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A distribuição do ônus da prova no CPC/2015 e suas repercussões no processo do trabalho

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15/05/2017 às 15:00
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Princípio da aptidão para a produção da prova

O princípio da aptidão para produção da prova segundo Marcio Túlio Viana, bem definido por Porras Lopes, vem desde Carnelutti, diz “que deve provar aquele que estiver apto para fazê-lo, independentemente de ser autor ou réu, o que significa inverter quase sempre o ônus da prova em benefício do empregado, já que o empregador detém, em geral, os meios de convencer o Juiz."[18]

Em brilhante artigo transcrito na Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Estevão Mallet sustenta que:

“Um dos pontos em que mais se evidencia o efeito discriminatório da consagração de igualdade meramente formal no processo corresponde ao artigo 818 da CLT. De modo simplista e, até mesmo, tecnicamente censurável, dispôs o legislador: ‘A prova das alegações incumbe à parte que as fizer’. Deixou de lado, com isso, qualquer consideração quanto à possibilidade concreta que tem cada litigante de provar suas afirmações, distribuindo o ônus probatório unicamente de acordo com as alegações feitas. Por conta desse dispositivo já se chegou, por exemplo, ao extremo de exigir-se do empregado a prova de apresentação do requerimento necessário à concessão do vale-transporte. Nada menos justificável, porém. Não se deve perder de vista que, para a tutela de seu direito, deve a parte poder não apenas apresentar suas alegações, como também ter oportunidade de prová-las adequadamente, estando o direito de produzir prova – já ensinava Cunha Gonçalves -, compreendido no originário direito de defesa. Em consequência, permitir a alegação, mas impedir a prova do alegado ‘é o mesmo que nem permitir alegar – equivale à denegação de justiça’... Por isso, e não por outro motivo, situou Chiovenda a regulamentação do ônus da prova entre “i problemi vitali del processo”. Da mesma forma, não é difícil concluir que, se não se limita propriamente à produção de prova, mas e condiciona a tutela do direito à apresentação de prova que, em decorrência de dificuldades materiais ou circunstanciais, a parte não é concretamente capaz de produzir, o que se faz, em termos práticos, é impedir ou dificultar excessivamente o acesso à justiça, privando de tutela o direito. Daí proibir o Código o estabelecimento de convenção sobre o ônus da prova que torne “excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito” (art. 333, parágrafo único, inciso II). Assim, as regras relativas ao ônus da prova, para que não constituam obstáculo à tutela processual dos direitos, hão de levar em conta sempre as possibilidades, reais e concretas, que tem cada litigante de demonstrar suas alegações, de tal modo que recaia esse ônus não necessariamente sobre a parte que alega, mas sobre a que se encontra em melhores condições de produzir a prova necessária à solução do litígio, inclusive com inversão judicial do ônus da prova. Com isso as dificuldades para a produção da prova, existentes no plano do direito material e decorrentes da desigual posição das partes litigantes, não são transpostas para o processo, ficando facilitado inclusive o esclarecimento da verdade e a tutela das situações que de outro modo provavelmente não encontrariam proteção adequada. ”[19]

Assim, o magistrado de acordo com o caso concreto deverá fixar o ônus da prova àquela parte que esteja em melhores condições de produzi-la, independentemente dos preceitos contidos nos artigos 373 do CPC ou 818 da CLT.

Os artigos 818 da CLT e 373 do CPC disciplinam a distribuição estática do ônus da prova. Entretanto, essa teoria encontra-se superada, hoje, vigendo o princípio da aptidão da prova.

Essa teoria foi transplantada para o processo do trabalho sob título de inversão do ônus da prova, ora expressa no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Não se abandonou, por completo, a noção de que o ônus da prova do fato constitutivo cabe ao autor e ao réu cabe provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos, mas que a prova deve ser produzida por quem possui mais facilmente os meios de fazê-lo e tendo em vista a verossimilhança das alegações feitas nos autos, conforme convicção firmada por presunção legal ou mesmo presunção in hominis.

Conforme já abordado anteriormente, o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, autoriza o magistrado a inverter o ônus da prova ao réu quanto ao fato constitutivo do direito alegado pelo autor, quando considerar verossímil a afirmação do autor ou quando este for hipossuficiente sob aspecto econômico, técnico ou por qualquer outra circunstância.

No processo trabalhista, em muitas situações, somente é possível obter êxito na demanda, quando impõe a produção da prova à parte adversa, que via de regra não teria interesse na sua produção.

Portanto, é possível a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor em razão da omissão do texto consolidado, não existindo qualquer incompatibilidade, porquanto em perfeita sintonia com a principiologia protetiva do direito processual do trabalho (art. 769 da CLT).

A Súmula 66 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho dispõe que “diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não-retrocesso social.”


Conclusão

A distribuição dinâmica do ônus da prova prevista no artigo 373, § 1º do CPC, estabelece que nos casos previstos em lei ou diante das peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo, ou ainda à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, o juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

O processo do Trabalho é um ramo em que tal regra de distribuição obtém bons frutos, pois é inegável a dificuldade do trabalhador para provar suas alegações em inúmeras hipóteses, situação que permite a aplicação não só do art. 6º, VIII, do CDC, assim como da regra atual de inversão, apesar de a doutrina e a jurisprudência ainda não terem estabelecido um entendimento pacífico sobre a questão.

Portanto, até que se forme um entendimento pelo menos predominante sobre a aplicação dos novos dispositivos do CPC, aconselha-se a prudência na aplicação da distribuição dinâmica na esfera trabalhista.

Como dito, as relações jurídicas submetidas ao processo do trabalho possuem características que permitem de forma proveitosa a aplicação da distribuição dinâmica, porém há questões que ainda precisam ser sanadas, como a compatibilização dessas novas regras ao processo trabalhista, principalmente no que diz respeito à: inexistência de despacho saneador, a prevalência da audiência una, o número de demandas submetidas à Justiça do Trabalho, a forma como se dá a cumulação objetiva de pedidos.


Referência Bibliográfica:

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DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol 3. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009

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ROMAR, Carla Teresa Martins. Distribuição dinâmica do ônus da prova no Direito Processual do Trabalho in JOBIM, Marco Félix e FERREIRA, William Santos (coord.). Direito probatório. 2ª ed. rev. e atual., Salvador : Juspodivm, 2016.

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SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 2.  23ª ed. São Paulo: Saraiva. 2004.

SCHIAVI, Mauro. Prova no Processo do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr. 2014.


Notas

[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 224.

[3] ARRUDA ALVIM. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016, p. 241.

[4] SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 2.  23ª ed. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 337.

[5] Ibdem p. 339

[6] MARTINS, Adalberto. Manual didático de direito processual do trabalho. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2014. p. 157.

[7] ARRUDA ALVIM. Manual de direito processual civil 16. Ed.. São Paulo: RT, 2013, n. 195. p. 989 In ARRUDA ALVIM. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016, p.243

[8] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol 3. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009. P 46.

[9] ARRUDA ALVIM. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016, p. 247/248

[10] NERY JUNIOR, Nelson. NERY. Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. Novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2015. P. 984/985.

[11] DIDIER JR, Fredie., BRAGA, Paulo Sarno., OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2 v. 2ª ed. Bahia: Ju Podiuvm. p. 90.

[12] GRANDE, Maximiliano García. Carga probatórias dinâmicas: ni nuevas, ni argentinas, ni aplicables. Academia Virtual Iberoamerica de Direito e Altos Estudos Judiciais in apud PINHEIRO E NEVES, Bethânia Couto. Distribuição dinâmica do ônus da prova. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI142078,11049-A+distribuicao+dinamica+do+onus+da+prova>. Acesso em: 21 nov. 2016.

[13] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 1 v. 6ª ed. Bahia: Jus Podiuvm. p. 521.

[14] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. 2 v. São Paulo: Revista do Tribunais. 2000. P. 171. In apud BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Cursos de Direito Processual do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr. 2011. p. 597.

[15] ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Elementos da Teoria Geral da Prova: a prova como direito humano e fundamental das partes do processo judicial. São Paulo: LTr. 2013. P. 173-174. In apud SCHIAVI, Mauro. Prova no Processo do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr. 2014. p. 35.

[16] CAPPELLETTI, Mauro.  Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 8.

[17] Ibdem, p. 12-13.

[18] VIANA, Marcio Túlio. Critérios para inversão do ônus da prova no processo do trabalho. Revista LTr. Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo: V. 58. N. 10. P. 1218-1224, out. 1994 in apud  AMBROSIO, Graziella. A Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr. 2013. P. 92-93.

[19] MALLET, Estevão. Discriminação e Processo do Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 65, n. 01, out/dez de 1999, p. 148/159

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Sobre o autor
Jorge da Silva Wagner

Advogado, Mestrando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Direito Civil pela Faculdades Metropolitanas Unidas, e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WAGNER, Jorge Silva. A distribuição do ônus da prova no CPC/2015 e suas repercussões no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5066, 15 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55487. Acesso em: 24 abr. 2024.

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