do Supremo Tribunal Federal em 1990, ao analisar os embargos de divergência no Recurso Extraordinário n.º 115.452-7/SP, se pronunciou sobre a questão.
Naquela oportunidade uma empresa paulista de confecção de fitas adesivas encontrava-se inadimplente com a Secretaria da Fazenda, tendo sido submetida por força do Decreto 17.727/81 às seguintes restrições:
1.Recolhimento compulsório do ICM antes da saída da mercadoria do estabelecimento comercial, ou após a saída e antes da entrega ao destinatário;
2.Vedação, aos negociantes compradores, de utilizarem o crédito a que têm direito, quando desacompanhados de guia especial de pagamento de tributo por parte do vendedor;
3.Retenção de talonários de nota fiscal, para aposição de um carimbo, mostrando que o contribuinte se encontra em regime especial;
4.Publicação de ato impositivo da administração na imprensa oficial.
O ministro Carlos Velloso, relator do processo, rechaçou essa modalidade de restrição administrativa, no que foi acompanhado pela unanimidade dos membros do Supremo Tribunal Federal. Destaca-se do voto:
"(...)
O certo é que o "regime especial do ICM", mesmo autorizado por lei, porque impõe restrições e limitações à atividade comercial do contribuinte, viola a garantia da liberdade de trabalho, que estava inscrita no art. 153, § 23 da Constituição de 1967 e que a Constituição de 1988 reafirma no seu artigo 5.º, XIII. Essas restrições e limitações à garantia da liberdade de trabalho não passam, na verdade, bem lembra o Subprocurador – Geral Miguel Frauzino Pereira, no parecer de fls. 354/355, de formas oblíquas para cobrança do tributo, assim execução política, procedimento que esta Casa tem repelido, conforme se vê das Súmulas n.ºs 70, 323 e 547." (6)
Apesar do julgamento ter sido realizado no ano de 1990, a jurisprudência do Pretório Excelso continua uniforme no sentido de repelir os regimes especiais de fiscalização, conforme se observa no acórdão proferido pela Segunda Turma, da lavra do Ministro Marco Aurélio:
"TRIBUTO – REGIME ESPECIAL – PRAZO DE RECOLHIMENTO – TRATAMENTO DIFERENCIADO – GLOSA – IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS.
Conflita com a Constituição Federal, em face da liberdade de comércio, da livre concorrência e do princípio da não-cumulatividade, a imposição de regime de recolhimento de tributo que implique em obrigação de satisfazer diariamente o valor correspondente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Precedente: ERE 115.452, relatado pelo Ministro Carlos Velloso perante o Pleno, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 16 de novembro de 1990." (7)
O Superior Tribunal de Justiça, por suas duas Turmas de Direito Público, também adota o mesmo entendimento:
"No caso dos autos, a inscrição da impetrante no regime especial de fiscalização acarretará o bloqueio de sua inscrição estadual de substituto tributário e a exigência do recolhimento do ICMS por ocasião da entrada da mercadoria no Estado, estabelecendo, assim, tratamento diferenciado, em ofensa à liberdade de trabalho, de comércio e à livre concorrência. Com efeito, o regime especial não pode mudar a forma de cobrança do tributo, uma vez que "fiscalizar" não significa tributar de maneira diversa e de forma a inviabilizar a concorrência." (8)
"Estabelecendo a lei o procedimento adequado à execução dos débitos tributários, deve o fisco eximir-se de aplicar medidas restritivas à atividade do contribuinte, em especial aquelas que possam prejudicar as suas atividades comerciais." (9)
Em acórdão recentemente publicado (07/05/2004), o 2.º Grupo de Câmaras Cíveis, acompanhando o voto do Desembargador Jones Figueiredo, repeliu a figura do regime especial de fiscalização, conforme se depreende da ementa:
(...) "As condições elencadas nas letras "f" e "g" da Portaria SF 481/93, quais sejam, a retenção temporária de mercadorias e a exigência de recolhimento diário do ICMS, não se apresentam compatíveis com os preceitos constitucionais da liberdade de trabalho (art. 5º, XIII) e de comércio (art. 170, IV) e da livre concorrência (art. 170, § único), nem com os ditames do art. 752 do Decreto nº 14.876/91 e do §1º do art. 1º da Lei nº 10.650/91. Inadmissível a imposição de sanções de natureza administrativa como meio coercitivo para obter o pagamento de tributos. É o caso das imposições previstas nas letras "f" e "g" da aludida Portaria. Segurança concedida, para que a autoridade coatora não retenha mercadoria da impetrante e não lhe exija o recolhimento diário do ICMS, enquanto sob Regime Especial de Fiscalização. Retificação da concessão liminar para esses mesmos itens. Decisão indiscrepante." (10)
Assim sendo, a adoção de regime especial contra o contribuinte, não encontra amparo perante a jurisprudência.
No que concerne à negativa de expedição de certidão negativa de débitos ou positiva com efeitos de negativa, observa-se que essa restrição administrativa constitui um grande obstáculo ao desempenho das atividades dos contribuintes, uma vez esse documento é exigido em diversas operações tais como empréstimos perante instituições financeiras, concorrências públicas, arquivamento de atos societários, etc.
Ao negar o fornecimento do documento, sob alegação de defesa do interesse público, sabe-se que o real motivo reside na ânsia arrecadatória do Fisco, que aproveita a oportunidade em que o contribuinte necessita da CND com mais urgência e tem que se submeter às exigências, ainda que arbitrárias do Fisco.
È sabido que o excesso de burocracia para expedição da CND, chega até mesmo a prejudicar a administração pública, uma vez que compras e serviços poderiam ser adquiridos com menores custos se as empresas pudessem participar sem tantos óbices.
Como caso hipotético prático, colhemos o exemplo Eduardo Marcial Ferreira Jardim, ao asseverar:
"Suponha-se a seguinte situação: num procedimento licitatório empresa "A" apresenta a proposta mais vantajosa, pois desfruta de condições para realizar a obra – objeto da licitação – por menor custo e em menor espaço de tempo que os demais proponentes, além de encontrar-se credenciada a fazê-lo com qualificação técnica inigualável, em face de sua experiência e tradição. Nada obstante, a aludida empresa seria excluída do procedimento por ausência da certidão negativa.
Imagine-se, também, que o óbice no tocante à obtenção do referido documento não decorre da circunstância de o contribuinte ser um devedor contumaz ou um sonegador, até porque a precariedade do controle de débitos por parte da Fazenda Pública, não raro, enseja o registro de débitos inexistentes.
Posto isto, chega-se à seguinte conclusão: a empresa que reúne condições de realizar uma dada obra pública por melhor preço, mais rapidamente e com melhor instrumentação tecnológica não poderá fazê-lo em virtude da falta da certidão negativa!
Como se vê, o interesse público fica prejudicado em virtude de uma formalidade burocrática destituída de qualquer sentido lógico. Aliás, esse anacronismo medieval traduz um meio pelo qual a Fazenda Pública procura suprir a sua falta de capacitação no sentido de bem gerenciar a tributação. Quer dizer, embora a ordem jurídica coloque instrumentos ágeis e eficazes em prol da Fazenda Pública para que esta busque a satisfação de seus créditos tributários, ela se mostra incapaz de bem exercer legitimamente as suas prerrogativas e, por isso, culmina por recorrer a uma fórmula mais confortável, qual seja, por meio da exigência da certidão negativa, ainda que essa via afronte direitos e garantias do contribuinte" (11).
A jurisprudência sobre a obtenção da CND e CPD – EN, é vasta. O presente estudo traz como paradigma, decisão da lavra do Ministro Marco Aurélio, que desproveu Agravo de instrumento apresentado pelo INSS, o qual buscava o reconhecimento da Suprema Corte da constitucionalidade do oferecimento de garantia nos parcelamentos realizados, como condição para ser emitida a certidão de regularidade fiscal. Asseverou o Ministro:
"Articula o Instituto com o malferimento do artigo 146, inciso III, da Carta Política da República, salientando que a questão alusiva à certidão negativa de débitos não está afeta a lei complementar, mas ordinária. Assim, com a edição da Lei nº 8.212/91, exaurira-se o tema, não havendo sido prevista a emissão de certidão positiva com efeito de negativa pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Dessa forma, em sendo parcelado o débito, o contribuinte só teria direito à certidão negativa se apresentasse garantia. Por outro lado, a título de argumentação, o Recorrente ressalta ser o Código Tributário Nacional inaplicável em matéria previdenciária, já que fora revogado, nessa parte, pelo diploma citado. O Juízo primeiro de admissibilidade refutou a argüida afronta direta à Constituição (folha 35). O especial simultaneamente interposto teve a mesma sorte do extraordinário, seguindo-se a protocolação de agravo, desprovido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (folha 42). Conforme certificado à folha 40, não veio à balha a contraminuta. Recebi os autos em 19 de setembro de 2000. 2. Na interposição deste agravo, foram atendidos os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por procurador autárquico e acompanhada dos documentos previstos no artigo 544, § 1º, do Código de Processo Civil, restou protocolada no prazo em dobro a que tem jus o Agravante. Extraia-se do disposto no artigo 146, inciso III, da Constituição Federal o mais abrangente alcance possível, ante a necessidade de caminhar-se, no tema, para segurança normativa maior do que aquela decorrente de lei ordinária. O preceito constitucional diz com o gênero "tributo", sendo expresso ao remeter a lei complementar o estabelecimento de regras gerais quanto à obrigação, ao lançamento, ao crédito, à prescrição e à decadência. Daí a boa técnica da Corte de origem, ao proclamar a aplicabilidade do Código Tributário Nacional à hipótese de parcelamento de débito tributário revelador de contribuição previdenciária. Impossível seria dar ênfase à legislação ordinária em detrimento do Código Tributário, recepcionado pela Carta de 1988 como lei complementar. A par desse aspecto, perceba o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS o valor a ser atribuído à esperança. Aquele que o procura, visando a parcelar débito, e vem cumprindo os termos dessa espécie de moratória, demonstra responsabilidade e o desejo de sanear o quadro, continuando, assim, na atividade que desenvolve. Exigências outras, como é a relativa à obrigação de prestar garantia real para, somente com esta, obter-se não a moratória já formalizada, mas a certidão, nos termos do artigo 206 do Código Tributário Nacional, só trazem mais dificuldades, onerando o que pode e deve ser observado sem outros transtornos. O procedimento do Instituto acaba por afigurar- se como uma verdadeira coação para, alfim, contar com a garantia real. É de frisar que, pelo texto do Código Tributário Nacional, a certidão sairá com a notícia do débito, possuindo, no entanto, efeito de verdadeira certidão negativa: Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior (que versa sobre a certidão negativa) a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa. Ademais, dispõe o artigo 151, inciso I, do Código Tributário Nacional que a moratória suspende a exigibilidade do crédito tributário. 3. No caso dos autos, entendo não configurada a violência ao inciso III do artigo 146 da Constituição Federal, valendo notar que a Corte de origem não declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 8.212/91 com a redação imprimida pela Lei nº 9.032/95. Assentou apenas o conflito de leis no tempo, sem envolver normas da Carta da República. Mais uma vez, o enfoque do Colegiado mostrou-se fiel à boa técnica do Direito. Por tais razões, conheço do pedido formulado neste agravo, mas a ele nego acolhida." (12)
Portanto, a exigência de quitação de tributos, de garantia como reforço do parcelamento e outras imposições como condição para o fornecimento da CND ou CPD – EN, fere o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XIII), ou para o exercício de atividade econômica (Constituição Federal de 1988, art. 170, parágrafo único), e é absolutamente inadmissível.
Por fim, merece uma rápida análise a restrição administrativa imposta pela Receita Federal, pela Instrução normativa 27/98, no sentido de negar a renovação do CNPJ das empresas que se encontrem em débito.
Tais como as outras, essa medida é descabida e pouco inteligente, pois sem a devida inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas a empresa não poderá exercer as suas atividades, conseqüentemente não poderá gerar tributos a ser arrecadados.
Não foi detectada nenhuma manifestação dos Tribunais Superiores nesse sentido, destarte, os cinco Tribunais Regionais Federais repeliram a referida instrução normativa. Como paradigma destaca-se o acórdão proferido pela 2.ª Turma do TRF da 5.ª Região da lavra do Desembargador Petrúcio Ferreira:
"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. NEGAÇÃO DO PEDIDO DE ALTERAÇÃO DE INSCRIÇÃO DO CGC. INSTRUÇÃO NORMATIVA. SANÇÃO POLÍTICA. PRECEDENTES. SÚMULAS DO STF. INCABIMENTO.
1. ENCONTRA-SE BASTANTE FIRMADO NA JURISPRUDÊNCIA ATUAL O POSICIONAMENTO ADOTADO PELO JUÍZO SINGULAR DE QUE É INCONSTITUCIONAL A IMPOSIÇÃO DE RESTRIÇÕES À ATIVIDADE COMERCIAL DO CONTRIBUINTE COMO FORMA DE EXIGIR A COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS;
2. A INSTRUÇÃO NORMATIVA QUE FUNDAMENTA A NEGAÇÃO DA INSCRIÇÃO DE REGISTRO EXTRAPOLOU SUA FUNÇÃO MERAMENTE ORIENTADORA, CONTRARIANDO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E INSTITUINDO NORMAS DE CONDUTA AOS PARTICULARES;
3. A FAZENDA NACIONAL, AO OPOR-SE AO DEFERIMENTO DO PEDIDO DE INSCRIÇÃO JUNTO AO NOVO CADASTRO DE CONTRIBUINTES, EM VIRTUDE DA EMPRESA POSSUIR DÉBITOS JUNTO À RECEITA FEDERAL, INSTITUIU RESTRIÇÃO DE CARÁTER PRIVATIVO, CONSUBSTANCIADO EM SANÇÃO POLÍTICA;
4. AS SANÇÕES POLÍTICAS COMO MEIO DE PRESSIONAR O CONTRIBUINTE AO PAGAMENTO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS NÃO SÃO ADMISSÍVEIS NO ATUAL SISTEMA CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO, JÁ TENDO SIDO REPELIDAS INCLUSIVE PELO PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (SÚMULAS N.º 70, 323 E 547);
5. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS." (13)
Reconhecendo a arbitrariedade da exigência, a própria Secretaria da Receita Federal reviu seu ato e culminou afastando a restrição imposta pela questionada Instrução Normativa, mediante a edição da IN nº 20 de 12 de fevereiro de 1999.
Para que se combata os abusos do Fisco através das restrições administrativas, deve o contribuinte pleitear indenização pelos prejuízos delas decorrentes, e para finalizarmos com essa idéia em mente, é oportuno a esclarecimento do Professor Hugo de Britto Machado:
"O caminho para inibir as sanções políticas é a ação de indenização por perdas e danos, contra a entidade pública, com pedido de citação também da autoridade responsável pela ilegalidade, tudo com fundamento no art. 37 e seu § 6º da Constituição Federal. A sanção política conforme o caso, pode causar dano moral, dano material, e lucros cessantes, tudo a comportar a respectiva indenização, desde que devidamente demonstrados." [14]
Certamente, com a propositura das ações de indenização, os agentes da administração pensarão duas vezes antes de aplicar sanções administrativas contra os contribuintes.
Notas
1 MACHADO, Hugo de Britto. "Sanções Políticas no Direito Tributário, in Revista Dialética de Direito Tributário n.º 30, pp 46/49.
2 STJ. RMS 10.678/PB. Rel. Min. Garcia Vieira. DJU: 27/09/1999.
3 STJ.RESP 16.953/MG. Rel. Min. Demócrito Reinaldo. DJU: 25/04/1994.
4 TRF 1.ª Região. AG n.º 2000.01.00011017-6. Rel. Desemb. Fed. Olindo Menezes. DJU: 25.08.2003.
5 STJ. RESP 296.348. Rel. Min. Peçanha Martins. DJU: 24/11/2003.
6 STF. ERE 115.452-7/SP. Rel. Min.Carlos Velloso. Plenario. DJ: 05/12/1990, pág. 14.519.
7 STF. RE 195.621/GO. Rel. Min. Marco Aurélio. 2.ª Turma. DJ: 10/08/2001.
8 STJ. ROMS 15.674/MG. Rel. Min. Luiz Fux. 1.ª Turma. DJ: 22/04/2003.
9 STJ. Resp 152.928/SP. Rel. Min. Peçanha Martins. 2.ª Turma. DJ: 19/02/2001.
10TJPE. MS 16.954-0. Rel. Desemb. Jones Figueiredo. 1.º Grupo de Câmaras Cíveis. DOE: 07/05/2004.
11 Eduardo Marcial Ferreira Jardim, Comentários ao Código Tributário Nacional, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Saraiva, São Paulo, 1998, vol. 2, p. 514/515
12STF. AI 290053 / SC. Rel. Min. MARCO AURÉLIO DJ DATA-02/03/2001 P – 050.
13 TRF 5.ª Região. Processo: 200005000212637. Rel. Desembargador Federal Petrucio Ferreira. DJ DATA:22/06/2001 PAGINA:233.
14 MACHADO, Hugo de Britto. "Sanções Políticas no Direito Tributário, in Revista Dialética de Direito Tributário n.º 30, pp 46/49.