A análise econômica da tributação.

Princípio da capacidade contributiva como limitador ao dever de tributar do Estado

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09/02/2017 às 10:15
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Breve paradigma entre o nascimento do Estado, com o Estado atual. A abordagem consiste em analisar a prestação de serviços em prol do cidadão com a contraprestação pecuniária, através dos tributos.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o escopo de traçar um paradigma entre os idos da instituição do Estado (através do contrato social de John Locke), com os tempos atuais, haja vista que quando daquela instituição, a intenção da criação do Estado era preservar a segurança e o patrimônio individual.

Ocorre que houve uma distorção de tal conceito, passando o Estado atual a ir além da manutenção da segurança e do patrimônio, uma vez que, atualmente, está ocorrendo a prestação de inúmeros outros serviços públicos, como a saúde, a educação, a previdência social, o assistencialismo, a redistribuição de riqueza, dentre inúmeros outros.

Todavia, é evidente que o Estado não foi criado para acolher todas as necessidades dos cidadãos, pois se o fizesse, tornaria o ente deficitário e dependente de financiamento robusto.

E para a manutenção do Estado, surgiu a tributação como fonte de arrecadação para fazer frente às despesas públicas, cuja parcela de riqueza produzida por seus cidadão, devem ser repassadas obrigatoriamente ao referido ente, daí o seu caráter compulsório, em razão de se evitar o oportunismo.

Entrementes, a Constituição Federal atribuiu aos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), a competência para a instituição e cobrança de tributos. E a Lei de Responsabilidade Fiscal, determina que os entes instituam todos os tributos de sua competência, sob pena de responsabilidade fiscal.

Assim, é evidente que há tributos que avançam sobre a propriedade privada, uma vez que os princípios da capacidade contributiva e da igualdade, não raras vezes, são desconsiderados.

Desta forma, o trabalho tenta traçar uma breve análise econômica da tributação, apontando os pontos de sonegação fiscal e como poderia o sistema ser readequado, com o fito de garantir um desenvolvimento econômico e social do país.


2. O SURGIMENTO DO ESTADO

Para se entender a origem do tributo, insta-nos fazer um retrocesso aos idos do surgimento do Estado.

John Locke[2] estabelece que o estado de natureza é aquele onde todos os homens são livres e iguais, ao ponto que não se submetem a nenhuma regra.

Neste viés, assevera o pensador que o homem no estado de natureza é tão livre, dono e senhor da sua própria pessoa e de suas posses e a ninguém sujeito. Destarte, sendo os homens livres e iguais para gozar dos mesmos direitos, sua fruição é muito incerta e passível de invasões, uma vez que inexiste a equidade e a justiça entre os homens, prevalecendo a lei do mais forte. Assim, fazendo o homem abandonar tal condição que é muito perigosa, nascendo-se então a necessidade de se juntarem para a conservação recíproca da vida, da liberdade e dos bens, assim denominado de “propriedade”.

Diante deste contexto, segundo a teoria contratualista de Locke, o Estado surge a partir do momento em que indivíduos que necessitam conviver em grupos abrem mão de parcela da liberdade individual em favor desse Estado – um ente representativo dessa coletividade, cujo objetivo precípuo é propiciar a segurança e a proteção da propriedade e, para tanto, devendo haver a renúncia do homem ao seu estado de natureza.

Locke ainda destaca:

“(...) os homens são por sua natureza livres, iguais e independentes, e por isso nenhum pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar seu consentimento, O único modo legítimo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade natural e assume os laços da sociedade civil consiste no acordo com outras pessoas para se juntar e unir-se em comunidade, para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, com a garantia de gozar de suas posses, e de maior proteção contra quem não faça parte dela”.[3]

Ressaltamos, ademais:

“Por “contrato social” entende-se o pacto realizado entre os indivíduos, pelo qual ao renunciar parte de sua liberdade individual constituem uma entidade central, dotada de autoridade sobre todos. Esta autoridade, normalmente o Estado, terá a função de proteger e garantir a liberdade dos mesmos indivíduos que abdicarem de parcela dela ao pactuarem o contrato social.

Por mais contraditório que possa parecer, é a renúncia parcial da liberdade que possibilita a manutenção dessa mesma liberdade, pelo monopólio estatal do uso da força. “Como exemplos, a segurança contra violência interna (polícia), a segurança contra violência externa (forças armadas) e arbítrio para dirimir conflitos de interesses entre os indivíduos (juízes)”.[4]

Assim, o Estado passou a ser detentor da parcela desta liberdade individual para a formação da sociedade; pois, através da criação de normas de condutas, instalou as regras da vida em sociedade (direitos e deveres), preservando a propriedade (vida, liberdade e bens) daqueles que não convivam nela.

Nesse sentir, o Estado foi criado para garantir a segurança e a liberdade de todos os indivíduos que o compõem, devendo tratá-los com a igualdade de direitos, mormente, regulando a sua conduta e a garanta individual.

E para subsidiar essa prestação, nasce então a figura do tributo – meio de arrecadação de riqueza para servir de contraprestação aos serviços estatais.

Ocorre que traçando uma análise paralela entre os idos do contrato social (surgimento do Estado) e sob a ótica dos dias atuais (Constituição Federal de 1.988), é visível que houve uma distorção do objetivo do Estado. Pois, no momento de sua instalação a necessidade era a manutenção da segurança, com o resguardo do patrimônio.

Contudo, a Constituição Federal de 1.988 amplia a prestação estatal, com o fito de prestar, além da segurança, saúde, educação, previdência social, intervenção na atividade econômica, assistencialismo e redistribuição de riquezas.

É sintomático que a crise política e econômica aqui instaurada ocorre em razão dessa divergência para qual o Estado foi criado, uma vez que surgindo uma nova prestação do estado ao indivíduo, necessário se fará uma maior contraprestação, aqui denominado de tributo. E o Estado jamais conseguirá atender a todos de forma igualitária, tornando desde a sua consolidação como deficitário e ineficiente.

Porquanto, passou-se a ser necessário mais e mais dinheiro para fazer frente a tamanha despesa, o que protrai sobre o patrimônio privado, incidindo maior cobrança e arrecadação de tributos, pondo-se em xeque o próprio patrimônio antes assegurado pela criação do Estado, ou seja, o próprio sistema passou-se a insurgir-se contra o patrimônio antes então defendido.


2. A TRIBUTAÇÃO COMO FOMENTO À CONTRAPRESTAÇÃO ESTATAL

Vimos que o estado surgiu com a necessidade dos indivíduos buscarem a segurança e a proteção para o seu patrimônio, abdicando da parcela da liberdade individual, mediante a observância de regras de conduta e comportamental. Nesse sentido, passou a ser atividade do Estado prestar segurança aos seus indivíduos, bem como a defesa territorial, e a edição de regras de conduta para zelar o direito de propriedade, utilizando-se a figura do árbitro (juízes) para resolver conflitos individuais.

Todavia, com a evolução do Estado aos tempos modernos, houve uma ampliação dessa assistência aos indivíduos que o compõem, indo muito além de garantir a segurança e o resguardo do patrimônio, já que o estado atual se faz presente também na saúde, na educação, na previdência social, na intervenção da atividade econômica, no assistencialismo e na redistribuição de riquezas; podendo, no entanto, caracterizar por uma deturpação do conceito inicial para o qual foi criado, já que a gama de serviços que visa atender, torna o sistema precário e deficitário, sobrecarregando o próprio Estado e o seu contribuinte, este ainda mais, uma vez que tem o dever de contribuir para financiar os serviços estatais.

Com isso, essa ampliação de atendimento aos cidadãos fez-se também incidir uma maior carga de contribuição para com o financiamento do ente estatal. Pois, para viver em sociedade é necessário abdicar-se de parcela da liberdade individual, obrigando-se a contribuir para o financiamento da máquina pública. E essa contribuição é a subtração da riqueza produzida por seus indivíduos.

Vale-se aqui dizer, se certo indivíduo não gozar dos serviços prestados pelo Estado, deve, ainda assim, ser obrigado a contribuir com a parcela da sua riqueza em razão da compulsoriedade que essa prestação pecuniária enseja. E isso ocorre justamente para evitar o oportunismo, posto que, àquele que não contribua, possa utilizar da segurança e de toda infraestrutura fornecida pelo entre estatal, sem ter a afetação do seu patrimônio, vindo então às regras de conduta e comportamentais determinarem tal obrigatoriedade, tornando um mal necessário para a garantia da liberdade individual.

E o poder de tributar do estado é assim definido por Hugo de Brito Machado:

“No exercício de sua soberania o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta.

Importante, porém, é observar que a relação de tributação não é simplesmente relação de poder como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora o seu fundamento seja a soberania do Estado. Sua origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido. Uma relação de escravidão, portanto. E essa origem espúria, infelizmente às vezes ainda se mostra presente em nossos dias, nas práticas arbitrárias de autoridades da Administração Tributária. Autoridades ainda desprovidas da consciência de que nas comunidades civilizadas a relação tributária é relação jurídica, e que muitas vezes ainda contam com o apoio de falsos juristas, que usam o conhecimento e a inteligência, infelizmente, em defesa do autoritarismo”.[5]

Roque Carrazza comenta acerca do princípio republicano e a competência tributária, asseverando, que esse princípio, quando da instituição do tributo, pode ser desconsiderado pelo Estado em razão da não observância do princípio da igualdade, que disciplina que todos devem ser tratados de forma igual:

“É sempre oportuno encarecer que a competência tributária é conferida às pessoas políticas, em última análise, pelo povo, que é o detentor por excelência de todas as competências e de todas as formas de poder. De fato, se as pessoas políticas receberam a competência tributária da Constituição e se esta brotou da vontade soberana do povo, é evidente que a tributação não pode operar-se exclusiva e precipuamente em benefício do Poder Público ou de uma determinada categoria de pessoas. Seria um contrassenso aceitar-se, de um lado, que o povo outorgou a competência tributária às pessoas políticas e, de outro, que elas podem exercitá-la em qualquer sentido, até mesmo em desfavor desse mesmo povo.

Não é fácil provar, reconhecemos, que um tributo afronta o princípio republicano. Isto, porém, não significa que a exigência constitucional inexiste. Sempre haverá situações em que, com toda a certeza, o princípio terá sido desconsiderado”.[6]

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E isso ocorre em razão do valor da alta carga tributária, pois que, ao passo que o Estado presta mais serviços aos cidadãos ou, ainda, a despeito da falta de gestão dos recursos públicos recebidos da arrecadação de impostos, maior será a taxação dos seus contribuintes, adentrando para dentro da sua propriedade, com a devida afetação à parcela da sua riqueza.

Roque Carrazza ainda comenta:

“A conclusão a tirar, portanto, é que a República reconhece a todas as pessoas o direito de só serem tributadas em função do superior interesse do Estado. Os tributos só podem ser criados e exigidos por razões públicas. Em conseqüência, o dinheiro obtido com a tributação deve ter destinação pública, isto é, deve ser preordenado à mantença da res publica.

Assim, a pessoa política, quando exercitar a competência tributária, deve ter a cautela de verificar se está acolhendo com boa sombra o princípio republicano”.[7]

Atualmente, a Constituição Federal delimita a regra de competência tributária, delimitando a cada ente político os tributos que podem instituir, cabendo assim instituírem: a União (imposto sobre a importação (II), imposto sobre a exportação (IE), imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR), imposto sobre produtos industrializados (IPI), impostos sobre operações de crédito, câmbio, seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) e o imposto sobre grandes fortunas (IGF)); aos Estados (imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) e imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA)); e, aos Municípios (imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (ITBI) e imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS)). Por fim, cabendo destacar, que cabe ao Distrito Federal instituir os tributos de competência estadual e municipal.

No entanto, como visualizado acima, a gama de tributos é demasiada, o que torna alta a carga tributária no Brasil. E nesse contexto, aquele conceito inaugural de Estado se contradiz, pois, ao passo que o ente político foi criado com a intenção de dar segurança e garantir o direito de propriedade aos seus indivíduos, a atuação estatal passou a exigir mais e mais financiamento, avançando para o próprio patrimônio individual que pretendia antes acautelar.

Além da quantidade de tributos, as normas – regra matriz de incidência tributária, são complexas, ao ponto de tornarem-se incompreensíveis, o que majora ainda mais o custo administrativo com a fiscalização e a arrecadação do tributo, pois, não raras vezes, os contribuintes são impelidos a procurarem profissionais técnicos para interpretarem a norma jurídica ou quando tal fato contribui para o não recolhimento do tributo.

Alfredo Augusto Becker enfatiza acerca da tributação irracional do Estado, quando em razão da alta carga tributária:

“A tributação irracional dos últimos anos conduziu os contribuintes (em especial os assalariados) a tal estado que, hoje, só lhes resta a tanga.

E, além da tanga, restam-lhes apenas a fé e a esperança na mudança desse estado de coisas simultaneamente com a mudança dos Ministros da Fazenda e do Planejamento.

Porém, se a estes contribuintes tributarem até mesmo a tanga, então, perdidas estarão a fé e a esperança. Infelizmente existem fundadas razões para que tal aconteça.

E se a exposição que o leitor lerá parecer-lhe caótica, recorde-se que eu estou procurando descrever o caos”.[8]

Assim, em razão da quantidade de impostos, da constante alteração das alíquotas, do preço que se paga para viver em sociedade e da dificuldade da interpretação da norma jurídica tributária, o Estado incentiva a sonegação fiscal, ao ponto que o contribuinte não tem condições para contribuir com tudo que o ente necessita arrecadar, tornando uma espoliação do patrimônio privado que visava garantir.

Diante disso, é visível que para incentivar o crescimento de um país, não será com a criação de mais impostos e redistribuição de riqueza que isso ocorrerá (política populista), mas sim com um plano conjunto de governança, onde as despesas são reduzidas, a privatização de serviços não essenciais são implementadas para desonerar o financiamento da máquina pública e a produção e o consumo são incentivados.

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Sobre o autor
Leandro Consalter Kauche

Leandro Consalter Kauche é Advogado, sócio do Leandro Consalter Kauche - Sociedade Unipessoal de Advocacia, sediado em Curitiba (PR); foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/PR (triênio 2013-2015);foi membro da Rede Nacional de Proteção dos Direitos Humanos da OAB/PR para atuação na Copa do Mundo FIFA2014; foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/MS (triênio 2010-2012); Mestre em Direito Empresarial e Cidadania, pelo Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; Especialista em Direito Civil, Empresarial e Processual Civil com capacitação para Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB (Campo Grande -MS). E-mail: [email protected] Contato: (41) 99886-4771

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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