Uma afronta à liberdade de imprensa

13/02/2017 às 13:59
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O ARTIGO PÕE EM DISCUSSÃO CASO CONCRETO SOBRE A LIBERDADE DE IMPRENSA.

Informa o site do jornal O Globo, do dia 13.2.17, que a  Justiça de Brasília, em resposta a uma ação do Palácio do Planalto, censurou reportagem produzida pelo GLOBO, na última sexta-feira, sobre uma troca de mensagens entre a primeira-dama, Marcela Temer, e um hacker, que tentava extorquir dinheiro dela. A decisão liminar, do juiz Hilmar Castelo Branco Raposo, foi assinada na sexta-feira, porém o departamento jurídico do jornal só foi intimado oficialmente nesta segunda-feira.

A decisão se estendeu ao jornal "Folha de S. Paulo", que também publicou a reportagem.

A troca de mensagens faz parte do processo judicial contra o hacker Silvonei de Jesus Souza, que tramita na Justiça de São Paulo, ao qual o jornal teve acesso. Silvonei foi condenado a 5 anos e 10 meses de prisão em outubro do ano passado por tentar chantagear Marcela Temer utilizando conteúdo roubado do celular e de contas de e-mail da primeira-dama.

A ação foi movida na sexta-feira pelo subsecretário de assuntos jurídicos da Presidência da República, Gustavo do Vale Rocha, logo após o Planalto ter sido procurado pelo GLOBO e também pela "Folha de S. Paulo", que solicitavam um resposta da presidência sobre a reportagem. O Planalto enviou resposta ao jornal e a manifestação havia sido citada na reportagem publicada.

Na decisão o juiz sustenta que "a inviolabilidade da intimidade tem resguardo legal claro" e proíbe a divulgação de qualquer conteúdo do celular de Marcela Temer. O conteúdo da reportagem original foi retirado do site hoje, logo após O GLOBO receber a intimação da decisão judicial.

Com o devido respeito a decisão historiada contraria a Constituição.

Afronta-se a liberdade de imprensa. Não se pode “calar a boca da imprensa”, que tem sua liberdade de comunicação e informação à serviço da sociedade.

A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação de forma desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação em consonância com o que ditam os incisos IV, V, IX, XII e XIV do artigo 5º, combinados com os artigos 220 a 224 da Constituição.
A liberdade de comunicação compreende, nos termos da Constituição, as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização e manifestação de pensamento, esta sujeita a regime jurídico que é especial.
As formas de comunicação regem-se pelos seguintes princípios básicos: a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição qualquer que seja o processo ou veículo por que se exprima; b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza politica, ideológica e artística; d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe da licença da autoridade; e) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens depende de concessão, permissão e autorização do Poder Executivo federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional a que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, § 2º, e 4º(45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio.

O Supremo Tribunal Federal, na análise da ADPF 130, de forma expressiva, já expressou que uma das mais relevantes franquias constitucionais é a liberdade de manifestação de pensamento, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Não se pode cercear, por que método for, a liberdade de informação.

A palavra informação, como situa José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 218), se entende “o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções  “a do direito de informar e a do direito de ser informado”. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado”. A primeira coincide  com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que, tanto os indivíduos como a comunidade, estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas.

Sendo assim a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento, a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Não se discute que o acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o que se chama de sigilo da fonte.

Na liberdade de informação jornalística se centra o direito à informação.

A liberdade de informação que se fala é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação e obtê-las.

Entendo cabível reclamação ao Supremo Tribunal Federal, objetivando suspender o curso das demandas ajuizadas e noticiadas.

Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e ainda na garantia da autoridade das decisões. Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no item I, do artigo 102 da Constituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, é cabível a reclamação. A segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões.
Na correta lição de José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, ,2ª edição, pág. 435) há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ.
Não obstante os pressupostos assinalados por Amaral Santos(RTJ 56/539), reconhecidos por Alfredo Buzaid(RT 572/399), de que para haver reclamação são necessários: “a) a existência de uma relação processual em curso; b) e um ato que se ponha contra a competência do STF ou contrarie decisão deste proferida nessa relação processual ou em relação processual que daquela seja dependente”, o certo é que não há falar em reclamação sem a iniciativa ou provocação de um interessado ou da procuradoria-geral da República.
Ora, para que esses entes possam fazê-lo, é mister que propugnem pela elisão de qualquer usurpação atentatória da competência de um desses dois tribunais ou pelo reconhecimento da autoridade de decisão já proferida por um deles.
Correta a ilação de que no que concerne ao asseguramento da integridade de decisão do tribunal supremo, não importa perguntar da sua natureza. Tal compreende tanto a decisão da matéria civil como a criminal. Assim será o caso de reclamação contra decisão exorbitante da instância ordinária, ao rever julgamento do STF, como já entendeu-se na Recl. 200 – SP, em 20 de agosto de 1986, em que foi Relator o Ministro Rafael Mayer.

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Contra a liminar noticiada cabe, de início, recurso de agravo de instrumento, pois se trata de decisão de cognição de urgência, no curso do processo civil.

O Ministro Celso de Mello, em sua decisão, entendeu que é admissível o ajuizamento de Reclamação para questionar o que chamou de transgressão à eficácia vinculante de que se mostra impregnado o julgamento do Supremo Tribunal Federal, proferido no âmbito de processos objetivos de controle normativo abstrato, como o que resultou no exame da ADPF 130.
Disse ainda o Ministro Celso de Mello que, mesmo que, no caso do jornalista, ele não tenha participado diretamente como parte naquele julgamento que envolveu Lei de Imprensa(ADPF 130), ele tem legitimidade ativa para reclamar junto ao STF qualquer decisões contrárias ao entendimento firmado de forma vinculante pelo STF, em sede de ação declaratória de inconstitucionalidade, de ação declaratória de constitucionalidade ou, no caso, de arguição de descumprimento de preceito fundamental etc.

A decisão historiada, diante da Constituição Federal, constitui um cerceamento à  liberdade de imprensa, devendo ser revista seja através de recurso de agravo de instrumento, onde se demonstre o evidente grave dano irreparável a uma garantia constitucional, como ainda pela ação constitucional de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, pois afronta jurisprudência cediça na matéria.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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