Na época em que o governo brasileiro era comandado e exercido por políticos filiados ou mesmo ligados ao PT (Partido dos Trabalhadores), muito se comentou sobre o suposto alinhamento ideológico das referidas autoridades políticas aos ideais “bolivarianos” que, naqueles tempos, eram (ou, haviam sido!) fartamente difundidos por Hugo Chávez, político venezuelano que, ao assumir o poder, no final da década de 90, adotou, via referendo, uma nova Constituição, alterando a denominação oficial do país que passara a presidir para “República Bolivariana da Venezuela”.
É certo que, naquele período, críticas surgiram de todos os lados, repugnando a aproximação tupiniquim da então ideologia chavista; só que muitos dos que se atreveram a tecê-las, verdade seja dita, nem sabiam do que se tratava o bolivarianismo (talvez ainda nem saibam!), apenas e simplesmente o abominavam pela (pseudo) vinculação com o então governo venezuelano.
A expressão bolivarianismo designa a doutrina política, de origem latino-americana, calcada nas convicções integracionistas, socializantes e de não-dominação, erigidas pelo general venezuelano Simón Bolívar, quando das lutas por ele travadas, no século XIX, em prol da independência de alguns países sul-americanos (que até então eram colônias espanholas – daí a utilização, em história, do termo “América Espanhola”).
Bolívar, em 14.08.1805, no Monte Sacro, em Roma, para onde viajara com a finalidade de aprofundar seus estudos, jurou não descansar enquanto não libertasse toda a América do Sul do domínio espanhol (ato que ficou conhecido como “Juramento do Monte Sacro”).
De volta ao continente, nos anos que se seguiram participou ativamente do processo de independência de vários países sul-americanos, dentre eles: Venezuela (onde ficou conhecido como “O Libertador”), Colômbia e Peru.
Em 1819 organizou o Congresso de Angostura fundando a “Grande Colômbia” (ou “Grã-Colômbia”), que abrangia os territórios hoje ocupados por Venezuela, Colômbia, Panamá e Equador, dela sendo proclamado o seu presidente. Já no ano de 1824 participou da independência do Peru, do qual separou-se, no ano seguinte, a Bolívia (que recebeu esse nome em sua homenagem).
Bolívar entendia que o poder seria melhor e mais eficazmente exercido se houvesse efetiva união entre as diversas nações do território sul-americano (até mesmo como forma de se protegerem das forças espanholas), razão pela qual, em 1826, convocou o Congresso do Panamá onde propôs a formação de uma “Confederação de países”, sonho que acabou não se concretizando.
Nos anos seguintes, após vários entraves e críticas, abriu mão da presidência da “Grã-Colômbia” e em 1830 faleceu, pobre (havia gasto todas as riquezas da família nas guerras pela independência que travou) e vítima de tuberculose.
Ser humano inegavelmente à frente de sua época, os escritos deixados por Bolívar (como o Manifesto de Cartagena e a Carta da Jamaica) deixam nítido o caráter integracionista que o impregnava. Dizia ele que o sistema de governo perfeito é aquele que produz, ao mesmo tempo, felicidade, segurança social e estabilidade política (forte viés socializante).
Era partidário do fim da escravidão e da separação entre Estado e Religião (a laicidade estatal). Se intitulava um democrata, mas sustentava que a centralização do poder era excepcionalmente necessária, diante da fragilidade da recém-independência dos países sul-americanos, argumentando, ainda, que o povo deveria ser ouvido "até o momento em que errava" (uma nítida inspiração ditatorial). Ademais, criticava a má administração das rendas públicas.
Essas, em linhas gerais, são as características que aproximam – ou distanciam – um país do bolivarianismo.
E notem: não foi o caso, permitam-me, do governo de Hugo Chávez.
O regime imposto pelo falecido presidente venezuelano destoou, em larga escala, das percepções e desígnios de Bolívar, apresentando caracteres próprios (de cunho notadamente ditatorial) e ideologias socialistas que o tornaram uma espécie de bolivarianismo deturpado ou chavista (ou simplesmente “chavismo” - termo, a meu ver, mais adequado).
Nesse sentido, é importante consignar que o bolivarianismo possui uma forte característica socializante, mas não socialista - que é, notem, a marca do “chavismo”. Hugo Chavez se orgulhava em dizer que a Revolução “Bolivariana” havia mergulhado a Venezuela no “Socialismo do século XXI” (conforme discurso proferido em 2005 no Fórum Social Mundial). O mais correto seria ele ter falado em “Revolução Chavista”!
"Bolivarianismo" e “chavismo”, percebam, são doutrinas distintas, e não há razão para odiar a primeira, muito pelo contrário. Há razão, perdoem-me a sinceridade, para criticar a segunda.
De todo modo, uma abordagem específica sobre o "chavismo", e algumas ponderações sobre o “Socialismo do século XXI” (termo cunhado por Heinz Dietrich), ficarão para um outro bate-papo.