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A distribuição do ônus da prova no CPC/2015 e suas repercussões no processo do trabalho

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15/05/2017 às 15:00
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Ônus da prova de fato negativo

Para a doutrina clássica o ônus da prova de fato negativo não deve ser objeto de prova; entretanto, a moderna doutrina sustenta a possibilidade de o fato negativo ser objeto de prova, uma vez que a legislação processual não traz qualquer impedimento à prova do fato negativo.

No processo do trabalho o ônus da prova é um tema controvertido. Primeiro em razão da aplicação subsidiária de normas processuais civis a esse instituto, sobretudo na aplicação do CPC à seara justrabalhista.

A CLT dedicou apenas um único dispositivo que regulamenta a matéria e, em razão dessa omissão, há a aplicação subsidiária do art. 373 do CPC.

Segundo, porque, por muito tempo, em razão da influência exercida pelo direito romano, o sistema de distribuição do ônus da prova que se fundamentava em algumas regras basilares, dentre as quais a de o fato negativo não pode ser objeto de prova, ou seja, a alegação negativa dispensava a parte da produção probatória, em razão de que o ônus da prova recaia a quem afirmava e não a quem negava.

No entanto, como já mencionado anteriormente a doutrina moderna vem se posicionando em sentido contrário.

Como bem observa Marcelo Abelha Rodrigues, “durante muito tempo e sob influência do direito romano eram dispensados de prova, sob a alegação de que quem os deveria provar era quem os afirmava, e não quem os negava. Logo, a negativa da parte excluía dela o ônus de prová-los. Todavia, hodiernamente, este não é o alvitre com relação aos fatos negativos, já que prevalece a regra de que, se a negativa resulta de uma afirmação que se pretende obter por via de uma declaração negativa, impõe-se à parte que nega o ônus de prová-lo.[14]

Nesse sentido, com brilhantismo, Carlos Henrique Bezerra Leite assim expõe: “Na verdade, toda negação contém, implicitamente, uma afirmação, pois quando se atribui a um objeto determinado predicado, acaba-se por negar todos os demais predicados contrários ou diversos do mesmo objeto. Assim, por exemplo, ao alegar o empregador que não dispensou o empregado sem justa causa (negação do fato), estará aquele alegando, implicitamente (afirmação), que este abandonou o emprego ou se demitiu.

A jurisprudência trabalhista tem se posicionado no sentido de que se o empregador alega não ter dispensado o empregado, cabe a ele demonstrar que o empregado tomou a iniciativa de por fim ao contrato de trabalho (pedindo demissão ou abandono de emprego), em razão do princípio da continuidade da relação de emprego (Súmula 212 do TST).

Entretanto, mister se faz distinguir negação de fato de alegação de fato negativo.

À frente da alegação do reclamante de fato constitutivo de seu direito, a reclamada pode, simplesmente, negar essa afirmação, permanecendo o ônus da prova com o reclamante. Exemplo: o reclamante afirma que prestou serviço além da jornada normal de trabalho à reclamada pleiteando o pagamento das verbas extraordinárias; a reclamada nega qualquer prestação de serviço além da jornada normal. Trata-se, pois, de negação de fato, permanecendo com o reclamante o ônus de comprovar a jornada extraordinária.

Por outro lado, diante da mesma situação descrita, pode a reclamada alegar um fato negativo em relação ao fato constitutivo deduzido pelo reclamante. Exemplo: o reclamante afirma que prestou serviços além da jornada normal de trabalho pleiteando o pagamento das verbas decorrentes; a reclamada reconhece a prestação do serviço na condição de empregado, mas alega que existe acordo de compensação de horas. Pois bem, ao admitir a existência de jornada extraordinária entre as partes, mas alegar que existe acordo de compensação, a reclamada está afirmando que o reclamante não faz jus ao pagamento das horas extras.

Trata-se de fato negativo, mas que em sentido contrário, representa uma verdadeira afirmação, configurada como extintiva da prestação do reclamante, cujo ônus de comprovação, portanto, é da reclamada.

Outro exemplo seria a arguição do reclamante de horas extraordinárias em domingos e feriados, e a alegação da reclamada de que não funciona em tais dias. Nesse caso, o ônus do fato negativo, ou seja, inexistência de expediente nos dias indicados, pertence à reclamada, apesar de ser fato negativo.

O problema do ônus de provar fato negativo é um assunto demasiadamente intrincado e discutido pela doutrina, longe de um acordo entre doutrinadores ou de ser uma solução jurisprudencial unívoca.

Alguns doutrinadores têm denominado a prova de fato negativo como prova diabólica, aquela prova considerada de produção impossível ou de dificuldade extrema.

 Assim, a prova diabólica, muitas vezes, ocorre nos casos em que se tem que provar algo que não ocorreu, constituindo-se em uma autêntica prova negativa.

Em tais casos, nem se trataria propriamente de prova de fato negativo, mas prova de fato positivo, porém impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O Código de Processo Civil de 1973 adotava a teoria estática de distribuição do ônus da prova. Entretanto, essa teoria não resolvia os casos de prova diabólica ou negativa.

Assim, a fim de resolver esse tema começou surgir a teoria dinâmica do ônus da prova, na qual o ônus da prova será atribuído a quem for capaz de suportá-lo, e será observado pelo magistrado de acordo com o caso concreto, portanto, a distribuição será posterior.

Como já exposto, a teoria da distribuição dinâmica não estava positivada no CPC-1973, contudo é adotada pela doutrina e pela jurisprudência, tendo como sustentáculo o princípio da igualdade. Assim, fixar o onus probandi à parte que pode suportá-la é atender o princípio da igualdade.

Não significa impor à parte a produção de prova diabólica, mas de assegurar a parte contrária o pleno exercício do direito de defesa, sem que seja penalizado pela dificuldade, fruto da própria natureza da relação.

O Novo Código de Processo Civil, de 2015, adotou expressamente a teoria da distribuição dinâmica, colocando um fim ao debate (art. 373, § 1º).


A inversão como meio de acesso à justiça

A Carta Magna não elege o direito à prova como um direito fundamental, porém, incontestavelmente, ela está inserida na cláusula do devido processo legal, como expressão do princípio do acesso à justiça, e do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º da Constituição Federal.

Ademais, o direito à prova ultrapassa o aspecto individual para adquirir caráter publicista, em razão de não interessar somente aos litigantes do processo, mas também a toda a sociedade que os fatos discutidos em juízo sejam esclarecidos.

Dessa forma, o direito à prova não é apenas um direito fundamental processual, mas também um direito fundamental de cidadania e da pessoa humana para dar efetividade aos princípios do devido processo legal, ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa.

Como bem observa Cleber Lúcio de Almeida: “na Constituição da República de 1988, o direito à prova é reconhecido, de forma expressa e implícita, o que dá no Título II da Constituição, no qual são disciplinados os “Direitos e Garantias Fundamentais”, tratando-se, portanto, de um direito fundamental. O expresso reconhecimento do direito à prova está no art. 5º, LV. Com efeito, ao reconhecer o direito aos meios inerentes à defesa, a Constituição faz o mesmo em relação ao direito à prova, na medida em que a prova é um dos meios inerentes à defesa dos direitos em juízo (a parte tem o direito de se defender provando). De outro lado, o reconhecimento do direito à prova é uma consequência necessária do reconhecimento do direito: a) à dignidade humana, posto que esta somente se realiza no gozo pleno dos direitos que lhe são inerentes, para o qual contribui, no processo, a prova; b) de liberdade, vez que a prova constitui uma exigência e uma dimensão da liberdade das partes; c) de acesso à justiça, à ampla defesa, ao contraditório, ao processo justo, à não admissão da prova ilícita,  à democracia processual, à justa solução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário, à efetividade da jurisdição e do processo e ao procedimento. Acrescente-se que estabelecer, como modelo, o processo democrático é reconhecer o direito à prova, posto que no processo verdadeiramente democrático as partes têm o direito de participar da formação do provimento jurisdicional, e uma das formas de fazê-lo é fornecer ao Juiz os elementos necessários à formação de sua convicção sobre a ocorrência de tais fatos controversos.”[15]

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A expressão “acesso à justiça” é definitivamente de difícil conceituação, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.[16]

Considerado um direito fundamental, o acesso à justiça está previsto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, que dispõe que “a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

Como advertem Mauro Cappelletti e Bryant Garth: “O enfoque sobre o acesso – o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos – também caracteriza crescentemente estudo do moderno processo civil. A discussão teórica, por exemplo, das várias regras do processo civil e de como elas podem ser manipuladas em várias situações hipotéticas, pode ser instrutiva, mas, sob essas descrições neutras, costuma ocultar-se o modelo frequentemente irreal de duas (ou mais) partes em igualdade de condições perante a corte, limitadas apenas pelos argumentos jurídicos que os experientes advogados possam alinhar. O processo, no entanto, não deveria ser colocado no vácuo. Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada e que qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formam um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que frequência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social. Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para além dos tribunais e utilizar os métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia e da economia, e, ademais, aprender através de outras culturas. O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também necessariamente, o ponto central da moderna processualista. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica.”[17]

Para Cappelletti e Garth, o acesso à justiça constitui o mais básico dos direitos humanos e é requisito essencial de um sistema jurídico que se autodenomine moderno e igualitário, que pretenda não apenas elencar os direitos de todos, mas também garanti-los.

Cappelletti e Garth explicam a evolução dessa ideia, que passou por três ondas, denominadas “ondas renovatórias”.

A primeira retrata a assistência judiciária gratuita, especialmente voltada aos pobres. A segunda enfatiza a representação dos interesses difusos, e a terceira prioriza uma reforma interna do processo, na busca da efetividade da tutela jurisdicional.

A distribuição estática do ônus da prova em muitos casos dificulta a efetividade do acesso à justiça não proporcionando as condições de paridade indispensáveis às partes.

Destacando o direito fundamental à prova no Processo Civil, vale transcrever o art. 369 do Novo Codex, in vervis: “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do Juiz.”

Em um Estado Democrático de Direito, é inadmissível o não acesso a direitos e garantias, principalmente os de caráter processual como, o da produção de prova por falta de conhecimento técnico, financeiro ou até mesmo pelo monopólio das provas.

Existindo a possibilidade de obtenção de provas, contudo essas se mostrem monopolizadas ou sendo extremamente difícil a sua obtenção por uma das partes, poderão ocorrer e certamente ocorrerão, injustiças, tendo em vista a facultatividade do onus probandi.

O artigo 77 do Código de Processo Civil impõe às partes, aos intervenientes e a todos aqueles que de qualquer forma participam do processo dever de lealdade e probidade processual e o estrito cumprimento das ordens e determinações judiciais, independentemente do tipo de processo ou de jurisdição envolvida.

O onus probandi permanece no âmbito subjetivo do interesse de contribuir com a verdade, motivo que levou o legislador brasileiro a reconsiderar o processo à luz do princípio do acesso à justiça, principalmente no que diz respeito às possibilidades do direito à prova.

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Sobre o autor
Jorge da Silva Wagner

Advogado, Mestrando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Direito Civil pela Faculdades Metropolitanas Unidas, e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WAGNER, Jorge Silva. A distribuição do ônus da prova no CPC/2015 e suas repercussões no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5066, 15 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55487. Acesso em: 26 abr. 2024.

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