A função social do contrato.

Constitucionalização do Direito Civil

Leia nesta página:

A constitucionalização do Direito Civil trata-se de uma realidade em nosso ordenamento, este artigo aborda a importância disso na função social do contrato.

A função social do contrato trata-se de um princípio contratual de ordem pública, um dos muitos que emergiram junto com a lei 10.406/2002, o novo código civil. Contrário ao que ocorria no código de Beviláqua – que priorizava o individualismo e o patrimonialismo – o código civil de 2002 adotou o princípio da socialidade como um de seus norteadores. Tal princípio tem como uma de suas características a limitação da liberdade contratual.

As jornadas de Direito Civil abordaram o tema acima mencionado:

A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. (Enunciado n. 23 da I Jornada de Direito Civil)

Com o advento da Constituição Federal de 1988 a eterna dicotomia que existia entre Direito público e privado tornou-se quase inexistente, visto a crescente atenção dada ao particular pelo Estado.

Fazendo uma análise sob a luz da teoria tridimensional de Reale, fica mais fácil compreender as mudanças, ou evolução, do ponto de vista axiológico e sociológico ocorridas pelo ordenamento. Estranho seria um diploma normativo de cunho individualista ainda em vigência, quando a Carta Magna do país tem uma eficácia predominantemente focada no social.

Se analisarmos o artigo 1º, III, da Constituição Federal, veremos o primeiro e mais importante princípio fundamental no entendimento do renomado jurista Luís Roberto Barroso, servindo este de base para quase todos os outros princípios, a dignidade da pessoa humana. Este é o princípio que alicerça todo o ordenamento brasileiro atualmente.

Não delongarei a explanação filosófica e axiológica nesta introdução para não tornar demasiadamente desgastante a leitura, visto que este não é o foco do trabalho em tela.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a função social do contrato se resume a:

“A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes”[1]

A função social do contrato visa atender os interesses da pessoa humana. Ao longo deste trabalho ficará incontestável que a função social dos contratos tem o escopo de proteger a dignidade da pessoa humana, seja na dimensão individual ou coletiva.

De tal forma, todo contrato deve respeitar o princípio da função social, estando este acima de outros que disciplinam o instituto, assim como a dignidade da pessoa humana, eventualmente, está acima de outros direitos e garantias fundamentais.

Continuando, o art. 2.035 do Código Civil destaca o seguinte:

Art. 2.035 A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

O que o supramencionado artigo fala é que todos os negócios celebrados sob a égide do Código de 1916 continuam valendo, salvo os que contrariarem a função social. Tal dispositivo evidencia a soberania do princípio dissertado em tela. Como dito no parágrafo anterior, no caso de conflito principiológico ou normativo a função social sempre irá prevalecer. Trata-se de um exemplo clássico de conflito de direitos e garantias fundamentais, de um lado a dignidade da pessoa humana do outro o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.

Alguns doutrinadores entendem pela inconstitucionalidade do referido artigo. Todavia, não entendo por inconstitucionalidade do mesmo. O que vemos em tela é a chamada retroatividade motivada.[2]

Tal posicionamento encontra respaldo no enunciado n. 300 da IV Jornada de Direito Civil:

Art. 2.035. A lei aplicável aos efeitos atuais dos contratos celebrados antes do novo Código Civil será a vigente na época da celebração; todavia, havendo alteração legislativa que evidencie anacronismo da lei revogada o juiz equilibrará as obrigações das partes contratantes, ponderando os interesses traduzidos pelas regras revogada e revogadora, bem como a natureza e finalidade do negócio.

A constitucionalização do Direito Civil tem sido de extrema importância para as relações no âmbito do Direito privado. A aplicação de princípios de ordem pública neste ramo são responsáveis por uma evolução histórica - axiológica nunca antes vista em nosso ordenamento.

O juiz a luz de cada caso concreto, utilizando-se das mais variadas técnicas hermenêuticas poderá identificar a clausula geral nos contratos e desta forma construir um entendimento teleológico do instituto. Desse modo, fica de fácil identificação se tal instrumento está em consonância com a função social obrigatória ou contraria esta.

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Posso elencar três situações pontuais onde o princípio em estudo é desrespeitado: a) contratos que ofendem interesses metaindividuais ou o princípio da dignidade da pessoa humana; b) contratos que ofendem terceiros; c) terceiros que ofendem contratos.

É seguro afirmar que hoje em dia o Direito Civil anda de mãos dadas com o Direito Constitucional e seus princípios norteadores. Sabe-se que as normas gerais servem em grande parte para permitir ao julgador atuar com certa discricionariedade porem dentro do que preceitua a lei. Seria impossível para o legislador vislumbrar cada situação possível em cada caso. De tal forma, as normas gerais – ou os princípios gerais – são o mecanismo que o aplicador da lei tem para dizer o Direito concretamente em determinada situação.

Outra vantagem em se alicerçar o novo código em princípios de ordem constitucional elencada por Carlos Roberto Gonçalves citando Nelson Nery Junior é:

“[...] o juiz poderá preencher os claros do que significa essa “função social”, com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. A solução será dada diante do que se apresentar, no caso concreto, ao juiz. Poderá, por exemplo, proclamar a inexistência do contrato por falta de objeto; declarar sua nulidade por fraude à lei imperativa (CC, art. 166, VI), porque a norma do art. 421 é de ordem pública (CC, art. 2.035, parágrafo único); convalidar o contrato anulável (CC, arts. 171 e 172); determinar a indenização da parte que desatendeu a função social do contrato etc. Aduz o mencionado jurista que, sendo “normas de ordem pública, o juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio.”[3]

Em outras palavras, o magistrado tem uma discricionariedade maior para poder decidir e de tal forma poder tomar a decisão mais justa, trazendo mais equilíbrio social.

Concluindo, pode-se dizer que o advento da Constituição de 1988 e o entendimento que esta trouxe sobre a dignidade da pessoa humana sendo o centro do nosso ordenamento jurídico ocasionou mudanças estruturantes no Direito Civil. Este deixou de ter um entendimento individualista e patrimonialista, passando a considerar diversos princípios gerais. Dentre estes a função social do contrato.


[1] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais 9. Ed. Pg. 22— São Paulo: Saraiva, 2012.

[2] Pesquisa, setembro 2016 disponível em: < http://samarajuris.jusbrasil.com.br/artigos/192578246/artigo-2035-do-código-civil-principio-da-retro...;

[3] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais 9. Ed. Pg. 24— São Paulo: Saraiva, 2012.

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Sobre o autor
Anderson Ayres Bello de Albuquerque

Acadêmico de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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