A análise econômica da tributação.

Princípio da capacidade contributiva como limitador ao dever de tributar do Estado

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09/02/2017 às 10:15
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3. O DEVER TRIBUTÁRIO DO ESTADO

Preambularmente, trataremos como “dever” tributário do Estado ao revés de “poder”, em razão de que a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar n. 101/2000, disciplina que é dever o ente político a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional, consoante a transcrição a seguir:

“Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

§ 2º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”.

(...)

“Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

(...)

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:       (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001)       (Vide Lei nº 10.276, de 2001)

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança”.[9]

Note-se que é obrigação do governante atender aos pressupostos da referida lei, sob pena de ensejar em crime de responsabilidade. Pois, uma vez inserido pela Constituição Federal a competência tributária do respectivo ente político, o mesmo tem o dever de instituir e arrecadar o tributo, com o fito de auferir a receita para a manutenção da máquina pública.

Nesse sentido, Roque Antônio Carrazza assevera:

É sempre oportuno encarecer que a competência tributária é conferida às pessoas políticas, em última análise, pelo povo, que é detentor por excelência de todas as competências e de todas as formas de poder. De fato, se as pessoas políticas receberam a competência tributária da Constituição e se esta brotou da vontade soberana do povo, é evidente que a tributação não pode operar-se exclusiva e precipuamente em benefício do Poder Público ou de uma determinada categoria de pessoas. Seria um contrassenso aceitar-se, de um lado, que o povo outorgou a competência tributária às pessoas políticas e, de outro, que elas podem exercitá-la em qualquer sentido, até mesmo em desfavor desse mesmo povo.[10]

O art. 11, da lei de responsabilidade fiscal, é curial ao ditar que constitui requisitos essenciais de responsabilidade fiscal a instituição, previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente político.

Portanto, consignado na constituição a norma de competência tributária, os respectivos entes políticos, através de seus representantes, têm o dever de instituir e arrecadar os respectivos impostos de sua competência.


4. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO LIMITE AO DEVER DE TRIBUTAR DO ESTADO

O princípio da capacidade contributiva tem previsão constitucional, instado no §1º, do art. 145, e dispõe que sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, conforme abaixo transcrito:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - impostos;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.[11]

Nesse cingir, tal princípio enfatiza que o ente político ao instituir um tributo deve o fazer em atenção à capacidade contributiva dos contribuintes, uma vez que a pessoa tributada deve suportar a carga tributária e não ser subtraído pelo ente estatal, o que poderia caracterizar um efeito confiscatório do tributo, já que os conceitos para a instituição do contrato social (surgimento do Estado) estariam também desvirtuados; pois que, o estado passaria a tributar demasiadamente sobre o patrimônio do indivíduo, apropriando-se de sua riqueza, o que ocasionaria prejuízo à segurança ao próprio direito de propriedade, já que o ente político seria o grande vilão, quando por meio da carga tributária elevada, passe a invadir o patrimônio antes protegido.

Roque Carrazza enfatiza sobre a capacidade contributiva, salientando que aquele que detém mais patrimônio deve arcar, proporcionalmente, com a maior carga tributária, ao ponto que o que tem menor patrimônio, arque com uma parcela menor:

“Da só leitura deste dispositivo constitucional emerge, de modo inequívoco, a necessária correlação entre os impostos e a capacidade contributiva. De um modo bem amplo, já podemos adiantar que ela se manifesta diante de fatos ou situações que revelam, prima facie, da parte de quem os realiza ou neles se entrona, condições objetivas para, pelo menos em tese, suportar a carga econômica desta particular espécie tributária.

II- Acrescentamos que o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza.

(...)

IV – A progressividade das alíquotas tributárias, longe de atritar com o sistema jurídico, é o melhor meio de se afastarem, no campo dos impostos, as injustiças tributárias, vedadas pela Carta Magna Sem impostos progressivos não há como atingir-se a igualdade tributária. Logo, o sistema de impostos, no Brasil, deve ser informado pelo critério da progressividade”.[12]

Por essa razão, isso não quer dizer que aquele que não detenha patrimônio não contribua com a sua parcela da carga tributária, em razão da igualdade da regra matriz de incidência tributária, posto que, ninguém é excluído da obrigação tributária, desde que pratique o fato em subsunção à norma jurídica. E neste norte, a progressividade de alíquotas pode ser o ponto de equilíbrio para ativar o princípio da capacidade contributiva com o princípio da igualdade, em razão da proporcionalidade que deve haver entre ambos os princípios.

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Paulo de Barros Carvalho, ao comentar o princípio da capacidade contributiva, assevera que deve o legislador, ao instituir tributos, deve buscar fatos que demonstrem signos de riqueza, para fins de distribuição uniforme da carga tributária e com respeito ao princípio da igualdade, destacamos:

“A capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributário e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo. Mensurar a possibilidade econômica de contribuir par o erário com o pagamento de tributos é o grande desafio de quantos lidam com esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos e o modo como é avaliado o grau de refinamento dos vários sistemas de direito tributário. Muitos se queixam, entre nós, do avanço desmedido no patrimônio dos contribuintes, por parte daqueles que legislam, sem que haja atinência aos signos presuntivos de riqueza sobre os quais se projeta a iniciativa das autoridades tributantes, o que compromete os esquemas de justiça, de certeza e de segurança, predicados indispensáveis a qualquer ordenamento que se pretenda racional nas sociedades pós-modernas.

Ao recordar, no plano da realidade social, daqueles fatos que julga de porte adequado para fazer nascer a obrigação tributária, o político sai à procura de acontecimentos que sabe haverão de ser medidos segundos parâmetros econômicos, uma vez que o vínculo jurídico a eles atrelado deve ter como objeto uma prestação pecuniária. Há necessidade premente de ater-se o legislador à procura de fatos que demonstrem signos de riqueza, pois somente assim, poderá distribuir a carga tributária de modo uniforme e com satisfatória atinênia ao princípio da igualdade”.[13]

Humberto Ávila em sua obra, também dispõe sobre a ligação entre o princípio da capacidade contributiva com o da igualdade:

“A norma tributária que tem por fim obter receitas é denominada norma com finalidade fiscal (Lastenausteilungsnorm) e deve ser avaliada de acordo com um parâmetro de justiça – a capacidade contributiva. Para a interpretação dessas normas tributárias, a finalidade – obtenção de receita – não é adequada, porque não pode esclarecer por que determinado dispositivo foi configurado deste ou daquele modo. A persecução desse objetivo conduziria a uma ampliação ainda maior das obrigações tributárias. Por isso, essas normas devem ser medidas pelo parâmetro da igualdade”.[14]

Insta ressaltar a diferenciação realizada por Sacha Calmon Navarro Coêlho, entre capacidade contributiva subjetiva (em consideração a pessoa) e a capacidade contributiva objetiva (em consideração aos bens), assim descrita:

“A capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay). É subjetiva quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada, etc.). Aí temos “signos presuntivos de capacidade contributiva”. Ao nosso sentir, o contribuinte elegeu como princípio a capacidade econômica real do contribuinte”.[15]

Por derradeiro, analisado que a capacidade contributiva deve ser levada em conta quando da instituição do tributo, notadamente, atrelada ao princípio da igualdade, onde através de alíquotas progressivas é possível dirimir aquele que detém maiores condições de arcar com uma maior carga tributária, lastreado nos fatos signos de riqueza.

Por assim dizer, consubstanciado na capacidade contributiva e no princípio da igualdade, o Estado não pode tributar sem limites, pois, a propriedade privada é ainda motivo de resguardo da atividade estatal, não podendo esta comprometer a subsistência de seus cidadãos ou a higidez da sociedade empresária.

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Sobre o autor
Leandro Consalter Kauche

Leandro Consalter Kauche é Advogado, sócio do Leandro Consalter Kauche - Sociedade Unipessoal de Advocacia, sediado em Curitiba (PR); foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/PR (triênio 2013-2015);foi membro da Rede Nacional de Proteção dos Direitos Humanos da OAB/PR para atuação na Copa do Mundo FIFA2014; foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/MS (triênio 2010-2012); Mestre em Direito Empresarial e Cidadania, pelo Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; Especialista em Direito Civil, Empresarial e Processual Civil com capacitação para Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB (Campo Grande -MS). E-mail: [email protected] Contato: (41) 99886-4771

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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