A crise no Estado de Espírito Santo é alerta para o Brasil

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John Locke afirmou que somente através da coletividade é que o ser humano não age, unicamente, pelo estado de natureza. É importante o civismo e a civilidade para os tempos sombrios do Brasil

Cidadãos do Estado de Espírito Santo viveram, e ainda vivem, momentos de terror. Tudo começou quando familiares dos policiais fizeram barricadas em frente aos quartéis. Quando algum policial pretendia sair do quartel, seja para prestar serviço ou direito de ambulatório, os manifestantes não deixavam, usavam de força física, conjunta, para impedir qualquer policial.

As justificativas das manifestantes são: melhorias salariais, já que não dá para o policial viver com dignidade — além disso, vivem em localidades tomadas pelos traficantes; reposição salarial; auxílio-alimentação etc.

As manifestantes também invocaram a solidariedade dos cidadãos não policiais. Ou seja, a mesma sociedade que quer proteção, não pode deixar os policiais serem alvos fáceis de criminosos, por estes estarem mais aparelhado do que os próprios policiais. E qual ser humano vive sem as necessidades básicas? Invoca-se, assim, o sentimento de coletividade: os bons têm que proteger os bons.

A solidariedade surgiu para as manifestantes continuarem defendendo seus maridos. Água mineral e alimentos, o sentimento de coletividade foi despertado.

O DIREITO DE UNS É DIREITO DE TODOS?

1) Caso Amarildo: juíza condena 12 dos 25 policiais militares acusados

Considerando que todos os moradores da Favela da Rocinha, Zona Sul do Rio, também acampassem, m frente dos quartéis, impedissem a saída de qualquer policial, como forma de se exigir dos policiais o não cometimento de abuso de autoridade. Seria justo?

2) Inquérito conclui que policiais mataram juíza para evitar pedido de prisão

E se todos os juízes acampassem e impedissem os policiais de saírem, como forma de protesto contra a barbaridade. Seria justo?

3) Salários baixos e condições de trabalho precárias de médicos comprometem saúde pública no DF, diz sindicato

Imaginemos que os familiares dos médicos acampassem em frente aos hospitais, para impedir que os profissionais trabalhassem. Seria justo?

4) CIDH condena assassinato de líder indígena Guarani-Kaiowá no Brasil

E se os índios fossem para Brasília impedir que os congressistas saíssem, enquanto não tomassem medidas urgentes para proteger todos os indígenas no Brasil? Seria Justo.

5) PM admite que policial se excedeu em ataque com spray de pimenta

Caso os manifestantes acampassem e impedissem os policiais de saírem dos quartéis. Seria legítimo?

6) Vídeo mostra manifestante levando soco de policial em protesto na USP

E se esses manifestantes fossem acampar em frente dos batalhões como forma de protesto? Seria legítimo?

A pergunta fática:

— Nos casos acima, os policiais ficariam inertes? Pois são manifestações legítimas (Estado Democrático de Direito)

JOHN LOCKE E AS MANIFESTAÇÕES

SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL

20. Quando a força deixa de existir, cessa o estado de guerra entre aqueles que vivem em sociedade, e ambos os lados são igualmente submetidos à justa determinação da lei; porque agora eles têm acesso a um recurso, tanto para reparar o mal sofrido quanto para prevenir todo o mal futuro. Mas onde não existe tal recurso, como no estado de natureza, devido à inexistência de leis positivas e de juízes competentes com autoridade para julgar, uma vez iniciado o estado de guerra, ele continua, e a parte inocente tem o direito de destruir a outra quando puder, até que o agressor proponha a paz e deseje a reconciliação em tais termos que possa reparar quaisquer erros que já tenha cometido e assegurar o futuro da vítima. E mesmo onde exista um recurso legal e juízes estabelecidos, se, por uma perversão manifesta da justiça ou clara distorção das leis, sua solução é negada com a finalidade de proteger ou de garantir a violência ou o dano de alguns homens ou de um partido, é difícil imaginar outra situação além de um estado de guerra. Pois onde entra em jogo a violência e danos são causados, ainda que por mãos daqueles que deveriam administrar a justiça, continua se tratando de violência e danos, apesar do nome, das aparências ou das formas de lei; pois a lei tem por finalidade proteger e reparar os inocentes, através de sua aplicação justa a tudo o que está sob sua tutela; quando isso não é realizado de boa-fé, é o mesmo que entrar em guerra contra as vítimas, às quais, não tendo ninguém a quem recorrer na terra, só resta apelar ao céu.

21. Evitar este estado de guerra (que exclui todo apelo, exceto ao céu, e onde até a menor diferença corre o risco de chegar, por não haver autoridade para decidir entre os contendores) é uma das razões principais porque os homens abandonaram o estado de natureza e se reuniram em sociedade

Numa sociedade há grupos com pensamentos distintos, mesmo que haja o contrato social. Cada grupo invoca para si a noção de coletividade. No contrato social (John Locke) ou pacto social (Sigmund Freud), as coletividades toleram viver sob único mandamento, lei. As divergências surgem, pois cada qual, mesmo sob o mesmo contrato ou pacto, tem sua convicção do que seja viver corretamente. Por isso, Locke considera a democracia como um meio para que os grupos possam viver mais ou menos harmoniosamente. Quando há divergências, é a democracia capaz de regular o contrato social.

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Não existindo o sentimento de coletividade, não teria manifestação. Manifestar é demonstrar uma insatisfação ou exigir um direito, por exemplo. Logo, o sentimento de coletividade existe. E por que existe?

Locke dizia que os direitos fundamentais é um Direito Natural (direito à vida, à liberdade, à propriedade). Sendo um direito natural, este direito existe muito antes de qualquer governo, leis e o próprio Estado. No Estado de Natureza todos os seres humanos são livres, portanto não existe hierarquia entre os seres humanos. Pelo Direito Natural, segundo Locke, cada ser humano é dono de si mesmo (autopossessão). Contudo, pelo Estado de Natureza, o próprio ser humano possui obrigações consigo e com os seus semelhantes (Locke não faz diferenças quanto à morfologia, sexualidade, religião, ideologias políticas, pessoa com necessidades especiais ou não. Afinal, todos os seres humanos são regidos pelo Estado de Natureza, possuindo, assim, o Direito Natural. São os direitos fundamentais.

Cada ser humano, pelo Direito Natural, tem o dever de se autopreservar — Locke não admite qualquer possibilidade de autodestruição (suicídio). Cada ser humano tem a obrigação de respeitar uns aos outros, pois todos são regidos pelos direitos fundamentais. Isso vale dizer que a ninguém, pela Lei Natural, é permitido violar a dignidade humana de quem quer que seja. E pela mesma Lei, nenhum ser humano pode se apropriar de propriedade ou qualquer posse alheia. A liberdade de qualquer ser humano encontra limite na Lei da Natureza.

Locke reconhece que o ser humano pode cometer excessos ao ser juiz de si e de outros seres humanos, os quais infringem a Lei. Para inexistir o Estado de Guerra, é necessário coletividade. No caso dos policiais impedidos de saírem dos quartéis, por suas esposas, como resolver à luz do contrato social? Para evitar o estado de guerra é necessário solidariedade. Enquanto há crise econômica, pela PPPI (Parceria Público-Privada Ímproba), cada cidadão — empresário ou não — deve ajudar o próximo. Isso evitaria que as esposas ou os familiares dos policiais impedissem o importante trabalho dos cidadãos policiais que juraram proteger à Nação. E a solidariedade aos policiais — ajuda material — é uma resposta, civilizada, de reconhecimento aos serviços dos policiais.

E como normalizar a situação?

  • Coesão de interesses ao interesse público;
  • Participação da iniciativa priva para ajudar os policiais, como ajuda financeira. Essa ajuda pode ser: amortização de dívidas; cesta básica;
  • Os mais ricos prestarem ajuda, como doações.

Verdadeiro libertário não descarta a atitude solidária entre os seres humanos. Mas os libertários condenam qualquer arbitrariedade de usar uma situação em benefício próprio (A sociedade de mercado versus a dignidade humana)

Para os cidadãos que se dizem cristãos, a solidariedade é o norte.

Infelizmente, com o surgimento da civilização a escravidão surgiu, e até justificada (Sócrates). Com a tecnologia, o ser humano (modernidade líquida) se deixou esvaziar em suas emoções solidárias e de respeito ao próximo. A humanidade vive o "eu" e "só eu".

Os policiais e suas famílias têm o direito de exigir seus direitos, pois são seres humanos dotados de dignidade, o apoio da sociedade. Contudo, esse exigir não pode colocar a própria sociedade em perigo. Houve justificativa de que a violência no Espírito Santo, pelo impedimento dos polícias saírem dos quartéis, não se deve aos próprios policiais, pois os crimes foram cometidos pelos criminosos. Se isso for verdade, não há o porquê de existir polícia, muito menos as Forças Armadas. É um gasto, então, oneroso para os contribuintes.

E qual lição se pode extrair do Estado de Espírito Santo? Quando não há amor ao próximo, quando não há patriotismo, não há paz, harmonia, respeito aos bens alheios. Somente a educação humanística pode resolver isso. Se Japão, Suécia, Irlanda e Suécia criaram um sistema educacional que transformou os cidadãos em um corpo humano imbuído de civilidade e civismo, então, é este caminho que o Brasil deve tomar. Quanto mais leis punitivas, algo de errado há na cultura (psicologia).

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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